TRF-1 - MANDADO DE SEGURANÇA: MS XXXXX20214010000
PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. FUNAI. PEDIDO DE ATUAÇÃO NA DEFESA CRIMINAL DE INDÍGENAS. DEFERIMENTO. POSTERIOR PEDIDO DE EXCLUSÃO. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA. 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado pela Fundação Nacional do Índio, contra decisão que, nos autos de ação penal, indeferiu o pedido da impetrante para que fosse excluída da lide, mantendo-a, por conseguinte, na condição de defensora dos réus. 2. Na origem, cuida-se de ação penal proposta pelo Ministério Público Federal contra lideranças indígenas das etnias Pataxó e Krenak, por suposta prática do delito previsto no art. 148 do Código Penal , consubstanciada na invasão, por pelo menos 80 indígenas, do edifício sede do Distrito Sanitário Especial Indígena em Governador Valadares e da manutenção de dezesseis pessoas em cárcere privado, somente liberadas na madrugada do dia seguinte. 3. Os réus foram inicialmente defendidos pela Defensoria Pública da União, mas, na fase final dos interrogatórios, a Funai requereu seu ingresso no feito, à consideração de que a defesa apresentada em favor dos indígenas não seria tecnicamente satisfatória, o que foi deferido. Posteriormente, solicitou que a defesa fosse novamente assumida pela DPU, à alegação de que lhe faltaria legitimidade para prosseguir com a assistência jurídica aos acusados, o que, negado na origem, deu ensejo à presente impetração. 4. O artigo 1º , parágrafo único , da Lei 5.371 /1967, que autorizou a instituição da FUNAI, estabelece que a Fundação exercerá os poderes de representação ou assistência jurídica inerente ao regime tutelar do índio, na forma estabelecida na legislação civil comum ou em leis especiais. Por sua vez, o § 6º do artigo 11-B da Lei 9.028 /1995 estabelece, sem nenhuma ressalva, que a Procuradoria-Geral da Fundação Nacional do Índio permanece responsável pelas atividades judiciais que, de interesse individual ou coletivo dos índios, não se confundam com a representação judicial da União. 5. Na mesma linha, a Portaria AGU 839/2010 prevê, em seu artigo 3º, que as Procuradorias Regionais Federais, as Procuradorias Federais nos Estados, as Procuradorias Seccionais Federais, os Escritórios de Representação e a PFE/FUNAI atuarão nas ações cíveis, criminais, trabalhistas, eleitorais e previdenciárias em que estejam presentes os direitos e interesses elencados nos arts. 1º e 2º. 6. O Estado Brasileiro adotou o normativo da Convenção OIT 169, que acolheu formalmente, como critério de identificação, a autoidentificação, de tal modo que, para fins legais, é indígena quem se sente, se comporta ou se afirma como tal, de acordo com os costumes, organização, usos, língua, crenças e tradições indígenas da comunidade a que pertença nada importando, assim, a posse de documentação e o exercício de direitos de cidadania não indígena. 7. Ainda que assim não fosse, extrai-se das informações prestadas pela autoridade impetrada que o delito em questão decorreu de reivindicação de diferentes etnias acerca de seu direito coletivo à saúde, estando, portanto, intrinsecamente ligado à própria condição de indígenas dos réus. 8. Finalmente, e não menos importante, não há como se desconsiderar o fato de que a integração da FUNAI à defesa dos acusados decorreu de pedido por ela própria formulado, após atestar, expressamente, a deficiência da defesa técnica apresentada pela DPU. Desse modo, o pedido posterior de retorno ao feito da DPU, por revelar-se claramente incompatível com o pleito anterior, implicaria evidente violação do princípio da proibição de comportamento contraditório e da boa-fé objetiva processual, pesando, ademais, em desfavor da tese defendida, a circunstância de o retorno da DPU ao caso acarretar possível prejuízo à defesa dos réus. 9. Ordem de segurança denegada, confirmando-se o que decidido em sede liminar.