PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC DO B). EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. SÍNTESE DO CASO1. Trata–se de prestação de contas do Diretório Nacional do Partido Comunista do Brasil (PC do B), referente ao exercício financeiro de 2016, apresentada em 29.4.2017, com sugestões da Assessoria de Contas Eleitorais e Partidárias e, ainda, do Ministério Público Eleitoral no sentido da desaprovação das contas.QUESTÃO DE ORDEM2. O Ministério Público Eleitoral suscitou questão de ordem, pela qual pretende o encaminhamento dos autos ao Tribunal de Contas da União para fiscalização dos recursos repassados pela agremiação à Fundação Maurício Grabois .3. Este Tribunal, no julgamento da questão de ordem na Prestação de Contas 192–65, fixou a tese, que valerá a partir do exercício financeiro de 2021, no sentido de que a Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar as contas anuais das fundações vinculadas aos partidos políticos envolvendo a aplicação de verbas do Fundo Partidário .4. No julgamento do Agravo Regimental na Prestação de Contas 261–34, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 4.3.2020, assentou–se que "não prospera a tese de que a fiscalização das fundações vinculadas às legendas caberia ao Tribunal de Contas da União, nos termos do disposto no art. 71 , II , da Constituição Federal . O referido dispositivo constitucional prevê expressamente que compete ao TCU julgar as contas dos administradores e responsáveis por recursos públicos da 'administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal'", e, na espécie, a fundação instituída pela legenda é pessoa jurídica de direito privado, cuja opção legislativa de fiscalização tem fundamento no art. 66 do Código Civil , que estabelece a competência do Ministério Público Estadual.AGRAVO INTERNO DOS REQUERENTES5. Os requerentes interpuseram agravo interno em face da decisão monocrática que indeferiu o pedido de produção de prova testemunhal, requerida a fim de demonstrar que o trabalho desenvolvido pelas mulheres que prestaram serviços ao partido na própria promoção e difusão da participação feminina na política não consistiria em atividade alheia à finalidade prevista no art. 44 , V , da Lei 9.096 /95 .6. Cumpria ao partido indicar, na oportunidade da defesa, o rol de testemunhas e o fato específico que cada uma delas esclareceria em juízo, o que se revela ainda mais relevante quando se tem em conta que a regra é de que as despesas partidárias e a sua vinculação às finalidades previstas no art. 44 da Lei 9.096 /95 sejam comprovadas mediante prova documental .7. Não foi juntado aos autos, seja na defesa ou mesmo no agravo interno, elemento documental comprobatório do alegado trabalho desenvolvido pelas contratadas e da respectiva conexão com as políticas de difusão e promoção da participação feminina na política. Afinal, considerada a alegação de que a atuação teria ultrapassado o caráter administrativo e envolvido atividade direta de consecução dos objetivos tutelados pelo art. 44 , V , da Lei 9.096 /95, é razoável presumir a existência de prova documental desse fato .8. Os depoimentos de pessoas vinculadas à agremiação e interessadas no deslinde da causa não se afiguram relevantes ou úteis para o esclarecimento da despesa, o que justifica o indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal, e, tal como se infere do art. 370 , parágrafo único , do Código de Processo Civil , não configura cerceamento de defesa. Precedente: PC 238–59, rel. Min. Rosa Weber, DJE de 26.4.2018; PC 272–68, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 12.3.2018;ANÁLISE DA PRESTAÇÃO DE CONTAS9. O pagamento de multas referentes a diárias de hotel que foram pagas e não foram utilizadas (no–show) não se coaduna com o disposto no art. 44 , I , da Lei 9.096 /95, constituindo irregularidade nas contas e a obrigação de devolução dos valores ao erário.10. O partido realizou despesas com locação, condomínio e IPTU de imóvel alugado com finalidade residencial, destinado à hospedagem de dirigentes da agremiação para participação de reuniões e atividades partidárias na localidade, de forma que é razoável presumir a existência de prova documental nesse sentido, a qual não foi apresentada na espécie, ficando sem comprovação a vinculação dos gastos às atividades partidárias, em descordo com o disposto no art. 35, § 2º, da Res.–TSE 23.464.11. Depreende–se do art. 18, § 1º, I, II, III e IV, da Res.–TSE 23.464 que a comprovação da despesa é feita, em regra, por meio de documento fiscal com descrição detalhada, podendo ser admitidos outros meios de prova idôneos, tais como contrato, comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço, comprovante bancário de pagamento, Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social – GFIP. Ademais, a orientação deste Tribunal Superior é no sentido de que é desnecessária a juntada de documentação acessória quando o serviço contratado e a sua vinculação à atividade partidária forem comprovados por notas fiscais. Nesse sentido: PC 245–80, rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJE de 12.3.2021.12. Na espécie, apesar de as notas fiscais acostadas aos autos especificarem os serviços com publicidade atinentes à produção de programa partidário em bloco e inserções de rádio e televisão referentes ao exercício financeiro de 2016, elas não podem, excepcionalmente, ser consideradas suficientes para comprovar a regularidade das despesas, pois os citados documentos fiscais foram emitidos por empresa diversa daquela que em cujo nome foram apresentadas as gravações. Em tal situação, era imprescindível a juntada de prova material da contratação e da subcontratação – a qual não foi apresentada –, a fim de assegurar a