RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INCÊNDIO CULPOSO QUALIFICADO PELOS RESULTADOS MORTE E LESÃO CORPORAL. TESE DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. IMPROCEDÊNCIA. SUPOSTA NULIDADE DA DECISÃO QUE RATIFICOU O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O caso concreto trata de incêndio de grandes proporções em Centro de Treinamento do Clube de Regatas do Flamengo, que provocou a morte de dez adolescentes e lesões graves em outros três, todos atletas da categoria de base, enquanto dormiam em containers adaptados como dormitórios. 2. Segundo a jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores, "o trancamento da ação penal, em habeas corpus, constitui medida excepcional que só deve ser aplicada nos casos (i) de manifesta atipicidade da conduta; (ii) de presença de causa de extinção da punibilidade do paciente; ou (iii) de ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas" (STF, HC 170.355 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/05/2019, DJe 30/05/2019), circunstâncias não evidenciadas na espécie. 3. No caso, a denúncia traz um minucioso apanhado a respeito do histórico técnico das instalações onde o incêndio ocorreu, passando em seguida a individualizar a conduta de cada réu. De sua análise, percebe-se que a peça acusatória descreve satisfatoriamente a conduta imputada ao Recorrente, denunciado por haver ocupado o cargo de Diretor de Meios do Flamengo entre novembro de 2017 e janeiro de 2019, permitindo-lhe, sem qualquer dificuldade, ter ciência da conduta ilícita que lhe foi imputada, de modo a garantir o livre exercício do contraditório e da ampla defesa. 4. Na hipótese, além de não se identificar as lacunas apontadas na peça acusatória, a suposta infidelidade da denúncia com os elementos que instruem a ação penal é questão que repercute no mérito da ação penal, não cabendo a esta Corte de Justiça sobrepor-se à jurisdição de primeiro grau e, em substituição ao juízo competente para a instrução e julgamento do feito, reconhecer prontamente a ausência de elementos de autoria. 5. Ainda que não se exija fundamentação exaustiva na decisão que rejeita as hipóteses do art. 397 do Código de Processo Penal (ratificando, assim, o recebimento da denúncia), é necessária a explicitação suficiente dos fundamentos que levaram o julgador a afastar as teses deduzidas na resposta à acusação, sob pena de inobservância ao disposto no art. 93 , inciso IX , da Constituição da Republica . 6. No caso, embora o Juiz de primeiro grau tenha fundamentado de maneira não usual a decisão que ratificou o recebimento da denúncia, o que é compreensível diante das especificidades do caso - de elevada repercussão, envolvendo diversos réus, e no qual se faz necessária uma análise mais detida da justa causa para a ação penal, por tratar-se de crime culposo -, verifica-se que o Magistrado não modificou a imputação realizada na inicial acusatória, apresentando as razões pelas quais reputa justificado o prosseguimento da ação penal. 7. Conforme reiterada jurisprudência dos Tribunais Superiores, o reconhecimento de vício que possibilite a anulação de ato processual exige a efetiva demonstração de prejuízo ao acusado, consoante o previsto no art. 563 do Código de Processo Penal (pas de nullité sans grief). Assim, caberia à Defesa indicar, de forma clara, o gravame advindo diretamente do alegado excesso de motivação, o que não foi observado na hipótese, não sendo suficiente a alegação genérica de prejuízo. 8. Ademais, não se constata, na espécie, prejuízo decorrente do suposto excesso na motivação do Magistrado ao afastar as teses deduzidas na resposta à acusação, notadamente porque, ao final da instrução, não poderá o Julgador utilizar-se, para eventual condenação dos Acusados, de elementos não descritos na denúncia, sob pena de ofensa ao princípio da correlação ou de incorrer em julgamento extra petita. 9. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido.