TJ-MT - Apelação: APL XXXXX20148110042 MT
APELAÇÃO CRIMINAL - OPERAÇÃO APRENDIZ - 2ª FASE - CRIMES DE PECULATO E FALSIDADE IDEOLÓGICA - CONDENAÇÃO - 1. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL E DA LEI N. 12.850 /2013 E DE SEU ART. 4º, §§ 7º E 8º - 1.1. OFENSA AO ART. 53 DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS, BEM COMO AO ART. 18, N. "21", ALÍNEA B, DA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CRIMINALIDADE ORGANIZADA TRANSNACIONAL (CONVENÇÃO DE PALERMO), E À CONVENÇÃO DE AUXÍLIO JUDICIÁRIO EM MATÉRIA PENAL ENTRE OS ESTADOS-MEMBROS DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA - COLABORAÇÃO PREMIADA - ANTECIPAÇÃO DO JUÍZO DE CULPA - ARGUIÇÃO IMPROCEDENTE - OBSERVÂNCIA ÀS REGRAS DE EDIÇÃO, DEBATES E SANCIONAMENTO - PROPOSITURA E SANÇÃO POR ENTES LEGITIMADOS - INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO SOBRE ÉTICA, TRAIÇÃO OU MORAL AO INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA - JULGADOS DO PRETÓRIO EXCELSO SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO - RCL XXXXX/RR , HC XXXXX/PR - ENTENDIMENTO ACOMPANHADO POR ESTA CORTE DE JUSTIÇA, NA EXS XXXXX/2015 - 1.2. SIGILO - ALEGADA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DUE PROCESS OF LAW, AO SISTEMA ACUSATÓRIO, AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA - INOCORRÊNCIA - BUSCA PELA EFETIVIDADE DA MEDIDA E DA VERDADE REAL DOS FATOS - 1.3. PARTICIPAÇÃO DO JUIZ NO ACORDO - DEMONSTRAÇÃO DO CONVENCIMENTO ÍNTIMO DA MAGISTRADA SOBRE A VERACIDADE DA NARRATIVA MINISTERIAL – PREJULGAMENTO – QUEBRA DO DEVER DE IMPARCIALIDADE – INOCORRÊNCIA - VERIFICAÇÃO DAS FORMALIDADES LEGAIS - IMPARCIALIDADE PRESERVADA - ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA - 2. MÉRITO - NULIDADES - 2.1. - INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESPECIALIZADO DA 7ª VARA CRIMINAL - INOCORRÊNCIA DE CRIME ORGANIZADO - INCOMPROVAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DE QUATRO OU MAIS PESSOAS - PRETENDIDA ANULAÇÃO AB OVO DA AÇÃO PENAL - INVIABILIDADE - PECULATO - CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - CONSUMAÇÃO NA CAPITAL - RESOLUÇÃO 23/2014/TP, DJE DE 11/12/2014 - SINTONIA COM OS ARTS. 125 DA CF E 92 DA CE/MT - 2.2. INÉPCIA DA DENÚNCIA - PROPALADA CRIPTOIMPUTAÇÃO - VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA E AO ART. 41 DO CPP - INOCORRÊNCIA - DESCRIÇÃO MINUDENTE DOS FATOS, DATAS, INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS E DOS CRIMES PRATICADOS - OBSERVÂNCIA ÀS DISPOSIÇÕES DO ART. 41 DO CPP - ATESTO DE NOTAS FISCAIS "FRIAS" SEM CONFERIR DOLOSAMENTE O RESPECTIVO RECEBIMENTO - ENQUADRAMENTO NA HIPÓTESE DE COPARTICIPAÇÃO EM CRIMES DE PECULATO - SUFICIÊNCIA PARA O ÂMBITO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - ARGUIÇÃO REJEITADA - 2.3. NULIDADE DAS GRAVAÇÕES AMBIENTAIS CLANDESTINAS - AUSÊNCIA DE EXPRESSA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL - DESCONHECIMENTO DE UM DOS INTERLOCUTORES - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA INTIMIDADE E DA VIDA PRIVADA - INAPLICABILIDADE DO ART. 3º , INCISO II , DA LEI N. 12.850 /2013 - AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA - PROVA PRODUZIDA EM OUTRA FASE DA OPERAÇÃO APRENDIZ - EVIDÊNCIA NÃO UTILIZADA COMO MOTE PRINCIPAL DA CONDENAÇÃO - NEXO DE CAUSALIDADE NÃO EVIDENCIADO - INTELIGÊNCIA DO ART. 157 , § 1º , DO CPP - PROVA OBTIDA POR MEIO DE FONTE INDEPENDENTE - NÃO-CONHECIMENTO DA ARGUIÇÃO ANULATÓRIA - 3. MÉRITO - PRETENDIDAS ABSOLVIÇÕES - 3.1. ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA - CONDENAÇÃO LASTRADA EM CONJECTURAS - TARGET EFFECT - VIÉS DA CONFIRMAÇÃO - IMPRESTABILIDADE DA COLABORAÇÃO PREMIADA - INCOMPROVAÇÃO DOS FATOS ALEGADOS PELO COLABORADOR PREMIADO - AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL E TESTEMUNHAL DAS ACUSAÇÕES - ALEGADA COMPROVAÇÃO DA ENTREGA DOS MATERIAIS CONTRATADOS - ATIPICIDADE FORMAL E MATERIAL - INVIABILIDADE DE MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO EXCLUSIVAMENTE NA PALAVRA DO COLABORADOR PREMIADO - IMPROCEDÊNCIA DOS ARGUMENTOS - COMPROVAÇÃO DO EMBUSTE CRIADO PARA LUDIBRIAR A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL - PLANEJAMENTO ENTRE AGENTES PÚBLICOS E PARTICULARES - DELAÇÃO PREMIADA ALICERÇADA EM APRESENTAÇÃO DE PROVA DOCUMENTAL - LAUDOS PERICIAIS E RELATÓRIOS QUE COMPROVAM A DIVERGÊNCIA DO OBJETO DA ADESÃO À ATA DE REGISTRO DE PREÇOS DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA - PAGAMENTOS REALIZADOS ANTES DA EMISSÃO DA RESPECTIVA NOTA FISCAL - COMPROVAÇÃO DA NÃO ENTREGA DO MATERIAL - AUSÊNCIA DE ESTOQUE DE INSUMOS E MATÉRIA-PRIMA PARA PRODUÇÃO DE LIVROS, CARTILHAS, FOLDERS, CRACHÁS E OUTROS MATERIAIS - ATESTE IDEOLOGICAMENTE FALSO DAS NOTAS FISCAIS - AUSÊNCIA DE CONTROLE DE ENTRADA E SAÍDA DOS MATERIAIS - INCOMPATIBILIDADE ENTRE O VOLUME DE LIVROS PRODUZIDOS E A QUANTIDADE EFETIVAMENTE ENCONTRADA - PRODUÇÃO DE ÍNFIMA QUANTIDADE APENAS PARA DAR ARES DE LEGALIDADE DO EMBUSTE - CONFISSÃO JUDICIAL DO DELATOR PREMIADO - ELEMENTOS SATISFATÓRIOS DE PROVA INCRIMINADORA - CONDENAÇÃO MANTIDA - 3.2. ATIPICIDADE FORMAL E MATERIAL - INVIABILIDADE DE MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO EXCLUSIVAMENTE NA PALAVRA DO COLABORADOR PREMIADO COM PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FIGURA CULPOSA - DESPROVIMENTO - ATESTE DE NOTAS FISCAIS IDEOLOGICAMENTE FALSAS - WILFUL BLINDNESS DOCTRINE - DOLO EVENTUAL - PROVEITO PRÓPRIO - MANTENÇA NO CARGO OCUPADO - ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO DESCABIDAS - 3.3. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA - CHEFE DO ALMOXARIFADO - EXCLUDENTE DA CULPABILIDADE - OBEDIÊNCIA À ORDEM DE SUPERIOR HIERÁRQUICO - INOCORRÊNCIA - ORDEM SUPERIOR MANIFESTAMENTE ILEGAL - INTELIGÊNCIA DO ART. 22 DO CP - ARGUIÇÃO RECHAÇADA - 4. COLABORADOR PREMIADO - PRETENDIDA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PERDÃO JUDICIAL - ART. 4º DA LEI N. 12.850 /2013 - IMPORTANTE COLABORAÇÃO PRESTADA PARA A ELUCIDAÇÃO DO CRIME - INVIABILIDADE - REDUÇÃO DE PENA PREVIAMENTE ACORDADA NO TERMO DE COLABORAÇÃO PREMIADA - AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO DAS PARTES E DE REPARAÇÃO OU VOLUNTÁRIA DISPOSIÇÃO PARA TAL FINALIDADE - REQUISITOS CUMULATIVOS - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NÃO CARACTERIZADA - 5. CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E PECULATO - PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO - PRETENDIDA APLICAÇÃO - PROCEDÊNCIA - RELAÇÃO DE MEIO E FIM CARACTERIZADA - AUSÊNCIA DE LESIVIDADE DAS NOTAS FISCAIS IDEOLOGICAMENTE FALSAS APÓS SUAS UTILIZAÇÕES - APLICAÇÃO ANALÓGICA DO VERBETE DA SÚMULA 17 /STJ - 6. PECULATOS-APROPRIAÇÃO - TESE DE CRIME ÚNICO - SINGULARIDADE DO CONTRATO - PAGAMENTO DE VÁRIAS NOTAS FISCAIS - IMPROCEDÊNCIA - CRIME MATERIAL - CONSUMAÇÃO DE CADA DELITO QUE COINCIDE COM A INVERSÃO DA POSSE DOS VALORES INDIVIDUALMENTE ASSACADOS - CONFECÇÃO E ASSINATURA DO INSTRUMENTO - CARACTERÍSTICA DO ITER CRIMINIS DOS CRIMES E NÃO DA CONSUMAÇÃO - TESE REFUTADA - 7. CRIME CONTINUADO - PRETENDIDO RECONHECIMENTO PARA TODAS AS INCURSÕES DELITIVAS - PROCEDÊNCIA - PRESENÇA DE UNIDADE DE