E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. TÍTULOS DE CRÉDITO. CARACTERÍSTICAS. DUPLICATA MERCANTIL. CARTULARIDADE, LITERALIDADE E AUTONOMIA. ENDOSSO TRANSLATIVO. PROTESTO. - O Código Civil , em seu art. 887 , define título de crédito como sendo o documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, e que somente produzirá efeitos quando preencher os requisitos legais. Trata-se, em suma, de documento que representa uma obrigação pecuniária, mas que não se confunde com a própria obrigação representada - Os títulos de crédito, objeto de estudo do direito cambiário, são dotados de determinadas características especiais, também denominadas de princípios dos títulos de crédito, com o objetivo de dotá-los de maior segurança jurídica em sua circulação, tornando mais fácil e ágil a circulação da riqueza. Nessa linha, o crédito representado pelo título passa de um sujeito a outro sem maiores questionamentos e sem qualquer vinculação a determinado negócio jurídico que o tenha originado ou mesmo a eventuais exceções pessoais que uma das partes da obrigação originária possa ter contra a outra. A cessão do crédito, portanto, ocorre de modo autônomo e independente, desvinculado da obrigação que lhe deu origem; a cártula passa a representar o direito ao crédito em si mesmo considerado, sendo autônomo em face da relação jurídica que a ele deu origem e, justamente por isso, o título de crédito pode circular livremente, seja pela sua simples entrega por um credor a outro (tradição), seja pela assinatura de um possuidor em favor de outro (endosso) - São princípios fundamentais dos títulos de crédito: (a) cartularidade (o direito de crédito materializa-se em uma cártula, isto é, em um documento escrito); (b) literalidade (sendo o título de crédito um documento escrito, somente será levado em consideração aquilo que nele estiver expressamente consignado); (c) autonomia (o portador do título detém um direito autônomo em relação aos detentores anteriores, uma vez que o possuidor exerce direito próprio, não vinculado às relações jurídicas que lhe antecederam; cada relação é autônoma em relação às suas antecessoras. As obrigações cambiais, dessarte, são autônomas e independentes umas das outras, a teor do disposto no art. 43 do Decreto nº 2.044/1908) - Muito embora a duplicata se classifique como um título causal, na medida em que deve declarar expressamente a relação jurídica que a ela deu causa (venda de uma mercadoria ou prestação de um serviço), isso não lhe retira o atributo da autonomia. De fato, a duplicata é causal apenas no que tange à sua origem, mas, uma vez posta em circulação mediante endosso, torna-se autônoma, independente do negócio jurídico originário - Ao emitir um título de crédito o devedor obriga-se, frente ao credor, em razão de uma relação jurídica contratual que os vincula, de forma que o devedor pode opor contra o credor as exceções pessoais que a ordem jurídica lhe confere. Entretanto, o mesmo não é juridicamente possível em face do terceiro que sucedeu o credor originário e que possui o título de boa-fé. Em outras palavras, por força do art. 916 do Código Civil , o devedor do título não pode opor ao terceiro de boa-fé eventuais exceções pessoais que teria contra o credor originário em razão das peculiaridades da relação contratual que os vincula - O endosso é uma forma de transferência do direito ao crédito representado no título respectivo, sendo acompanhado da tradição da cártula. Lembre-se, outrossim, que a transferência do título de crédito implica a transferência de todos os direitos que lhe são inerentes, a teor do disposto no art. 893 do Código Civil . Sobre o tema, consigne-se que o titular do título é, simultaneamente, titular do crédito incorporado ao documento, sendo que a posse da cártula indica, sob qualquer circunstância, a quem deve ser feito o pagamento. É preciso esclarecer, ainda, que o caso em comento versa sobre o chamado endosso próprio ou translativo, por meio do qual opera-se a real transferência da titularidade do crédito e o exercício dos direitos a ele correspondentes. Não há que se falar, na espécie dos autos, em endosso impróprio (endosso-mandato ou endosso-caução), no qual não há transferência do crédito em si - A existência de cláusula no contrato de prestação de serviços envolvendo a parte autora e a empresa prestadora de serviços, vedando expressamente a cessão do crédito mediante transferência do título, na qualidade de exceção pessoal, não pode ser oposta à parte ré, a qual, na posição de endossatária, tem direito autônomo de receber o valor estampado na cártula, completamente desvinculado do negócio jurídico originário - Por força da característica da autonomia, o protesto levado a efeito não pode ser tido como indevido, na medida em que, apresentados os títulos (duplicatas) a pagamento, e não tendo sido este efetuado oportunamente pela devedora, incumbia à Instituição Financeira endossatária levá-los a protesto, formalidade necessária para o exercício do direito de regresso contra o endossante, nos exatos termos do art. 13 , § 4º , da Lei nº 5.474 /1968 - A prova do pagamento da duplicata materializa-se no recibo passado pelo portador, no caso, a endossatária, ou por seu procurador com poderes especiais, no verso do próprio título ou em documento em separado, mas com expressa referência à respectiva duplicata. Outrossim, é extremamente relevante que, uma vez pago o título, o devedor exija do credor, além do recibo de quitação, a entrega da própria cártula, retirando-a de circulação justamente para evitar eventual endosso a terceiro de boa-fé. Somente com tais cuidados é que o devedor evitará a possível incidência da regra segundo a qual “quem paga mal, paga duas vezes” - Apelação desprovida. Prejudicado o requerimento de envio de ofícios ao 2º. Tabelião de Protestos de Letras e Títulos de São Paulo, ao SERASA e ao SCPC, tendo em vista a concessão de efeito suspensivo à apelação.