Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 1ª TURMA RECURSAL CÍVEL E CRIMINAL PROCESSO Nº. XXXXX-46.2021.8.05.0001 RECORRENTE: HIPERCARD BANCO MULTIPLO S A RECORRIDO: EDVALDO PASSOS CORREIA RELATORA: JUÍZA SANDRA SOUSA DO NASCIMENTO MORENO EMENTA RECURSO INOMINADO. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ASSALTO/ROUBO. FORNECIMENTO DA SENHA DO CARTÃO SOB FORTE COAÇÃO POR ARMA DE FOGO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. VICIO DE CONSENTIMENTO QUE AFASTA CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. SAQUES E TRANSAÇÕES REALIZADAS QUE FOGEM AO PERFIL DO CORRENTISTA. FALHA NO DEVER DE SEGURANÇA. RISCO DA ATIVIDADE. PRECEDENTES. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MORAIS IN RE IPSA CONFIGURADOS E ARBITRADOS COM RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. RELATÓRIO Trata-se de recurso inominado interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente em parte a ação para: Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, para determinar que a ré cancele as compras realizadas no dia 21/06/2021, no valor de R$4.330,00 (quatro mil trezentos e trinta reais), bem como os juros e encargos decorrentes do não pagamento destes valores, no prazo de 5 dias (cinco), até a decisão final do processo, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), limitada a R$ 6.000 (seis mil) reais, caso ocorra o descumprimento. Condeno o acionado à devolução simples dos respectivos valores cobrados, desde que comprovadamente pagos pelo polo autoral, com juros e correção a partir da citação. Condenar o polo acionado a compensar os danos morais causados à parte demandante, pagando-lhe o correspondente a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), corrigido monetariamente desde o arbitramento e acrescido de juros legais a partir da citação. Intimada, a parte recorrida apresentou contrarrazões (ev. 57) VOTO Presentes as condições de admissibilidade do recurso uma vez que foi interposto e preparado dentro do prazo legal, consoante dispõe o artigo 42 e parágrafo 1º da Lei 9099 /95, conheço-o. A priori, afasto a preliminar de complexidade da causa. No caso em baila, os elementos concretos de prova já produzidos nos autos se mostram plenamente suficientes para o deslinde da controvérsia, não tendo a empresa demonstrado a efetiva necessidade de intervenção pericial para a solução do caso em questão. Dessa forma, não há qualquer razão para se concluir pela necessidade de realização de perícia técnica no caso em análise, tendo o julgador plena condição de elucidar o feito com base nos elementos concretos presentes nos autos. Adentrando na análise do mérito recursal, entendo que o mesmo não pode ser provido. A sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos, aplicando-se o disposto no artigo 46 da Lei 9.099 /95. Alega a parte autora que teve compras/saques fraudulentas após roubo. Cuidam-se os presentes autos de ação proposta por EDVALDO PASSOS CORREIA em face de HIPERCARD BANCO MULTIPLO S.A. com o intuito de obter tutela jurisdicional para cancelar as compras questionadas e realizadas no dia 21/06/2021 no valor de R$4.330,00, bem como encargos advindos, ao final, requer a indenização pelos danos morais sofridos. Relata a parte autora, que foi vítima de assalto a mão armada no dia 21/06/2021 oportunidade em que foram levados seus pertences e cartões. Afirma que imediatamente entrou em contato com o réu para bloquear seu cartão, conforme protocolo trazido aos autos e registrou boletim de ocorrência na delegacia. Informa que ainda assim foi efetuada uma compra no valor de R$4.330,00 (quatro mil trezentos e trinta reais). A acionada, em sua contestação, preliminarmente aduz incompetência dos juizados em face da necessidade de perícia; e, quanto ao mérito, defende a ausência de responsabilidade imputando-a a terceiro, sustenta ocorrência de fortuito externo. Pugna, ao final, pela improcedência da demanda. Apesar da ré sustentar que não houve falha na prestação dos seus serviços, as provas constantes nos autos apontam o contrário. A falta de segurança dos serviços prestados pela ré, trouxe a autora prejuízos. Não obstante ser dever do correntista a guarda e posse da senha pessoal dos cartões, no presente caso, em razão da forte coação sofrida pelo autor, que se viu obrigado a fornecer as senhas sob ameaça de arma de fogo, entendo que a situação vivenciada afasta a culpa exclusiva do correntista, restando configurado vício de vontade. O Código de Defesa do Consumidor adotou a Teoria do Risco do Empreendimento, consagrando-a para a prestação de serviços, em seu artigo 14 , segundo a qual todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no campo de fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independentemente de culpa. Assim, em que pese o fornecimento da senha do seu cartão seja fato incontroverso e tenha produzido efeitos no plano da eficácia, este não cumpre os requisitos necessários para sua existência no plano da validade, justamente em razão da coação constatada. A parte ré, por sua vez, sustenta que a dívida é lícita. No caso sub judice, a parte acionada não se desincumbiu de provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito da parte autora, conforme lhe competia, nos termos do art. 373 , II , do NCPC . Falhou o réu com o dever de segurança, visto que as transações foram realizadas em curto período, fugindo totalmente ao perfil do correntista, cabendo ao banco, portanto, responder pelo dano material sofrido pela parte autora, não se tratando o ocorrido de fortuito externo. Como se não bastasse, o nome da parte autora ainda foi inscrito nos órgãos de proteção ao crédito. Não se aplica a súmula 385 do STJ, pois não restou comprovada dívidas pré-existentes. No ev. 01, a parte consumidora junta extrato onde demonstra haver inscrição única. Segundo o art. 14 , § 3º , II , do CDC , o fornecedor do produto ou o prestador do serviço responde, independentemente da existência de culpa, pelos defeitos na prestação do serviço, somente se desonerando da obrigação de indenizar se demonstrar a inexistência do defeito na prestação do serviço, ou provar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, o que não ocorreu no caso em tela. Aquele que lucra com o negócio não pode se furtar à responsabilização pelo prejuízo, deixando o consumidor prejudicado sem qualquer proteção. Nesses casos, o dano moral existe e independe de prova de culpa do demandado, dada a responsabilidade objetiva, em decorrência do risco do empreendimento, considerando a caracterização do dano moral com negativação indevida. Quanto ao valor fixado na sentença, importância de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), embora seja difícil quantificar o dano moral, predomina o entendimento que deve ser fixado observando-se o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, entretanto, não pode ser um valor irrisório posto que descaracterizaria o caráter intimidatório da condenação. Assim, a sentença impugnada não merece reparos, pois, levando-se em consideração a qualidade das partes envolvidas, valores aplicados por essa Turma para casos semelhantes, bem como, transtornos suportados pela parte, o valor arbitrado é adequado à reparação do dano. Destarte, Voto pelo NÃO PROVIMENTO do recurso, mantendo-se a sentença em todos os seus termos, vide art. 46 da Lei 9.099 /95. Condeno a recorrente em custas processuais e honorários advocatícios no importe de 20% sobre o valor da condenação. Salvador/BA, 20 de novembro de 2022. SANDRA SOUSA DO NASCIMENTO MORENO JUÍZA RELATORA