STJ - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM HABEAS CORPUS: EDcl no RHC XXXXX RS XXXX/XXXXX-1
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EM HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL NA MODALIDADE ABUSO DE ACESSO RESTRITO. ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA. CONCEITO DE ACESSO RESTRITO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS PARA RECONSIDERAR A DECISÃO E DAR PROVIMENTO AO RECURSO. 1. Constatada a premissa equivocada, é o caso de reconsiderar a decisão ora impugnada. 2. O trancamento do processo no âmbito de habeas corpus é medida excepcionalíssima, admissível somente quando emerge dos autos, de plano e sem necessidade de apreciação probatória, a falta de justa causa, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inépcia formal da denúncia. 3. Tendo em vista que a denúncia é uma peça processual por meio da qual o órgão acusador submete ao Poder Judiciário o exercício do jus puniendi, o legislador estabeleceu alguns requisitos essenciais para a formalização da acusação, a fim de que seja assegurado ao réu o escorreito exercício do contraditório e da ampla defesa. Segundo o disposto no art. 41 do Código de Processo Penal , "a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas". 4. A denúncia deve ser recebida desde que, atendido seu aspecto formal (art. 41 , c/c o art. 395 , I , do CPP ) e identificada a presença tanto dos pressupostos de existência e validade da relação processual quanto das condições para o exercício da ação penal (art. 395 , inciso II , do CPP ), a peça venha acompanhada de lastro probatório mínimo a amparar a acusação (art. 395 , III , do CPP ). Assim, é ilegítima a persecução criminal quando o fato narrado na denúncia não configura crime, exatamente como o caso dos autos. 5. Esta Corte Superior já decidiu, no REsp n. 1.675.663 , que a palavra indevidamente, no inciso II do § 1º do art. 325 do Código Penal , é elemento normativo do tipo, de modo que, só há subsunção nessa figura equiparada, quando há invasão pelo funcionário público de sistema de informação ou de banco de dados vedado com o intuito de promover finalidade não permitida em lei. Doutrina. 6. A Suprema Corte norte-americana, no caso Van Buren v. United States (2021), deparou-se com a questão "se uma pessoa autorizada a acessar um sistema de informática viola a lei de regência por acessar essas informações para fins estranho ao seu ofício", ocasião em que entendeu, por maioria, que há de se distinguir a hipótese de uma pessoa autorizada acessar um computador a fim de "obter informações localizadas em áreas específicas do computador que estão fora dos seus limites" da situação em que "simplesmente obtém informações disponíveis, apesar dos motivos impróprios", concluindo que a segunda hipótese não configura crime. A Corte endossou a ideia de que considerar crime o simples acesso ao sistema informático para fins impróprios "implicaria penalidades criminais a uma quantidade impressionante de atividades comuns no âmbito da informática? e" traria arbitrariedade na avaliação da responsabilidade criminal ". 7. Na espécie, a exordial acusatória cingiu-se a narrar que o recorrente "utilizou, indevidamente, de acesso restrito ao Sistema de Consultas integradas, da SSP/RS", para, "utilizando seu login e senha, efetu[ar] consulta desvinculada de suas atribuições funcionais, sem autorização de sua chefia, e horário de trabalho, ao referido sistema consultando os módulos". Portanto, forçoso concluir que a denúncia ora impugnada não descreveu todos os elementos necessários à defesa para o cumprimento do seu mister, evidenciando-se, assim, afronta ao art. 41 do CPP . 8. A denúncia não descreve em que consistiria o "acesso restrito", que, como visto, "não se confunde com o fato de o recorrente conseguir 'acessar os referidos dados com muito mais facilidade', se comparado a um cidadão comum que as pretendesse obter". 9. Embargos de declaração acolhidos para reconsiderar a decisão impugnada e dar provimento ao recurso, a fim de declarar a inépcia denúncia e anular, ab initio, o Processo n. XXXXX-06.2017.8.21.0161 , da Vara Judicial da Comarca da Salto do Jacuí-RS, sem prejuízo de que seja oferecida nova denúncia em desfavor da paciente, com estrita observância dos ditames previstos no art. 41 do CPP .