DESÍGNIOS, SIMILITUDE FÁTICA, TEMPORAL, ESPACIAL E QUANTO AO MODUS OPERANDI DOS CRIMES DE PECULATO - PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES OBJETIVAS DO ART. 71 , CAPUT, DO CP - 8. - DOSIMETRIA PENAL - 8.1. CULPABILIDADE - PREMEDITAÇÃO - CULPABILIDADE - APENAMENTO MAIS SEVERO - PLAUSIBILIDADE - MANTENÇA - ENUNCIADO N. 49/TJMT - 8.2. MAUS ANTECEDENTES - AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO - CONDENAÇÕES POSTERIORES NÃO DEFINITIVAS - DESCABIMENTO - ALIJAMENTO DO CARÁTER PEJORATIVO DESSA MODULAR - 8.3. PERSONALIDADE VOLTADA PARA O CRIME - AUSÊNCIA DE LAUDO PSICOSSOCIAL - REGISTROS CRIMINAIS - IMPERTINÊNCIA PARA A COMPROVAÇÃO - REDUÇÃO PENAL IMPOSITIVA - 8.4. CONSEQUÊNCIAS EXTRAPENAIS DAS AÇÕES DELITIVAS - PREJUÍZO DE GRANDE MONTA - TRANSCENDÊNCIA À PREVISÃO NORMATIVA - BIS IN IDEM - INOCORRÊNCIA - MAJORAÇÃO PENAL MANTIDA - 8.5. AGRAVANTE - CRIME DE MANDO - AUTORIA INTELECTUAL - PROMOÇÃO E DIREÇÃO DAS RÉDEAS DO CRIME - CARACTERIZAÇÃO - FRAÇÃO DE 1/6 - PROPORCIONALIDADE - MANTENÇA - 8.6. CRIME CONTINUADO - ART. 71 , CAPUT, DO CP - FRAÇÃO DE ELEVAÇÃO - QUANTIDADE DE CRIMES - CRITÉRIO OBJETIVO - 8.7. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA - PENAS INFERIORES A OITO ANOS - MODULAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA EXCLUSIVAMENTE NA QUANTIDADE DE PENA - RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA - ABRANDAMENTO IMPOSITIVO - 8.8. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS AOS RÉUS CONDENADOS À PENA IGUAL OU INFERIOR A QUATRO ANOS - NECESSIDADE - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS - 8.9. DETRAÇÃO DO TEMPO DE PRISÃO PROVISÓRIA PARA A DETERMINAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA - ART. 387 , § 2º DO CPP - INAPLICABILIDADE - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - PROVIDÊNCIA A SER REALIZADA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL - 9. APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. Da arguição de inconstitucionalidade da Lei n. 12.850 /13 e de seu art. 4º , §§ 7º e 8º. 1 .1. O Pretório Excelso, no julgamento do HC XXXXX/PR , mutatis mutandis, reconheceu e chancelou a constitucionalidade material do instituto da colaboração premiada no que diz respeito à compatibilização com as Convenções de Viena e de Palermo. 1 .2. Em hipótese alguma é conferível a participação da defesa dos delatados no ato de colaboração premiada porque, como bem esclareceu a própria defesa, cuida-se um meio de obtenção de prova e, não, naturalmente, como um meio de prova; ou seja, representa apenas um caminho para que se possa chegar mais rapidamente aos meios de prova admitidos por lei como sendo válidos para a condenação, sobre o que, o sigilo lhe é peculiar, por expressão do art. 4º , § 7º , da Lei n. 12.850 /2013. O sigilo aqui representa uma das vigas mestras do acordo de colaboração premiada, pois garante a efetividade da busca pelas provas do fato em apuração, na mesma medida em que garante proteção ao colaborador. E como não se trata de prova, e sim de um caminho para se chegar a elas, evidentemente não se submete às rédeas da disciplina constitucional concernente ao contraditório e à ampla defesa, ao menos não quanto ao conteúdo do acordo. 1 .3. A função do Magistrado no acordo de colaboração premiada se restringe a verificar a observância das formalidades ínsitas ao ato, bem como a voluntariedade da manifestação do colaborador, sendo-lhe defeso realizar qualquer aprofundamento sobre os termos do acordo promovido, significando, assim, que a imparcialidade continua preservada. 