necessária transparência na utilização de recursos públicos, cuja observância não pode ser afastada com base na autonomia dos partidos para contratar e realizar gastos ou no argumento de que a parceria entre pessoas jurídicas de direito privado não exigiria a celebração de contrato escrito.13. A despesa com a terceira parcela referente à produção do programa partidário em bloco e inserções, atinente ao segundo semestre de 2015 – cujo pagamento ocorreu em 5.1.2016 –, e a sua vinculação à atividade partidária foram comprovadas por meio de nota fiscal que descreve de forma específica os serviços prestados. Ademais, as contas do partido alusivas ao exercício financeiro de 2015 foram aprovadas com ressalvas nos autos da Prestação de Contas 180–51, rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 28.4.2021, verificando–se que não remanesceu apontamento de irregularidade nas despesas com a produção do programa de propaganda partidária veiculado naquele ano.14. A despeito da oportunidade concedida, não foram apresentadas as relações das pessoas beneficiárias de parte dos gastos com auxílio–transporte e auxílio–alimentação, de modo que não ficou comprovada a regularidade dessas despesas e a sua vinculação com as atividades partidárias.15. O gasto com o pagamento de serviços advocatícios referentes à defesa dos interesses de dirigente e de filiada ao partido político em procedimentos criminais é irregular, por carecer de comprovação de relação direta com as atividades desenvolvidas pelos agentes para o partido e, por conseguinte, de vinculação com a atividade partidária. O patrocínio de interesses de pessoas envolvidas, ainda que em tese, em atividades de caráter ilícito é incompatível com as finalidades descritas no art. 44 da Lei 9.096 /95 e, por conseguinte, não pode ser custeado com o Fundo Partidário, cuja utilização se submete a rígidos limites em razão da natureza pública dos recursos.16. A aplicação de recursos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres em percentual inferior ao mínimo previsto no art. 44 , V , da Lei 9.096 /95 consubstancia falha grave e que compromete a regularidade das contas.17. Não é possível considerar, para fins de cumprimento do percentual mínimo a ser aplicado em programas de incentivo à participação política feminina, os recursos utilizados no "pagamento de dirigentes partidárias e assessoras, que tinham a tarefa e a responsabilidade de organizar a política de criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres", ou, ainda, referentes "à equipe que atua exclusivamente no programa de políticas para mulheres do PC do B" (AgR–AgR–PC 294–58, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 31.5.2019).18. Após o exame técnico e a análise dos documentos juntados pela agremiação, permaneceram as seguintes irregularidades:a) despesas glosadas por ausência de documento fiscal ou não comprovação da efetiva prestação dos serviços e da sua vinculação com a atividade partidária, nos termos dos arts. 18, § 1º, e 35, § 2º, da Res.–TSE 23.464: R$ 718.918,57;b) não aplicação de recursos do Fundo Partidário no incentivo da participação da mulher na política, previsto no art. 44 , V , da Lei 9.096 /95: R$ 114.521,99.CONCLUSÃO19. Tendo em vista que as irregularidades constatadas – em seu conjunto e excluindo a falha alusiva ao incentivo da participação da mulher na política prevista no art. 44 , V , da Lei 9.096 /95 (a qual possui penalidade própria, na linha da atual jurisprudência) – não indicam comprometimento do ajuste contábil, perfazendo apenas 4,80% do total de recursos recebidos, é possível a aprovação das contas com ressalvas, pela incidência do princípio da proporcionalidade.20. A desaprovação das contas partidárias acarretava a sanção de suspensão de cotas futuras do Fundo Partidário, e, com o advento da Lei 13.165 /2015, a rejeição das contas passou a implicar "exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento)" (art. 37 da Lei n.º 9.096 /1995, alterado pela Lei n.º 13.165 /2015).21. No julgamento das PCs 0601752–56 e XXXXX–18, DJE de 3.8.2020, prevaleceu a compreensão externada no voto do Ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de que a interpretação lógica e sistemática do atual teor do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos impõe que seja diferenciada a medida de recomposição do erário, que não apresenta caráter sancionador, e da multa, esta sim, reprimenda aplicável em decorrência da rejeição das contas e apenas esta passível de desconto dos futuros repasses do Fundo Partidário. Precedentes: PC 06001849–56, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, j. em 6.5.2021; PC 0600237–15, rel. Min. Sérgio Banhos, j. em 18.3.2021.22. Na linha do voto condutor no indigitado leading case acerca dessa questão em específico, extrai–se que, sob nenhuma hipótese e com base em interpretação constitucional, poderia se admitir que o partido, ao não aplicar devidamente recursos públicos, pudesse recompor os valores irregulares ao erário mediante simples decote nas futuras receitas oriundas do Fundo Partidário, independentemente do cumprimento da reprimenda pecuniária.23. A devolução de valores tidos por irregulares diz respeito à recomposição dos cofres, não se tratando de sanção, mas obrigação resultante das glosas apuradas na prestação de contas e resultantes da não aplicação do dinheiro público nas finalidades previstas no art. 44 da Lei 9.096 /95, o que deve ser providenciado pelo próprio partido, com recursos próprios, conforme sempre se norteou a jurisprudência desta Corte Superior, orientação que deve ser mantida mesmo com o advento da Lei 13.165 /2015. Questão de ordem do Ministério Público rejeitada.Prestação de contas aprovada, com ressalvas e determinações.