CONSTITUCIONAL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRELIMINARES DE IMPUGNAÇÃO AO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA E ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADAS. CONCESSIONÁRIA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ART. 37 , § 6º , DA CF/88 . FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO EVIDENCIADA. APLICAÇÃO DO ART. 14 , DO CDC . MORTE DECORRENTE DE CHOQUE ELÉTRICO. FALHA NA MANUTENÇÃO DA REDE ELÉTRICA. FIAÇÃO EM ALTURA INFERIOR ÀS NORMAS. CONTATO ENTRE FIO DE TENSÃO E VEGETAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE FORÇA MAIOR/FATO FORTUITO CULPA E CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM MANTIDO EM R$100.000,00 (CEM MIL REAIS). RAZOABILIDADE E PROPOCIONALIDADE. SENTENÇA INTEGRALMENTE MANTIDA EM CONSONÂNCIA COM PARECER MINISTERIAL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Cinge-se a controvérsia recursal em verificar eventual desacerto da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Crato que nos autos de ação de indenização por danos morais julgou procedente o pleito autoral para condenar a ré a pagar aos promoventes a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de indenização por danos morais, valor a ser rateado igualmente entre os autores, corrigido monetariamente a partir da data da sentença pelo INPC e acrescido de juros de 1% ao mês, devidos do evento danoso, bem quanto ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% do valor da condenação. 2. Preliminar de Impugnação ao benefício da justiça gratuita: Verifica-se que o pleito de gratuidade fora requerido em sede de exordial (fl. 08) e deferido à fl. 30, inexistindo qualquer manifestação quanto à matéria na contestação apresentada pela recorrente às fls. 69/89. Logo, a apelante deveria ter apresentado manifestação impugnando o aludido deferimento da gratuidade, nos termos do art 100 do CPC , entretanto, não o fez, mantendo-se inerte quanto à matéria, estando, portanto, a pretensão preclusa. Assim, não havendo prova de alteração da situação econômica da parte e nem mesmo revogação expressa, a concessão da benesse deve ser mantida, razão pela qual rejeita-se a presente preliminar. 3. Preliminar de Ilegitimidade passiva: Compulsando os autos verifica-se que o pleito autoral tem como fundamento choque elétrico decorrente de fio de alta tensão próximo ao solo, o qual vitimou de cujus. Evidente que o dever de manutenção da rede elétrica, o que inclui o serviço de poda para limpeza da área de contato entre a fiação e a vegetação, é inerente à atividade desenvolvia pela ré, razão pela qual é parte legitima para figurar no polo passiva da presente demanda indenizatória. Preliminar rejeitada. 4. A configuração de responsabilidade civil objetiva prescinde da presença de culpa, requisito subjetivo, o qual fica necessariamente excluído por força de duplo fundamento jurídico: a equiparação do concessionário de serviço público à Administração Pública, incidindo, na espécie, a teoria do risco administrativo (art. 37 , § 6º , CF/88 ), e a relação de consumo (art. 14 , § 3º , Lei 8.078 /90). 5. Aduzem as partes autoras, em sua exordial, que o Sr. Vicente Gomes de Andrade, esposo e genitor das requerentes, faleceu vítima de descarga elétrica nas imediações do Sítio Guaribas, município de Crato/CE, na data de 25 de janeiro de 2018 em momento em que cavalgava em direção à localidade Sítio Baixa Rasa, quando encostou em um fio de alta tensão que se encontrava próximo ao solo, vindo a óbito imediato. 6. Compulsando os autos, verifica-se que a morte do de cujus ocorreu em virtude de fio de alta tensão de energia elétrica que se encontrava muito abaixo da altura permitida pelas normas técnicas dispostas na NBR 5422/1985 da ABNT, que fixa as condições básicas para o projeto de linhas aéreas de transmissão de energia elétrica com tensão de 38kV a 800KV, deforma a garantir níveis mínimos de segurança e limitar perturbações em instalações próximas. Nesse sentido, salienta-se que a aludida norma objetiva garantir as condições necessárias para a instalação, operação, inspeção e manutenção das linhas de transmissão de energia, bem como conferir segurança às pessoas, todas elas, que de alguma forma possam ter contato com os equipamentos que compõem o parque elétrico, o que não restou preservado no local do evento que resultou na morte do de cujus. 7. Em que pese alegue a recorrente a ocorrência de caso fortuito/força maior em decorrência da queda de arvores nos fios de transmissão, tal argumento não deve prosperar, uma vez que é obrigação da promovida diligenciar constantemente no sentido de preservar a higidez da sua rede de transmissão, sobretudo em razão dos riscos potenciais inerentes à atividade. 8. Não há que se falar em culpa exclusiva da vítima, uma vez que em que pese a área versar de proteção ambiental, não se tratava de trânsito proibido, sendo este inclusive comum. Ademais, o fato da do de cujus possuir deficiência visual não elide a responsabilidade da ré, uma vez que tal deficiência era parcial, permitindo montar e se deslocar a cavalo, bem quanto que restou demonstrado que o acidente não decorreu de tal deficiência, mas sim da conduta omissa da prestadora do serviço público em prover a efetiva manutenção do parque elétrico sob seus cuidados. 9. Portanto, verificada a responsabilidade da ré, o dano moral se verifica, na espécie, in re ipsa. Assim, o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), nos termos fixados pelo juízo de origem, é razoável e proporcional para compensar o dano sofrido, além de atender o caráter pedagógico da medida, a efeito de permitir reflexão sobre a prática da aludia conduta. 10. Estando o decisum a quo em conformidade com a legislação e com a jurisprudência pacificada, não havendo fundamentação apta a ensejar a sua modificação, o improvimento dos recursos é a medida que se impõe. 11. Recurso conhecido e não provido. ACÓRDÃO: Vistos, discutidos e relatados os presentes autos, em que são partes as pessoas acima indicadas, acorda a 3ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em julgamento de Turma, por unanimidade, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. DESEMBARGADORA LIRA RAMOS DE OLIVEIRA Relatora