ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E OFICIAIS DE REGISTRO - ARTIGO 22 DA LEI 8935 /94 - REGULAMENTAÇÃO DO ARTIGO 236 DA CONSTITUIÇÃO - INFRAÇÃO DISCIPLINAR - PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIA - LEI ESPECÍFICA - APLICAÇÃO DO DECRETO 220/75 (ESTATUTO DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO). TERMO A QUO DO PRAZO PRESCRICIONAL BIENAL - DATA DA LAVRATURA DA ESCRITURA PÚBLICA. 1. A regra exegética de que lex specialis derrogat lex generalis implica a aplicação do Decreto 220/75 (Estatuto dos funcionários públicos do Estado do Rio de Janeiro) aos serventuários de justiça punidos com sanções disciplinares, em face da omissão na norma específica, qual seja, a Lei 8.935 /1994. 2. O Estatuto básico dos notários e registradores - Lei 8.935 /1994 - restou omisso no que tange aos prazos prescricionais dos atos irregulares perpetrados por serventuários da justiça, razão pela qual aplicável, subsidiariamente, o Decreto 220/75, que dispõe, verbis: "Prescreverá em dois anos a falta sujeitas às penas de advertência, repreensão, multa ou suspensão. O § 2º do mesmo artigo acrescenta: 'O curso da prescrição começa a fluir da data do evento punível disciplinarmente e interrompe-se pela abertura do processo administrativo disciplinar." 3. A lei nova que cria, sobre o mesmo tema anterior, um sistema inteiro, completo, diferente, elimina o sistema antecedente. 4. É que "a disposição especial afeta a geral, apenas com restringir o campo da sua aplicabilidade; porque introduz uma exceção ao alcance do preceito amplo, exclui da ingerência deste algumas hipótese. Portanto o derroga só nos pontos em que lhe é contrária (1). Na verdade, a regra especial posterior só inutiliza em parte a geral anterior, e isto mesmo quando se refere ao seu assunto, implícita ou explicitamente, para alterá-la. Derroga a outra naquele caso particular e naquela matéria especial a que provê ela própria" (In Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, 1991, 11ª edição, páginas 360/361). 5. In casu, aplica-se a analogia, porquanto possível inferir-se a incidência da prescrição bienal na hipótese. 6. É cediço que "se entre a hipótese conhecida e a nova a semelhança se encontra em circunstâncias que se deve reconhecer como essencial, isto é, como aquela da qual dependem todas as conseqüências merecedoras de apreço na questão discutida; ou, por outra, se a circunstância comum aos dois casos, com as conseqüências que da mesma decorrem, é a causa principal de todos os efeitos; o argumento adquire a força de uma indução rigorosa" (In Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, 1991, 11ª edição, página 206). 7. Deveras, as espécies semelhantes devem ser reguladas por normas semelhantes, princípio de verdadeira igualdade jurídica. 8. Incidência da analogia legis, a qual consiste em aplicar à uma hipótese não prevista em lei aquela disposição relativa a um caso semelhante. 9. A idéia essencial da lei estadual (Decreto 220/75) deve ser transposta aos serventuários (notários e registradores) porquanto o preceito nela formulado assemelha-se a este grupo definido por "colaboradores do serviço público", no dizer de Maria Sylvia Zanella di Pietro. 10. É que ressoa inequívoco que "não podem os repositórios de normas dilatar-se até a exagerada minúncia, prever todos os casos possíveis no presente e no futuro. Sempre haverá lacunas no texto, embora o espírito do mesmo abranja órbita mais vasta, todo o assunto inspirador do Código, a universalidade da doutrina que o mesmo concretiza. Esta se deduz não só da letra expressa, mas também da falta de disposição especial. Até o silêncio se interpreta; até ele traduz alguma coisa, constitui um índice do Direito, um modo de dar a entender o que constitui, ou não, o conteúdo da norma. A impossibilidade de enquadrar em um complexo de preceitos rígidos todas as mutações da vida prática decorre também do fato de podrem sobrevir, em qualquer tempo, invenções e institutos não sonhados sequer pelo legislador" (In Carlos Maximiliano, ob. cit., página 208). 11. Aplicação do preceito Ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio ("onde se depare razão igual à da lei, ali prevalece a disposição correspondente da norma referida"). 12. A lei estadual representa a realidade mais próxima àquela descrita nos autos do que a previsão constante do Decreto 20.910 /32, o qual adstringe-se à prescrição relativa à Fazenda Pública 13. O regime dos serventuários da justiça - tais como os notários e registradores - é híbrido - vez que a atividade notarial e registral está ligada intrinsecamente aos princípios do serviço público da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade ( CF/88 , art. 37 ). 14. O registrador público e o tabelião são agentes públicos uma vez que se enquadram na categoria de "particulares em colaboração à Administração", sujeitando-se inclusive ao conceito de "funcionários públicos" para fins de responsabilidade penal. 15. "Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causarem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos" (artigo 22 da Lei 8935 /94, ao regulamentar o artigo 236 da Constituição Federal ). 16. Os empregados contratados pelos registradores e notários para prestarem serviços nos cartórios, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho , responderão perante o titular deste pelo dano causado, em casos de dolo, em ação ordinária, mesmo porque contratados com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho, sem interferência nenhuma do Poder Judiciário. 17. Contudo, há lei especial versando acerca da prescrição bienal, restando inaplicável, subsidiariamente, o Decreto 20.910 /32, regra geral adotada no Direito Administrativo para outros fins, quais sejam, as dívidas Passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza. 18. A título de argumento obiter dictum, o supracitado decreto não exclui a incidência de norma mais favorável, como se extrai do seu artigo 10, que ora se transcreve, verbis:"Art. 10º. - O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes, das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas as mesmas regras." 19. O Termo a quo para o início do prazo prescricional é o prazo da lavratura da escritura, que ocorreu em 27 de setembro de 2001, o que impõe o reconhecimento da prescrição bienal, porquanto o procedimento administrativo somente foi instaurado em 23 de agosto de 2004 (fls. 21/22) por ocasião da protocolização da petição da interessada em 17 de março de 2004. Precedente: REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 04.12.2003, DJ 19.12.2003. 20. Recurso ordinário provido, para extinguir a punibilidade da recorrente em face da ocorrência da prescrição bienal