AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESERVA ÍNDIGENA. RECIBO DE PAGAMENTO PELA POSSE EMITIDO APÓS A PUBLICAÇÃO DA PORTARIA 820 DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DE HOMOLOGAÇÃO DOS LIMITES DA TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL. OCUPAÇÃO DE ÁREA DENTRO DOS LIMITES VEDADOS PELA PORTARIA. POSSEIRO QUE JÁ HAVIA SIDO INDENIZADO POR OCUPAÇÃO EM OUTRA ÁREA INDÍGENA. POSSE DE MÁ-FÉ. INDENIZAÇÃO DE BENFEITORIAS NECESSÁRIAS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE REALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE DO POSSEIRO ANTERIOR À HOMOLOGAÇÃO DA ÁREA POSTULAR INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS, DESDE QUE COMPROVADA A REALIZAÇÃO. 1. Produtor rural que após ser indenizado, desocupa terra indígena e firma recibo de aquisição de posse em terreno onde todos na localidade tem conhecimento da homologação dos limites da terra indígena Raposa Serra do Sol, mais de doze meses após a publicação da portaria de homologação, é flagrantemente ocupante de má-fé, quer em razão da ausência absoluta de qualquer contrato público ou particular sobre a transação apresentado nos autos, quer em razão de na própria audiência de justificação reconhecer que a terra está sendo demarcada para os índios. 2. A imediata reação dos indígenas ao início do exercício da posse pelo réu, sem qualquer menção a exercício anterior de qualquer outro, é indicativo de que o imóvel não estava sendo ocupado e, desta situação, o réu não fez prova em contrário que comprovasse o exercício contínuo da posse, sem solução de continuidade. 3. O Juízo a quo determinou a realização de perícia para o levantamento dos valores das benfeitorias realizadas até o dia 14 de dezembro de 1998, data em relação à qual entende serem legítimas e indenizáveis as melhorias realizadas no imóvel, pois sobre o mesmo não existia vedação expressa acerca de sua ocupação, mas tão somente, a pretensão de delimitação de área indígena. 4. Afirma a sentença que o exercício da posse pelo réu, a despeito de seu inicio em janeiro de 2000, está permeado de boa-fé, o que é flagrantemente contrário à documentação e não encontra respaldo na prova dos autos, sendo cogente reconhecer a má-fé da ocupação, pois é inequívoco o conhecimento do réu sobre a portaria de homologação e a inexistência de documento que demonstre com segurança a efetiva existência de uma transação imobiliária lícita, pois mesmo o recibo de compra apresentado, está datado de 20 de janeiro de 2000 e tem algumas firmas reconhecidas, não todas, apenas em 22 de novembro de 2001, data posterior à intimação para a audiência de justificação, o que sugere documento fabricado. 5. Sobre terras indígenas, já decidiu o STF que que "não há direito de retenção nessas ações, porque a Constituição prevê a desocupação imediata. Sendo a terra pública, a sentença que declara a nulidade implica o cancelamento do registro e a desocupação, não havendo como se manter no imóvel o ocupante ilegítimo, mesmo porque não há posse em terra pública, mas, sim, mera ocupação de terra pública, que não dá direito a retenção" ( ACO XXXXX/MG ). 6. Resta configurada a posse de má-fé do réu, pelo que faria jus tão-somente à indenização pelas benfeitorias necessárias realizadas no imóvel, consoante dispõe o artigo 517 da Lei n. 3.071/16 (artigo 1220 do Código Civil ). 7. No que pertine às benfeitorias, reza o art. 517 do CC , aplicável ao caso, que "Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; mas não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias." Entende-se por benfeitorias necessárias aquelas que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore (art. 96 , § 3º do CC ). In casu, as benfeitorias existentes no imóvel, consoante as fotos acostadas não são necessárias, mas sim úteis. 8. Ressalva-se ao réu ou ao posseiro que lhe transmitiu a posse em litisconsórcio, desde que comprovem o liame de continuidade que não está demonstrado nestes autos e, desde que devidamente munidos dos comprovantes de realização das benfeitorias, observando-se, ainda, o prazo prescricional aplicável à espécie, demandarem a indenização pelas melhorias realizadas até o dias 14 de dezembro de 1998, desde que comprovada a boa-fé da ocupação então empreendida. 9. Apelações do Ministério Público Federal, da União e da Funai providas. 10. Remessa oficial provida.