VOTO-EMENTA. CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. DANO MORAL. COBRANÇA DE VALORES QUE TERIAM SIDO RECEBIDOS A TÍTULO DE AUXÍLIO EMERGENCIAL. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DO DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA UNIÃO. ALEGAÇÃO DE DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. PARTE AUTORA COMPROVOU A EMISSÃO DE DARF EM SEU NOME E A TENTATIVA DE SOLUÇÃO EM ÂMBITO ADMINISTRATIVO. REDUÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Trata-se de pedido de declaração de inexistência de débito cumulado com indenização por danos morais, em razão de uso indevido de documentação da parte autora em fraude para pagamento de auxílio emergencial. 2. Sentença de parcial procedência, proferida nos seguintes termos: “[...] No caso dos autos, ANA VITÓRIA MOREIRA DE MARCHI APOLARO ajuizou a presente ação em face da UNIÃO e da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF. Narra que por ocasião da entrega da DIRPF 2020/2021 de sua mãe, a Receita Federal emitiu um informe de rendimentos em seu nome, como se supostamente tivesse requerido e recebido o auxílio emergencial, sendo no mesmo ato expedido o DARF para restituição, com vencimento para 30/04/2021. Sustenta a autora que não requereu e nem recebeu o auxílio emergencial. Ao tomar conhecimento da fraude, a autora buscou o site do Ministério da Cidadania, Desenvolvimento Social e Esporte, verificando a existência de cadastro em seu nome e CPF, porém com os demais dados pessoais incorretos. A autora prontamente formalizou reclamação/denúncia (protocolo nº 71003.032673/2021-80), porém o prazo de atendimento finda em 17/05/2021, posteriormente ao vencimento do DARF (30/04/2021). Requer seja declarada a ocorrência de fraude na concessão do auxílio emergencial em nome da autora; a declaração de inexistência ou inexigibilidade do débito de R$ 3.000,00; e a condenação das rés ao pagamento de danos morais, no valor de dez salários mínimos. Regularmente citadas, a corrés apresentaram contestações genéricas, pugnando pela improcedência dos pedidos. Intimada a apresentar cópia de todos os documentos apresentados na data de abertura da conta em nome da autora, além dos detalhes das transações efetuadas em referida conta, a CEF limitou-se a esclarecer “que a abertura da conta se deu por meio eletrônico em 20/06/2020”, apresentando os extratos que demonstraram os depósitos e débitos a título de auxílio emergencial. Pois bem. In casu , não houve a efetiva comprovação de que o auxílio emergencial foi efetivamente disponibilizado e pago à autora. Com efeito, a CEF não logrou comprovar que foi a autora quem abriu a conta bancária, nem que foi ela quem efetuou as operações questionadas. Da mesma forma, a autora demonstrou ter procurado a União para informar sobre a fraude perpetrada por terceiros. Todavia, não houve qualquer solução administrativa apresentada pela ré. Nesse ponto, noto que a inércia probatória das corrés faz presumir verdadeiros os fatos narrados na petição inicial, especificamente no que toca ao indevido cadastramento na plataforma do auxílio emergencial, e à indevida abertura de conta bancária e realização de operações financeiras fraudulentas. Afinal, exigir que a parte autora comprove que não efetuou o cadastro para recebimento do auxílio emergencial, nem abriu a conta bancária, seria imputar-lhe prova diabólica, precisamente por se tratar de prova de “fato negativo”. Como se nota, não se trata propriamente de inversão do ônus da prova, mas de distribuição regular de tal ônus, na forma da legislação processual civil. Nota-se que tanto a CEF quanto a União não apresentaram documentos e informações suficientes a demonstrar seus argumentos, não se desincumbindo do ônus que lhes competia. Tal aspecto, aliado à presunção de boa-fé das alegações da parte autora, enseja o reconhecimento de que as operações, de fato, não foram realizadas pela autora. Dessa forma, de rigor o reconhecimento da inexistência de relação jurídica da autora com a União, e da consequente inexigibilidade do débito referente ao auxílio emergencial pago em seu nome e discutidos nestes autos. Passo à análise do pedido de indenização por danos morais. Na lição de MARIA CELINA BODIN DE MORAES, o dano moral consiste na “violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana, seja causando-lhe prejuízo material, seja violando direito (extrapatrimonial) seu, seja, enfim, praticando, em relação à sua dignidade, qualquer ‘mal evidente’ ou ‘perturbação’, mesmo se ainda no reconhecido como parte de alguma categoria jurídica” (MORAES, Maria Celina Bodin de, Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais, Rio de Janeiro, Renovar, 2009, pp. 183-184). Como se sabe, não há que se falar em prova do dano moral, mas sim em prova do fato que o gerou. A indenização a título de danos morais deve levar em conta o seu caráter punitivo, desencorajando-se a má prestação de serviços e a realização de novas condutas lesivas. Ademais, ao tratar daquilo que chama de “dano social”, ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO observa que determinados atos danosos podem ser lesivos não apenas ao patrimônio material ou moral da vítima, acabando por atingir toda a sociedade, em uma espécie de rebaixamento do nível de vida da população (AZEVEDO, Antonio Junqueira, Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social, in Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado, São Paulo, Saraiva, 2009, pp. 380-381). No presente caso, a autora demonstrou que houve o indevido cadastramento de seu nome na plataforma do auxílio emergencial, com o deferimento e pagamento das cinco primeiras parcelas do benefício, no valor de R$ 3.000,00. Tal circunstância demonstrou falhas tanto da União quanto da CEF, que não efetuaram as verificações necessárias quanto à titularidade dos dados utilizados para o recebimento do auxílio. Tal situação causou constrangimento à autora, pois foi expedido, em seu nome, DARF para restituição dos valores supostamente pagos a título de auxílio emergencial. Além disso, a autora comprovou a tentativa de solucionar a questão de forma administrativa, sem sucesso. Desta forma, entendo cabível a condenação das corrés, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais. Cabe ao Juiz, de acordo com seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor, estimar o quantum indenizatório. Considerando as circunstâncias acima expostas, fixo o valor de R$ 8.000,00 a título de indenização por danos morais. Diante do exposto, resolvo o mérito da controvérsia na forma do artigo 487 , inciso I , do Código de Processo Civil , e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS para o fim de declarar a inexistência de relação jurídica da autora com a União; declarar a inexigibilidade do débito equivalente ao auxílio emergencial pago em nome da autora e discutido nestes autos; e condenar a União e a CEF, solidariamente, ao pagamento à autora, a título de indenização por danos morais, do valor de R$ 8.000,00, após o trânsito em julgado, atualizado monetariamente e acrescido de juros de mora a contar da prolação desta sentença. A correção monetária e os juros de mora incidirão nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal”. 3. Recurso da União (em síntese): alega ilegitimidade passiva “ad causam”; sustenta ser improcedente o pedido por não haver dano comprovado; subsidiariamente, pede que seja excluída ou reduzida a condenação por indenização dos danos morais. 4. Quanto à preliminar de ilegitimidade passiva, não procede o recurso da União. Conforme consta na sentença, uma vez que se discute nos autos o dever de restituir à União valores pagos a título de auxílio emergencial, os quais a parte autora sustenta não ter requerido nem recebido, presente a relação jurídica jurídico_material entre a parte autora e a União, sendo ela parte legítima para figurar no polo passivo. 5. Dano Moral: no que concerne ao dano moral, restou amplamente demonstrado nos autos que o defeito na prestação dos serviços ultrapassou os limites do mero aborrecimento cotidiano. A parte autora comprovou a concessão de auxílio emergencial por ela não requerido, a abertura de conta digital em seu nome, para recebimento de mencionado benefício social, o saque, por terceiros fraudadores, dos valores disponibilizados na referida conta e, ainda, a notificação da Receita Federal para o pagamento de valor correspondente ao pagamento de auxílio emergencial, em razão de sua genitora a ter declarado como dependente na Declaração de Ajuste Anual - Exercício 2021, ou seja, devido à uma sucessão de erros das corrés, teve seus dados expostos, dando margem para que uma quadrilha de estelionatários promovessem saques e pagamentos em seu nome. Além disso, correu o risco de ser indiciada na esfera criminal em razão de informação de dados pessoais incorretos e recebimento de benefício social indevidamente e ter seu nome inscrito na Dívida Ativa da União, se não efetuasse a devolução do valor de auxílio emergencial reputado pela Receita Federal como por ela recebido, cuja cobrança foi comprovada nos autos. 6. Assim, embora a prova dos autos seja suficiente para se reconhecer a obrigação de indenizar o dano moral, isso não pode ensejar a condenação em montante exagerado, sob pena de se configurar enriquecimento ilícito. Em casos tais, o valor da reparação fica ao prudente arbítrio do julgador, que deve considerar as circunstâncias do caso, a situação econômica das partes e a gravidade da ofensa. Além disso, a indenização deve conter também uma representação punitiva e pedagógica para o réu, bem como de satisfação em relação à vítima, sem, no entanto, resultar em enriquecimento indevido. 7. Outrossim, entendo que o quantum arbitrado pela sentença, a título de danos morais (R$ 8.000,00), não se encontra totalmente em consonância com os elementos constantes nos autos. Destarte, considerando as circunstâncias do presente caso, bem como o princípio de que a quantia indenizatória não deve representar enriquecimento sem causa para quem a recebe, arbitro o valor da indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 8. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO para reduzir o valor da indenização por danos morais para R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Mantenho, no mais, a r. sentença. 9. Sem honorários, nos termos do art. 55 da Lei 9.099 /95, porquanto não há recorrente vencido. 10. É o voto. IVANA BARBA PACHECO JUÍZA FEDERAL RELATORA