2. Mérito. 2 .1. Improcede a alegada nulidade processual por incompetência do Juízo da 7ª Vara Criminal da Capital para o julgamento dos crimes de peculato ocorridos na Capital. A Proposição que deu origem ao Provimento n. 004/2008/CM, deliberada e aprovada em sessão plenária desta Corte de 26/02/2008, este último posteriormente modificado pela Resolução n. 23/2014-TP, sufragou que a competência da Vara Especializada Contra os Crimes perpetrados contra a Administração Pública é resultado da especialização de competência das unidades judiciais do Estado de Mato Grosso com a finalidade de atender aos anseios propostos pelo art. 126 da Constituição Federal e da Recomendação n. 03/2006, de 30 de maio de 2006, do Conselho Nacional de Justiça. In casu, a denúncia espelha a ocorrência de crimes praticados por funcionário público contra a Câmara Municipal da Capital (Capítulo I, na modalidade peculato-desvio, art. 312 , caput, do CP ), atraindo a competência da 7ª Vara Criminal da Capital. Note, ainda, que a competência para o processo e julgamento dos crimes contra a Administração Pública está circunscrita aos lindes territoriais da Capital Mato-grossense, incidindo na última parte do quadro de competências disposto no art. 1º da Resolução n. 23/2014/DTP, antes referida. 2 .2. Analisando os limites objetivos traçados na denúncia, e comparando-os aos tipos penais nela descritos, tem-se a descrição fática e jurídica de forma coesa e analítica, subsumindo a conduta de atestar notas fiscais sabidamente "frias" ao tipo penal descrito no art. 312 , caput, c/c art. 29 , caput, todos do CP , de modo a possibilitar ao apelante o amplo conhecimento dos fatos e circunstâncias que lhe dão suporte, a demonstrar omissão a tisná-la de inepta nos termos do art. 41 do CPP . 2 .3. Não havendo correlação entre a mídia cujo conteúdo se busca obliterar na presente Ação Penal, e o arcabouço probatório que autorizou o oferecimento da denúncia e a consequente condenação, bem como diante da independência da prova obtida por meio de fonte independente, não se conhece da arguição de nulidade da gravação ambiental, devendo ser postulada nos autos a que pertence. 3. Pretendidas absolvições quanto aos delitos de peculato. 3 .1. Impõe-se a mantença da condenação, por peculato, ao agente público investido no cargo de presidente da Câmara de Vereadores que comprovadamente entabula com particulares o desvio de recursos da Casa de Leis mediante a adesão à ata de registro de preços da Assembleia Legislativa Estadual para o fornecimento de materiais gráficos diferentes daqueles constantes da ata de registro de preços, mediante notas fiscais frias, uma delas inclusive paga antes de sua emissão, cujo montante desviado retornava em proveito do próprio ordenador da Câmara Municipal, por meio de pessoas interpostas. Embora se questione a eficácia da delação premiada realizada pelo proprietário de fato da empresa participante da fraude, incluindo a apresentação dos canhotos de cheques dados em pagamento do "retorno" dos recursos ao ordenador de despesas da Câmara Municipal, não se contesta a ausência de estoque para produção dos materiais adquiridos, tampouco o respectivo registro de entrada e de saída, ausência de conferência e de prova cabal de distribuição do material, os quais, corroborando a fala do delator, constituem elementos sólidos da não produção de 98% do material do contrato fraudulento. 