EMENTA RECLAMAÇÃO. PROCESSAMENTO DE AÇÕES DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADAS POR MAGISTRADOS E PROMOTORES DO ESTADO DO PARANÁ. PUBLICAÇÃO DE REPORTAGEM JORNALÍSTICA. ABUSO DE DIREITO. CARACTERIZAÇÃO. ASSÉDIO JUDICIAL. AGRESSÃO ÀS LIBERDADES DE EXPRESSÃO, DE IMPRENSA E DE INFORMAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DAS DIRETRIZES FIXADAS NO JULGAMENTO DA ADPF 130 E DA ADI 4.451 . JUÍZO DE PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO. 1. Há interesse social prima facie em que seja assegurada a livre opinião relativamente ao exercício de função de interesse público e suas nuances, nelas incluídas os vencimentos de agentes públicos, sendo certo que a sociedade depende dos meios midiáticos para obter informação sobre o posicionamento dos agentes públicos, bem como para aquilatar suas políticas e práticas. O Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu, sob a sistemática da repercussão geral ( ARE 652.777 , Tema 483), que legítima a divulgação nominal e detalhada da remuneração de servidores, sequer cogitável hipótese de violação da intimidade ou da vida privada, por evidente o interesse público, dela não decorrendo dano moral indenizável. 2. A liberdade de imprensa em absoluto limita-se à liberdade de informar, inexigível compromisso com qualquer concepção de suposta, e inatingível, neutralidade. A imposição de objetividade e a vedação da opinião pejorativa e da crítica desfavorável aniquilam a proteção à liberdade de imprensa, golpeando-a no seu núcleo essencial. Intolerável, no regime democrático, a restrição à crítica legítima, por se tratar de ônus excessivo aos indivíduos e aos órgãos de imprensa que se propõem a emitir, publicamente, opiniões, avaliações ou críticas sobre a atuação de agentes públicos. Consoante assentado na ADPF 130 e na ADI 4.451 , o papel da imprensa não é meramente informativo nem pretensamente imparcial, inserido, o direito de crítica, no regular exercício do direito de informação. 3. Os riscos sociais, econômicos e judiciais envolvidos no exercício da livre expressão não podem implicar permanente e elevado potencial de sacrifício pessoal como decorrência da exteriorização das manifestações do pensamento, opiniões e críticas relacionadas a assuntos de interesse público, real ou aparente. A indução ao silêncio pelo mero risco elevado de represália traduz modalidade indireta e estrutural de censura prévia. 4. Mais do que assentar a simples não recepção da antiga Lei de Imprensa pela ordem constitucional democrática, o julgamento da ADPF 130 estabeleceu parâmetros para orientar a atuação judicial relativamente às liberdades de informação, de expressão e de imprensa. É firme e reiterada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a invocação da ADPF 130 como paradigma autoriza o conhecimento da reclamação constitucional em qualquer situação de censura ilegítima, ainda que não propriamente prévia, diante da persistente cultura de violação da liberdade de expressão no país, inclusive por intervenção judicial. Cfr., inter plures: Rcl 45.682 , Primeira Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Dje 08.4.2022; Rcl 49.506 , Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, Dje 17.3.2022; Rcl 20.757 AgR, Segunda Turma, Rel. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, Dje 08.2.2022; Rcl 18.746 , Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 07.02.2020; Rcl 31.117 MC-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Dje 03.5.2019; Rcl 30.105 , Rel. Min. Luiz Fux, Dje 29.11.2018; Rcl 22.328 , Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Primeira Turma, Dje 10.5.2018; Rcl 18.186 , Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje 14.3.2018; Rcl 16.434 , Rel. Min. Rosa Weber, Dje DJe 05.5.2020; Rcl 31.130 -AgR, Re. p/ o acórdão Min Luís Roberto Barros, Primeira Turma, Dje 17.12.2020. 5. In casu, demonstrado o intuito de impor desvantagem processual aos réus em razão da propositura concertada de múltiplas demandas padronizadas, em distintas comarcas, a inviabilizar o direito de defesa e a evidenciar o uso estratégico do direito de petição para incutir nos reclamantes receio de ulteriores ações indenizatórias em massa, caso veiculada matéria jornalística crítica a agentes públicos. Ainda que observadas as regras processuais, resulta ilegítimo o exercício do direito de ação quando desvirtuada sua finalidade. Traduz abuso de direito o desvio de finalidade da conduta por meio de exercício excessivo, irresponsável e divorciado das finalidades sociais, de todo irrelevante perquirir acerca do elemento subjetivo de dolo ou culpa de cada agente individualmente considerado. O exercício do direito de ação encontra ressonância nos deveres éticos que permeiam a concretização da garantia de acesso à Justiça, não se prestando a estratagema para mascarar a intenção de interferir na liberdade de imprensa. 6. O propósito de retaliar e intimidar a imprensa, impondo-lhe velada mordaça, subverte os princípios éticos inerentes ao processo judicial e configura exercício disfuncional e ilegítimo do direito de ação, denotando abuso do direito fundamental de acesso à Justiça, em afronta aos postulados do acesso à Justiça e do devido processo legal substantivo (art. 5º, XXXV e LIV, da CF). Em absoluto pode ser chancelado pelo Poder Judiciário o abuso do direito de ação para obter, como vantagem colateral, o silenciamento (chilling effect) dos órgãos de imprensa. 7. Ofensa à autoridade das decisões exaradas nos julgamentos da ADPF 130 e da ADI 4.451 que se evidencia não apenas no ato decisório, mas também no manejo orquestrado das ações indenizatórias visando à obtenção de fim inidôneo. Configurado o abuso do direito de petição, inviável falar em autêntica pretensão dos autores das demandas predatórias na tutela jurisdicional. 8. Reclamação constitucional julgada procedente para cassar a decisão reclamada, por afronta à autoridade das decisões proferidas na ADPF nº 130 e na ADI nº 4.451 , e extinguir as ações indenizatórias que deram origem a esta reclamação, forte no art. 485 , VI , do CPC .