TRF-3 - RECURSO INOMINADO CÍVEL: RecInoCiv XXXXX20214036321 SP
VOTO-EMENTA. AUXÍLIO EMERGENCIAL. SENTENÇA MANTIDA NOS TERMOS DO ART. 46 DA LEI N. 9.099 /95. 1. Trata-se de ação por meio da qual a parte autora pleiteia a concessão do benefício de auxílio emergencial. 2. A sentença foi assim prolatada: “Cuida-se de ação ajuizada em face da UNIÃO e da DATAPREV pela qual a parte autora pleiteia: A) o pagamento de mais uma parcela do auxílio residual, haja vista que foram creditadas duas delas em favor da parte autora; B) a restituição dos valores referentes às cinco parcelas do auxílio-emergencial, 2020, todas devolvidas ao erário por ausência de saque; C) o reprocessamento do auxílio emergencial 2021. Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei 9.099 /1995 c/c art. 1º da Lei 10.259 /2001, passo ao julgamento do feito. Legitimidade passiva. No âmbito do pedido de auxílio emergencial, a DATAPREV – empresa pública federal de processamento de dados –, tem por atribuição centralizar e permitir o cruzamento dos dados dos requerentes, de modo que se possa avaliar se estão enquadrados nas condições exigidas pelo art. 2º Lei n. 13.982 , de 02/04/2020. A hipótese de acolhimento do pedido porventura enseja a necessidade de retificação de dados cadastrais, de modo a afastar o motivo de indeferimento administrativo que se mostra equivocado no curso da ação judicial. Nesses termos, a DATAPREV é parte legítima para figurar no polo passivo da ação. Mérito. O auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 mensais – ou R$ 1.200,00, no caso de mulher provedora de família monoparental – é medida governamental de proteção social adotada durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus (Covid-19). Tem previsão na Lei n. 13.982 , de 02/04/2020, regulamentada pelo Decreto n. 10.316 , de 07/04/2020. Por sua vez, o auxílio emergencial residual, extensão do primeiro benefício, foi instituído até 31/12/2020, a ser pago em até quatro parcelas mensais no valor de R$ 300,00 (ou R$ 600,00, no caso do direito à cota dupla) à pessoa beneficiária do auxílio emergencial, conforme Medida Provisória n. 1.000 , de 02/09/2020, regulamentada pelo Decreto n. 10.488, de 16/02/2020. Por fim, o auxílio emergencial 2021 foi previsto na Medida Provisória n. 1.039 , de 18/03/2021, e prorrogado por mais três meses pelo Decreto n. 10.740 , de 05/07/2021. No caso, afirma-se que: Oautor foi beneficiado com a concessão de cinco parcelas do auxílio emergencial, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) e duas parcelas do auxílio residual no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), como pode se observar dos print abaixo: Primeiramente, importante observar que o requerimento do auxílio emergencial foi realizado em 05/05/2020, mas somente enviado para a Caixa em 07/06/2020. Assim, as cinco parcelas do auxílio emergencial originário foram pagas em 16/06/2020; 24/07/2020; 07/08/2020; 07/09/2020;07/10/2020 e 07/11/2020 (doc. 21). Por conta disso, somente foram liberadas duas parcelas do auxílio de extensão enviadas ao banco em 23/11/2020 e em 14/12/2020 (doc. 23). Ocorre que o processamento tardio do auxílio, implicou na supressão de uma parcela a qual o autor tinha direito, pois se o benefício fosse pago a partir de maio/2020 seria contemplado com uma cota a mais do auxílio emergencial de extensão. Dessa maneira, ainda pendente opagamentode uma parcela doauxíliode extensãoda Medida Provisória 1000 /2020. Em outro giro, o autor ainda reclama a devolução para os cofres públicos das cinco parcelas iniciais do auxílio-emergencial, que embora creditadas em sua conta social digital, ele não sacou qualquer parcela, pois se encontrava em situação de rua sem documentos ou informações. Como o prazo de 90 (noventa dias) para realizar movimentação ou saque do benefício creditado pela União foi extrapolado nos termos do Decreto lei nº 10316/20, houve a devolução de todas as parcelas do auxílio da Lei n. 13982 /2020, conforme extrato bancário e informe de rendimento (doc. anexo), restando ao autor o recebimento de duas parcelas do benefício residual nos meses de novembro e dezembro de 2020 (extrato em anexo). Não foi por falta de necessidade, visto a hipossuficiência do autor que se encontra desempregado e com dificuldade de inserção no mercado de trabalho por conta do cenário atual de pandemia, COVID-19, mas por circunstâncias alheias a vontade do cidadão, que no período vivia em situação de rua, sem os documentos e com isso não conseguia realizar o saque. Nesse cenário, o autor somente conseguiu novo RGem 10/05/2021. Sendo assim, os recursos fazem falta para a composição da renda familiar do autor. Consternado com o fato e sem a possibilidade de realizar recurso administrativo junto a Caixa para reaver os valores, o autor procurou a Defensória Pública da União para lhe prestar atendimento jurídico, nos termos da lei. Destarte, a justificativa para o recolhimento dos recursos da conta social digital do autor é manifestamente ilícita, porquanto o referido prazo de 90 (noventa) dias para movimentação dos valores creditados pela União não está previsto na Lei 13.982 /20 que instituiu o benefício, ao contrário, a previsão está no art. 11, § 6º, do decreto lei nº. 10.316/20, não podendo este exorbitar os limites da lei instituidora do benefício. Vale ainda destacar que em razão da devolução das parcelas do auxílio originário o autor também deixou de ser contemplado com o auxílio emergencial 2021, ao qual também tem direito. Nesse