3 .2. Ressai inconcussa a responsabilidade dolosa do agente público responsável por atestar as notas fiscais ideologicamente falsas, de acordo com a teoria da cegueira deliberada (willful blindness doctrine), tirada da doutrina norte-americana, segundo a qual o agente "finge" não enxergar a ilicitude da procedência de bens, direitos e valores com intuitos diversos, inclusive a prestação de "favores" a quem quer que seja, como, por exemplo, ao Presidente da Câmara Municipal, garantindo assim a permanência no cargo a que foi nomeado a exercer. A cegueira implica, pois, no conhecimento da situação de ilicitude do procedimento a que está submetido, esforçando-se para evitar o conhecimento do caráter criminoso da conduta de outrem, não podendo, nessa situação, estabelecer a insciência da responsabilidade pela conduta relevante prestada em prol da criminalidade, tornando, por conseguinte, descabida a intenção de absolvição ou desclassificação para a figura culposa. 3 .3. A dirimente exculpante descrita no art. 22 , segunda figura, do CP , ressai bastante clara ao incidir apenas à conduta delitiva praticada "em estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico". Com efeito, a sua configuração exige que a determinação superior não seja manifestamente ilegal, como caracteriza o crime ora versando, uma vez que, quando escancaradamente ilícito o comando da determinação superior, o sujeito não deve agir. 4. Os requisitos para a concessão do perdão judicial, disciplinado no art. 4º da Lei n. 12.850 /2013, e art. 13 da Lei n. 9.807 /99, são cumulativos demandando preenchimento integral. No caso, além da ausência da proposta pelo órgão acusador ou pelo delegado de polícia, o colaborador premiado também não se propôs a indenizar o erário municipal, exigência essa prevista no art. 4º , inciso IV , da Lei n. 12.850 /13, tornando inviável a medida extintiva da punibilidade em questão. 5. A falsidade documental das notas fiscais é atividade anterior ao peculato, pois ocorreu antes da consumação deste último. Consequentemente, constitui meio de preparação do crime-fim. Tais notas, a exemplo do cheque, só podem permitir um único pagamento, exaurindo-se com a sua utilização, não mais possuindo potencialidade lesiva depois de utilizadas. Logo, devem ser consumidas pelo delito-fim, no caso, o peculato, aplicando-se analogicamente o verbete da Súmula 17 /STJ. 6. Os arranjos anteriores entre o Presidente da Câmara de Vereadores e o proprietário de fato da empresa fraudadora, bem assim, a confecção e a chancela de validade da "carona" ao contrato com a Assembleia, e a falsificação e o empenho das notas frias, caracterizam atos de execução do crime de peculato, que, embora se referissem a um único contrato de adesão, um único instrumento fraudulento, autorizou sucessivas apropriações de dinheiro público, consumando não um, mas diversos crimes de peculato-apropriação, que se aperfeiçoam no momento em que o agente obtém para si os valores de origem ilícita. 7. Comprovado que todos os peculatos já estavam previstos na linha de planejamento dos réus quanto à pretensão de assacar os cofres da Câmara de Vereadores, e isso ficou bem claro no próprio instrumento público que adjudicou o objeto da adesão ao contrato da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, onde consta a discriminação dos valores, prazo e modo de execução, resulta clara a unidade de desígnios que determina a situação de crime continuado. Além disso, conquanto as notas fiscais tenham sido emitidas em lapso temporal superior a trinta dias, o mesmo não se pode afirmar em relação aos pagamentos efetuados. Dentro desse contexto, a emissão das notas fiscais representa apenas o meio eleito para dar cabo aos desvios, uma das