STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX SP XXXX/XXXXX-9
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. LANÇAMENTO POR ARBITRAMENTO. AUTUAÇÃO COM BASE EM DEMONSTRATIVOS DE MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA. POSSIBILIDADE. LEI 8.021 /90 E LEI COMPLEMENTAR 105 /2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 182 /TFR. VIOLAÇÃO DO ART. 535 , I e II , DO CPC . INOCORRÊNCIA. 1. O Codex Tributário, ao tratar da constituição do crédito tributário pelo lançamento, determina que as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata (artigo 144 , § 1º , do CTN ), pelo que a Lei 8.021 /90 e a Lei Complementar 105 /2001, por envergarem essa natureza, atingem fatos pretéritos. Assim, por força dessa disposição, é possível que a administração, sem autorização judicial, quebre o sigilo bancário de contribuinte durante período anterior a vigência dos aludidos dispositivos legais. Precedentes da Corte: AgRg nos EDcl no REsp XXXXX/SC , DJ 30.11.2006; REsp XXXXX/RS , DJ 18.09.2006; EREsp XXXXX/RS , DJ 04.09.2006; e AgRg no Ag XXXXX/PR , DJ 01.08.2006). 2. A Lei 8.021 , de 12 de abril de 1990, que dispõe sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais, em seus artigos 6º, 7º e 8º, preceitua que: (i) "O lançamento de ofício, além dos casos já especificados em lei, far-se-á arbitrando-se os rendimentos com base na renda presumida, mediante utilização dos sinais exteriores de riqueza"; (ii) "Considera-se sinal exterior de riqueza a realização de gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte.": (iii) "O arbitramento poderá ainda ser efetuado com base em depósitos ou aplicações realizadas junto a instituições financeiras, quando o contribuinte não comprovar a origem dos recursos utilizados nessas operações. (Revogado pela lei nº 9.430 , de 1996)"; (iv) "A autoridade fiscal do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento poderá proceder a exames de documentos, livros e registros das Bolsas de Valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, bem como solicitar a prestação de esclarecimentos e informações a respeito de operações por elas praticadas, inclusive em relação a terceiros"; e (v) "Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei nº 4.595 , de 31 de dezembro de 1964.". 3. Ademais, em 10 de janeiro de 2001, sobreveio a Lei Complementar 105 , que revogou o artigo 38 , da Lei 4.595 /64, que condicionava a quebra do sigilo bancário à obtenção de autorização judicial. 4. A LC 105 /2002 dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, determinando que não constitui violação do dever de sigilo, entre outros, o fornecimento à Secretaria da Receita Federal de informações necessárias à identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações - artigo 11 , § 2º , da Lei 9.311 /96, que instituiu a CPMF -, e a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, e 9º, da lei complementar em tela (artigo 1º, § 3º, III e VI). 5. Em seu artigo 6º, o referido diploma legal, estabelece que: "As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.". 6. Nesse segmento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está assentada no sentido de que: "a exegese do art. 144 , § 1º do Código Tributário Nacional , considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105 /2001 e 1º da Lei 10.174 /2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência" e que "inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal." ( REsp XXXXX/ES , Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 20.06.2005). 7. Tese inversa levaria a criar situações em que a administração tributária, mesmo tendo ciência de possível sonegação fiscal, ficaria impedida de apurá-la. 8. Deveras, ressoa inadmissível que o ordenamento jurídico crie proteção de tal nível a quem, possivelmente, cometeu infração. 9. Isto porque o sigilo bancário não tem conteúdo absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade pública e privada, este sim, com força de natureza absoluta. A regra do sigilo bancário deve ceder todas as vezes que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. O sigilo bancário é garantido pela Constituição Federal como direito fundamental para guardar a intimidade das pessoas desde que não sirva para encobrir ilícitos. 10. A violação do art. 535 , I e II , CPC , não efetivou-se na hipótese sub examine. Isto porque, o Tribunal de origem pronunciou-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos embargos de declaração, estando o decisum hostilizado devidamente fundamentado. Saliente-se, ademais, que o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão, como de fato ocorreu no voto condutor do acórdão de apelação às fls. 119/130, além de a pretensão veiculada pela embargante, consoante reconhecido pelo Tribunal local, revelar nítida pretensão de rejulgamento da causa (fls. 142/145). 11. Recurso especial provido