TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS PROCESSO Nº XXXXX-84.2019.8.05.0001 RECORRENTE: ACY ASSUNCAO GONZALEZ RECORRENTE: CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONARIOS DO BANCO DO BRASIL RELATORA: JUÍZA MARIA LÚCIA COELHO MATOS RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. AUTOGESTÃO. ALEGAÇÃO AUTORAL DE ABUSIVIDADE DOS REAJUSTES ANUAIS APLICADOS ENTRE 2012 E 2019. PRELIMINAR DE COMPLEXIDADE DA CAUSA AFASTADA. PROCESSO PRONTO PARA JULGAMENTO, POSSIBILITADO PELO ART. 1.013 , § 3º , I , DO CPC/2015 , APLICADO SUBSIDIARIAMENTE. PREVISÃO CONTRATUAL DE APLICAÇÃO DO REAJUSTE ANUAL (VCMH) DE ACORDO COM A VARIAÇÃO DO ÍNDICE FIPE-SAÚDE ACUMULADO PARA O PERÍODO. APLICAÇÃO DE PERCENTUAIS SUPERIORES AOS ÍNDICES EXPRESSAMENTE PREVISTOS EM CONTRATO, COM BASE EM PREVISÃO CONTRATUAL ESPECÍFICA RELATIVA À VARIAÇÃO DE CUSTOS, NÃO OBJETIVAMENTE DEMONSTRADA. ABUSIVIDADE. DETERMINAÇÃO PARA APLICAÇÃO DOS REAJUSTES ANUAIS DE ACORDO COM OS ÍNDICES DA TABELA FIPE-SAÚDE NOS ANOS IMPUGNADOS. RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES PAGOS A MAIOR. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099 /95. Trata-se de recurso inominado interposto em face da sentença cujo dispositivo segue abaixo transcrito: Ante exposto, no mesmo sentido do acórdão paradigma (art. 1.040 , inciso III , do CPC ), reconheço a complexidade da matéria, diante da necessidade de perícia contábil. Como consequência, JULGO EXTINTO o presente feito sem resolução do mérito, com fulcro no art. 51 , II , da lei nº 9.099 /95, visto que a causa apresenta questão cuja solução exige o exame de questões de alta indagação, realização de prova pericial e o procedimento estreito do Juizado não permite um desenlace satisfatório. Presentes as condições de admissibilidade do recurso, dele conheço. V O T O: O juízo sentenciante reconheceu a incompetência do Juizado, diante da complexidade da matéria, por entender necessária a realização de perícia para análise da regularidade dos reajustes empregados ao contrato firmado entre as partes. Analisando a petição inicial e os demais documentos trazidos aos autos, constata-se serem suficientes para o deslinde e julgamento do processo, sendo prescindível a realização de perícia. Neste contexto, afasto a complexidade da causa. Estando o processo pronto para julgamento, diante da apresentação de defesa e da realização de audiência de conciliação, na qual informaram as partes que não tinham interesse na produção de outras provas, passo a apreciar o meritum causae, fazendo-o com fundamento no art. 1.013 , § 3º , I , do CPC/2015 , aplicado subsidiariamente. Inicialmente consigno que comungo do entendimento de que o prazo para questionar a abusividade das cláusulas contratuais é decenal, prazo previsto no art. 205 , do CC , a contar da implementação do reajuste questionado, incidindo a prescrição trienal apenas no que toca ao pedido de restituição de valores pagos a maior. Sendo assim, devem ser analisados apenas os reajustes aplicados entre os anos de 2009 a 2019. Registre-se que a acionada sustenta que se trata de plano de saúde coletivo de autogestão e que os reajustes não estão sujeitos aos limites fixados pela ANS para os planos individuais, porém não informa de forma específica quais foram os componentes dos percentuais aplicados nos anos impugnados pela parte autora. Cumpre pontuar que a Ré é entidade de autogestão, e, com o advento da Súmula 608 do STJ, resta evidente a impossibilidade de aplicação do CDC à hipótese sob exame. Não obstante, a inaplicabilidade do CDC não afasta a aplicação das normas gerais do direito contratual, principalmente a interpretação mais favorável ao aderente, a necessidade de observância da boa-fé e da função social do contrato. Nesses termos prevê o Código Civil : ¿Art. 421 . A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente¿. A cláusula nº 27 do contrato celebrado entre as partes estabelece que: CLÁUSULA 27 - O valor das mensalidades será reajustado com base na variação do índice FIPE SAÚDE do período, ou, na sua falta, na de outro índice que o substitua, levando-se em conta, também, eventual variação nos custos do CASSI FAMÍLIA quanto aos aspectos atuariais e/ou administrativos, para que se restabeleça o equilíbrio econômico-financeiro. O fato é que, de acordo com o demonstrativo de pagamentos acostados aos autos (ev. 01), as mensalidades da autora foram reajustadas com base em índices superiores aos do FIPE SAÚDE, previstos em contrato, entre os anos de 2012 a 2019. A parte ré sustentou que os reajustes foram aplicados levando-se em conta, também, eventual variação nos custos do CASSI FAMÍLIA quanto aos aspectos atuariais e/ou administrativos, para que se restabeleça o equilíbrio econômico-financeiro. Ocorre que a parte ré não apontou, forma específica e inequívoca, no mínimo, através de demonstrativos atuariais, a eventual variação nos custos do plano CASSI FAMÍLIA que impactassem no reajuste anual, não possibilitando ao contratante a inequívoca ciência e compreensão dos índices aplicados. Sendo assim, entendo que é o caso de determinação da aplicação exclusiva dos índices previstos na tabela Fipe-Saúde, consoante requerido pela autora, devendo a parte ré restituir os valores pagos a maior. Contudo, a devolução do valor eventualmente apurado pago a maior pela acionante, deve se dar de forma simples, uma vez que os reajustes efetuados e cobrados até a decisão judicial estavam calcados no contrato celebrado entre as partes, apenas sendo considerados indevidos após a determinação judicial. Por fim, entendo que, apesar dos transtornos causados à parte autora em razão dos aborrecimentos comumente existentes em situações desse jaez, a conduta da parte ré, por si só, sem outras implicações ou consequências, não acarreta dano ao patrimônio subjetivo do autor, não podendo ser elevada à condição de dano extrapatrimonial, sob pena de banalização do instituto, merecendo a sentença monocrática reparo nesse particular. Pelas razões expostas, voto no sentido de DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO para JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE OS PEDIDOS de modo a: 1) afastar a preliminar de incompetência do juízo acolhida pelo juízo sentenciante; 2) declarar a incidência da prescrição decenal quanto à discussão sobre as cláusulas contratuais e trienal quanto à restituição dos valores pagos a maior; 3) determinar a aplicação dos índices previstos na tabela Fipe-Saúde no patamar de 6,05% para 2012; 6,68% para 2013; 07,05% para 2014; 7,34% para 2015; 12,25% para o ano de 2016; 10,19% para o ano de 2017; 6,37% para o ano de 2018 e 6,70% para 2019; 4) determinar que a ré proceda ao recálculo do valor do prêmio da parte autora, no prazo de 30 dias, de acordo com os parâmetros aqui delineados e 5) condenar, ainda, a ré a restituir os valores pagos a maior pela autora nos últimos três anos da propositura da ação, de forma simples, acrescido de juros de 1% ao mês, a partir da citação, e correção monetária a partir da data do efetivo pagamento. Salvador, 04 de dezembro de 2020. MARIA LÚCIA COELHO MATOS JUÍZA RELATORA