fases da execução do flagitum, não representando, assim, o desvio em si considerado. E, se a consumação do crime de peculato depende do efetivo desvio em proveito próprio ou de outrem, naturalmente, mostra-se equivocada a visão da Magistrada sobre o momento consumativo dos crimes, já que o lapso temporal máximo a ser considerado para a hipótese de continuidade delitiva deveria ser computado a partir dos pagamentos e não da emissão das notas fiscais, e não havendo prova de que tais prazos excederam trinta dias, aplica-se a ficção jurídica do art. 71 do CP . 8. Dosimetria penal. 8 .1. Exsurge evidente que o planejamento da execução delitiva constitui uma das formas de premeditação passíveis de apenamento mais severo ante a premeditação, quando efetivamente comprovada por elementos de prova concreta constante dos autos. 8 .2. A simples existência de ação penal em andamento é insuficiente para permitir a elevação da pena a título de maus antecedentes, a teor do que estabelece o enunciado da Súmula 444 /STJ. 8 .3. A aferição negativa da personalidade do agente exige laudo psicológico, não se contentando com a indicação de meros registros criminais, os quais não podem atestar que o apelante possui má índole. 8 .4. Apesar de ser o prejuízo patrimonial elemento integrante da estrutura normativo do peculato, que tem natureza material, o prejuízo de grande monta transcende a tipicidade normativa, tornando-se circunstância com força a autorizar a elevação da pena-base a título de consequências extrapenais agravadas. 8 .5. Incide a agravante descrita no art. 62 , I , do CP , porque o apelante, na qualidade de Presidente da Câmara de Vereadores da Capital, promoveu e dirigiu (captou recursos humanos, em especial, as participações de outros coacusados), induzindo-os a participar do esquema, orientando-os sobre as atribuições que seriam exercidas por cada um deles. A fração de 1/6 de elevação de pena mostra-se proporcional e razoável, a despeito de não restar devidamente fundamentada. 8 .6. O critério a ser levado em conta para a dosagem do aumento de pena decorrente da regra do art. 71 , caput, do CP (crimes cometidos contra a mesma vítima) é o número de infrações cometidas (in Código Penal Comentado, 7.ed. RT, 2007, p. 419), destacando-se a lição de Flávio Augusto Monteiro de Barros, que apresenta a seguinte tabela para a hipótese descrita no caput: para 02 crimes, aumenta-se da pena um 1/6; para 03, um quinto; para 04, um quarto; para 05, um terço, para 06, aumenta-se a metade, para 07 ou mais crimes, eleva-se o máximo, ou seja, 2/3. 8 .7. Abrandada a pena a patamar inferior a oito anos, impõe-se o respectivo abrandamento do regime inicial de cumprimento de pena, máxime quando a sentença condenatória inflige o regime inicial somente em razão da quantidade de pena aplicada, atendendo às disposições do art. 33 , § 2º , do CP , e alterar essa conclusão no presente apelo importaria em clara reformatio in pejus direta ao recurso exclusivo da defesa. 8 .8. Aos réus primários e de bons antecedentes, praticantes de crimes de peculato continuado, condenados à pena privativa de liberdade igual ou inferior a a quatro anos, fazem jus à substituição de pena prevista no art. 44 do CP , ante o preenchimento dos pressupostos legais. 8 .9. Descabida a pretensão de abrandamento do regime inicial de cumprimento de pena pelo abatimento do tempo de prisão provisória do condenado, quando presentes circunstâncias judiciais que tornem irrecomendável a medida, que deverá ser analisada pelo Juízo da Execução Penal. 9. Apelos parcialmente providos.