sentido, insta esclarecer que o grupo familiar atualmente é composto pelo autor e a sua companheira Kátia Regina da Rocha, 46 anos, desempregada, também não contemplada com o auxílio emergencial 2021, como se observa da consulta DATAPREVanexa (doc. 30). Portanto, merece censura judicial os equívocos acima narrados, devendo-se efetuar a restituição dos recursos ao autor, bem como o pagamento da parcela do auxílio de extensão faltante e o processamento do auxílio 2021 (destacou-se). Com efeito, o primeiro requerimento do auxílio emergencial principal foi efetuado em 05/05/2020, mas a primeira parcela só foi paga em 06/2020 e a última em 11/2020. Assim, o autor recebeu apenas 2 parcelas do auxílio emergencial residual. Caso a primeira parcela do AE 2020 tivesse sido paga em 05/2020, as subsequentes seriam encerradas em 09/2020, de modo que o autor faria jus a 3 parcelas do A.E.R. 2020. Tendo em vista que não houve alteração fática e que o autor já fazia jus ao A.E. no requerimento de 05/2020, é devida a retroação do termo inicial do pagamento do A.E., com o consequente pagamento de uma parcela adicional do A.E.R. 2020 no valor de R$ 300,00. Passo a apreciar o pedido de recebimento das parcelas restituídas à União. A redação original do inciso IV do art. 10 do Decreto 10.316 , de 07/04/2020, prevê que “o período de validade da parcela do auxílio emergencial será de noventa dias, contado a partir da disponibilidade da parcela do auxílio, segundo o calendário de pagamentos”. Nos termos do o § 6º do art. 11 “os recursos não sacados das poupanças sociais digitais abertas e não movimentadas no prazo de noventa dias retornarão para a União, conforme regulamentação do Ministério da Cidadania”. Esse prazo foi ampliado para 270 dias a partir do Decreto 10.398, de 16/07/2020. A consulta ao informe de rendimentos do auxílio emergencial confirma que o autor teve devolvidas as 5 parcelas do benefício. Consta dos autos documento de identidade emitido em 2021, o que vai ao encontro das alegações do autor de que estava em situação de rua e teve de providenciar novos documentos. Por fim, destaca-se que as rés não apresentaram elementos que infirmassem o relato da parte autora – na forma do art. 373 , II , do CPC . Portanto, visto que demonstrado motivo justificável, é devida, excepcionalmente, a liberação das parcelas do auxílio emergencial devolvidas à União no valor de R$ 600,00 cada uma. Da mesma forma, é devido o reprocessamento administrativo do auxílio emergencial 2021, visto que justificado, no caso concreto, o não saque do benefício no prazo legal. Ante o exposto, nos termos do art. 487 , I , do CPC e julgo procedente o pedido da autora, determinando que as corrés União e Dataprev adotem as providências necessárias para: Liberar e creditar novamente em favor do autor as 5 parcelas do auxílio emergencial 2020, as quais foram devolvidas ao erário por ausência de saque;Liberar e pagar ao autor a 3ª parcela do auxílio residual 2020;Reprocessar administrativamente o auxílio emergencial 2021. Em face da procedência do pedido e do caráter alimentar da prestação, defiro o requerimento de tutela provisória formulado, com fundamento no artigo 300 do CPC , e determino que as corrés adotem, no prazo de 15 (quinze) dias, as providências necessárias para conceder e liberar em favor da parte autora as parcelas do benefício, nos termos da condenação. Sem condenação em custas ou honorários advocatícios nesta instância judicial. Concedo os benefícios da justiça gratuita, nos moldes dos arts. 98 e seguintes do CPC . Registrada eletronicamente. Intimem-se. Oficie-se”. 3. Recurso da União (em síntese): alega que, no caso, houve cumprimento do disposto no art. 11 , § 6º , do Decreto nº 10.316 /2020, que regulamenta a Lei nº 13.982 /2020, o qual dispõe que os valores não sacados das poupanças sociais digitais abertas e não movimentadas no prazo de 90 dias retornarão para a União; aduz que a desconsideração do prazo estabelecido pela legislação implica em substituição dos Poderes Legislativo e Executivo pelo Poder Judiciário quanto à competência privativa para legislar sobre seguridade social e regulamentar a matéria relativa à operacionalização dos auxílios, em ofensa aos princípios da separação dos poderes e da legalidade; sustenta que o fato de não ocorrer o saque do benefício no prazo de 90 dias demonstra, em regra, que o cidadão não necessita do auxílio emergencial e que tais valores podem ser realocados para outras políticas e beneficiários; alega que a administração deve observar fielmente todos os requisitos previstos em lei, os quais, no caso, atendem à razoabilidade; aduz que não cabe ao Poder Judiciário legislar ou negar vigência a dispositivo expresso da lei, criando exceções não previstas no ordenamento, sob pena de violação ao art. 2º da CF/1988 . 4. Verifico que a sentença abordou de forma exaustiva todas as questões arguidas pela parte recorrente, tendo aplicado o direito de forma irreparável, motivo pelo qual deve ser confirmada por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099 /95. Destaco que a recorrente não impugna os fatos considerados na r. sentença, que justificaram a excepcionalidade. 5. Recurso a que se nega provimento. 6. Condenação da recorrente vencida ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da condenação (artigo 55 , da Lei nº 9.099 /95), devidamente atualizado em conformidade com os critérios definidos na Resolução CJF 658/2020. 7. É o voto. PAULO CEZAR NEVES JUNIOR JUIZ FEDERAL RELATOR