MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS TELEMÁTICOS PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL. CRIME DE PROPAGANDA ENGANOSA. ART. 66 , CAPUT, DO CDC . INSURGÊNCIA DO PROVEDOR DE APLICAÇÃO DE INTERNET. DELITO APENADO COM DETENÇÃO. IRRELEVÂNCIA. VIOLAÇÃO À INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E IMAGEM DO USUÁRIO DAS APLICAÇÕES DE INTERNET. NÃO OCORRÊNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO MEIO DE PROVA EXCEPCIONAL. SEGURANÇA DENEGADA. 1. O direito fundamental de inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas não é absoluto e, em certos casos, comporta restrição ou mitigação, desde que prévia e devidamente justificadas, mormente quando sua fruição colidir com outro direito fundamental, como ocorreu na espécie, porquanto a abstenção de quebra do sigilo de dados telemáticos coloca em risco a vida, a incolumidade e a segurança da coletividade, em razão do potencial exercício de trabalho, ofício ou profissão, desprovido de qualificação profissional exigida por lei. Exegese do art. 5º , inc. X , XII e XIII , da CF . 2. No caso dos autos, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/BR constatou que duas empresas privadas ofereciam cursos on-line nas áreas de construção civil e de arquitetura e urbanismo, e, mesmo sem exigir qualquer qualificação dos interessados, anunciavam que os alunos poderiam exercer, após a conclusão do curso por elas ofertado, atividades privativas de arquiteto e urbanista, previstas no artigo 2º da Lei nº 12.378/10, e na Resolução CAU/BR nº 51/2013; e, diante das infrutíferas tentativas de identificação das empresas e de seus responsáveis legais, a autoridade representou pela quebra do sigilo dos dados telemáticos do usuário que publicou, no canal YouTube, vídeo alusivo à oferta dos mencionados cursos, pedido que, após parecer ministerial favorável, foi deferido na origem, tendo as empresas impetrantes cumprido parcialmente a ordem judicial. Invocação de impedimento previsto no art. 2º , III, da Lei nº 9.296 /96, por tratar-se de crime apenado com detenção, e à impossibilidade de cumprimento da decisão judicial, dada a inviabilidade de identificação do usuário da conta Google a partir da URL fornecida pela autoridade policial; afastada, por decisão judicial proferida na origem, a alegação de óbice legal, contida no art. 2º , III, da Lei nº 9.296 /96, a autoridade policial manifestou-se pela plausibilidade de as empresas ora impetrantes identificarem a conta do usuário através do canal YouTube, o que foi deferido pela digna autoridade apontada como coatora, razão pela qual, alegando-se violação a direito líquido e certo do usuário da conta Google, impetrou-se o presente mandado de segurança. 3. A quebra de sigilo de dados telemáticos pressupõe decisão judicial devidamente fundamentada, nos termos dos art. 7º, II e III, 22, caput e seu parágrafo único, ambos da Lei nº 12.965 /14 – popularmente conhecida como marco civil da internet – , mas, ao contrário do sustentado pelas Impetrantes, não exige que o ilícito penal, objeto de investigação ou de reconstrução em processo judicial, seja apenado com reclusão, não se aplicando ao caso o disposto no artigo 2º , III, da Lei nº 9.296 /96, dada a existência de legislação específica sobre o tema. Precedentes do STJ. 4. Ademais, no caso dos autos, restaram demonstrados não só os indícios da prática do crime de propaganda enganosa, mas também a imprescindibilidade da quebra do sigilo de dados telemáticos como meio de perquirir e revelar a autoria delitiva, seja porque os dados e registros telemáticos obtidos nas investigações não foram capazes de alcançar tal pretensão, seja porque as diversas tentativas de contato, por meio dos canais de comunicação informados pelas empresas em seus sítios eletrônicos, restaram infrutíferas. 5. Ordem judicial que restringiu o fornecimento de dados, pelo provedor de aplicações de internet, de um único usuário, por período certo, determinado e não excessivo, com demonstração do fumus comissi delicti e da imprescindibilidade desse meio de obtenção de prova para apurar infrações penais praticadas por lapso temporal razoável, contra consumidores indeterminados, não há que se falar em ofensa ao direito constitucional à inviolabilidade da imagem, vida privada, intimidade e honra razão pela qual a segurança deve ser denegada. Segurança denegada, cassando-se a liminar anteriormente concedida.