ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. RECEBIMENTO. RECURSOS ESTIMÁVEIS EM DINHEIRO. MATERIAL DE PROPAGANDA ELEITORAL. VERBA DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). COLIGAÇÃO, NA CIRCUNSCRIÇÃO, ENTRE O PARTIDO RESPONSÁVEL PELO REPASSE E A AGREMIAÇÃO DO CANDIDATO BENEFICIÁRIO, CELEBRADA PARA DEPUTADO FEDERAL, MAS NÃO PARA O CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL, AO QUAL O BENEFICIÁRIO CONCORREU. ART. 19, § 1º, DA RES.-TSE 23.553. VEDAÇÃO. IRREGULARIDADE. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. SÍNTESE DO CASO 1. Trata-se de recurso especial interposto em face de acórdão regional que aprovou com ressalvas as contas de campanha do recorrido, referentes às Eleições de 2018, quando concorreu ao cargo de deputado estadual, assentando não incidir o óbice previsto no art. 19, § 1º, da Res.-TSE 23.553 no que se refere ao recebimento de recursos estimáveis em dinheiro derivados do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), repassados por partido político coligado com a grei do candidato beneficiário apenas para cargo diverso do cargo por ele pleiteado. ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL 2. Da leitura, em conjunto, do § 1º e do caput do art. 19 da Res.-TSE 23.553, depreende-se que o dispositivo tem o objetivo de disciplinar a distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), estabelecendo quais instâncias do partido político terão, em princípio, acesso ao dinheiro público do fundo, observados os demais regramentos alusivos ao tema. Assim, apenas os partidos políticos que participam das eleições nas respectivas circunscrições, por meio de candidatura própria ou em coligação, poderão ter acesso à verba do FEFC. 3. O § 1º do art. 19 da Res.-TSE 23.553 estabelece situação fática cuja ocorrência faz incidir a vedação da distribuição de recursos do FEFC para outros partidos políticos ou candidatos desses mesmos partidos, qual seja a inexistência de candidatura na circunscrição, seja ela própria ou em coligação. 4. A Corte de origem, interpretando a contrario sensu o § 1º do art. 19 da Res.-TSE 23.553, tendo em conta o disposto no art. 86 do Código Eleitoral , entendeu cumprido requisito que afastaria o óbice à distribuição de recursos do FEFC de um partido para candidato de outra legenda, pois a grei que efetuou o repasse e a agremiação do candidato beneficiário celebraram coligação entre si na eleição para deputado federal realizada na mesma circunscrição, embora não se tenham aliado uma à outra para a disputa do cargo pleiteado pelo beneficiário (deputado estadual), e porque supostamente inexistiria previsão de que a aliança devesse ser formada para cargo específico. 5. A previsão de que, para afastar a vedação contida no § 1º do art. 19 da Res.-TSE 23.553 para a distribuição de recursos do FEFC para outros partidos políticos ou candidatos desses mesmos partidos, a "coligação na circunscrição" deve ter sido celebrada para cargo específico, extrai-se da interpretação sistemática e teleológica de disposições expressas das normas que disciplinam a gestão e a distribuição do dinheiro do Fundo Eleitoral, conforme se depreende dos seguintes fundamentos: a) o art. 6º , § 1º , da Lei 9.504 /97 atribui às coligações as prerrogativas e obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, prevendo que o referido ente temporário funciona como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários. Tal previsão tem fundamento no acordo de vontades manifestado em convenção pelas legendas coligadas, as quais, ao se aliarem, assumem o compromisso de somar esforços e recursos visando ao sucesso nas eleições, especificando desde logo os cargos eletivos que pretendem disputar por meio da aliança celebrada, o que permite concluir que o status jurídico de partido temporário não se estende às eleições e aos cargos para cuja disputa não foi celebrada aliança entre as agremiações partidárias coligadas para determinado pleito; b) conforme consignado pelo eminente Ministro Luiz Fux em voto proferido na análise da Instrução XXXXX-73, que resultou na aprovação da Res.-TSE 23.553, a inserção do § 1º do art. 19 na citada resolução "deriva da condição de distribuição de recursos do Fundo aos partidos políticos com o objetivo de financiar as respectivas campanhas eleitorais, conforme dispõe o art. 16-C , § 7º, da Lei nº 9.504 /1997, o que não se verifica quando não há candidatura própria ou de coligação" , denotando-se, do emprego do adjetivo "respectivas", que os recursos do FEFC são distribuídos a cada partido político para financiar a sua própria campanha eleitoral; c) o art. 8º da Res.-TSE 23.568 – o qual estabelece que os diretórios nacionais das greis partidárias devem distribuir os recursos do FEFC aos seus candidatos – e o art. 16-D, § 2º, da Lei 9.504 /97 – segundo o qual o acesso ao dinheiro do referido fundo depende de requerimento escrito, formalizado pelo candidato ao respectivo órgão partidário – evidenciam que os recursos do FEFC devem ser aplicados pelo partido político no financiamento das campanhas eleitorais dos seus próprios candidatos, e, por extensão fundamentada no art. 6º, § 1º, da Lei 9.504 /97, dos candidatos da coligação da qual participe, observados os cargos pleiteados pela aliança celebrada; d) o FEFC é constituído por dotações orçamentárias da União em ano eleitoral, nos termos dos arts. 16-C da Lei 9.504 /97, de forma que os seus recursos têm natureza pública e aplicação vinculada. Disso decorre que os partidos não podem distribuir as verbas provenientes do referido fundo sem a observância das diretrizes legais e regulamentares que condicionam e orientam o seu rateio, pois tal conduta poderia beneficiar a agremiação donatária, ainda que por meio de doação direta para candidato, com recursos públicos aos quais ela não teria direito, de acordo com os critérios de proporcionalidade estabelecidos em lei para a distribuição do dinheiro do fundo, embasados, na maior parte, no número de representantes das legendas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, nos termos do art. 16-D da Lei 9.504 /97 e da disposição transitória contida no § 4º da Lei 13.488 /2017, cujos teores são reproduzidos no art. 5º da Res.-TSE 23.568; 6. A expressão "coligação na circunscrição" contida no § 1º do art. 19 da Res.-TSE 23.553 deve ser compreendida como a coligação celebrada na circunscrição entre os partidos envolvidos no repasse de recursos do FEFC e para cargo eletivo específico disputado em aliança por tais agremiações, tal como se depreende da interpretação sistemática e teleológica do citado dispositivo regulamentar e dos arts. 8º, caput e parágrafo único, da Res.-TSE 23.568, e 6º, § 1º, e 16-D, § 2º, da Lei 9.504 /97. 7. Na espécie, embora o Partido Republicano Progressista (PRP) e o Partido Humanista da Solidariedade (PHS) tenham se coligado na eleição para deputado federal, a inexistência de candidatura em coligação entre eles no pleito para deputado estadual na circunscrição do Estado de Minas Gerais faz incidir a vedação à distribuição de recursos do FEFC do PHS para o candidato à assembleia legislativa pelo PRP, seja indiretamente por meio do órgão estadual, seja por repasse direto ao candidato, pois, em tal hipótese, não há falar em atuação como um só partido quanto ao pleito para deputado estadual, e porque as receitas do fundo devem ser aplicadas na campanha eleitoral da própria agremiação que fez o repasse, e não na campanha de outro partido não coligado. 8. O disposto no art. 17, III, e V, b , da Res.-TSE 23.553, segundo o qual podem ser destinados às campanhas recursos oriundos de doações de outros partidos, não autoriza a transferência impugnada nos autos, eis que o repasse de recursos do FEFC foi efetuado em desacordo com as normas de regência. 9. Embora se esteja a julgar recurso interposto no processo de prestação de contas do candidato beneficiário, e não do partido político responsável pelo repasse tido como irregular, não se pode desconsiderar que o candidato é o responsável pela administração financeira da sua campanha eleitoral. 10. No caso, por se tratar de recursos estimáveis em dinheiro – material de propaganda eleitoral em meio impresso –, em razão da qual o candidato não recebeu os correspondentes recursos financeiros, a restituição ao erário deve ser objeto de decisão no processo de prestação de contas do partido político responsável pelo repasse de recursos do Fundo Eleitoral, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa. 11. É inviável a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na espécie, pois, a despeito de se extrair do acórdão regional que a irregularidade corresponde ao valor de R$ 64.560,05, o aresto recorrido não contém outros elementos que permitam aferir o percentual da falha em relação ao total de recursos movimentados na campanha. 12. Não merece acolhimento a alegação, feita em contrarrazões, de que o entendimento adotado na solução do presente caso deveria ser aplicado apenas aos feitos de eleição futura, pois não houve mudança de jurisprudência na espécie, inclusive por ser recente a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e porque este Tribunal ainda não havia examinado a questão controvertida, de modo que a aplicação imediata da orientação ao caso concreto não implica ofensa ao princípio da segurança jurídica e não encontra óbice na tese de repercussão geral firmada pelo STF no RE 637.485 . 13. A previsão de que se estabeleça um regime de transição com base no art. 23 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) não se aplica ao caso, pois não há indeterminação no conceito jurídico de "coligação na circunscrição", o qual é determinado por preceitos expressos da legislação eleitoral. Ademais, a compreensão de que os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha somente podem ser utilizados pelo partido no financiamento dos seus próprios candidatos ou de agremiação com ele coligada para o cargo específico disputado pelo beneficiário deriva de interpretação sistemática e teleológica de expressos preceitos legais e regulamentares que incidem sobre a matéria. 14. A título de obiter dictum , ressalva-se que o exame da prestação de contas de campanha eleitoral do candidato não implica nenhum juízo de valor em relação a eventuais processos ajuizados com base no art. 30-A da Lei 9.504 /97. CONCLUSÃO Recurso especial a que se dá provimento.