TRF-3 - APELAÇÃO CÍVEL: ApCiv XXXXX20164036104 SP
E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA.TERRENO DE MARINHA. UNIÃO. REGIME DE AFORAMENTO. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO DO DOMÍNIO ÚTIL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À UNIÃO. RECURSO PROVIDO. 1. A demanda foi ajuizada por Terezinha Neide Fernandes Abreu, visando à aquisição, por usucapião, do do imóvel localizado no lote de terreno nº 10 da quadra n. 9, Rua Sizino Patusca nº 516, Jardim Santa Maria, em Santos/SP, sobre o qual alega exercer a posse mansa, pacífica, sem oposição e com animus domini, desde novembro/1987. 2. A União manifestou interesse na lide, alegando que a área usucapienda abrange terreno de marinha. 3. A sentença que julgou improcedente a ação, nos termos do artigo 487 , I , do CPC , por reconhecer a natureza pública do imóvel. A autora foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados no patamar mínimo estabelecido no artigo 85 , § 3º , do CPC sobre o valor atualizado da causa, restando suspensa a sua exigibilidade, por se tratar de beneficiária da Justiça Gratuita. 4. Em suas razões recursais, a autora alega a possibilidade de usucapião do domínio útil do imóvel. Requer, assim, a reforma da r. sentença, julgando-se procedente a ação. 6. A usucapião extraordinária é uma forma de aquisição do bem imóvel, prevista, à época dos fatos narrados na presente demanda, no artigo 550 do Código Civil/1916 (artigo 1238 do Código Civil/2002 ). Tal norma apresentava como requisitos a essa modalidade de usucapião o exercício da posse sobre o imóvel por 20 (vinte) anos, de forma ininterrupta e sem oposição, sem a necessidade de comprovação de título de boa-fé. 7. Noutro giro, observa-se que o inciso VII do artigo 20 da CF inclui entre os bens da União os terrenos de marinha e seus acrescidos, sendo estes definidos pelos artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 9.760 /46. 8. Ademais, nos termos dos artigos 183 , § 3º , da CF , os bens públicos não são passíveis de usucapião. 9. No caso, a autora acostou, junto à inicial, a cópia do contrato de compra e venda do imóvel, firmado com Manoel Duarte e Celestina Floriana Soares em novembro de 1987, bem como comprovantes de pagamentos de contas relativas ao imóvel, além de declarações dos confrontantes, no sentido de que ela reside no local desde 1987, tendo adquirido o imóvel através da Corretora Araújo Imóvel "que vendia regularmente as casas da região". 10. Ocorre que, de acordo com a Informação Técnica 9161/2016 da Superintendência do Patrimônio da União no Estado de São Paulo - SPU/SP, o referido imóvel abrange terrenos de marinha. Ressalte-se que tal informação também consta na própria certidão do transcrição do imóvel, registrada no 1º Oficial de Registro de Imóveis de Santos/SP. 11. Ademais, extrai-se da certidão de matricula do imóvel, juntada pela autora, que o imóvel era utilizado por particulares, em regime de aforamento. 12. Nesse cenário, cumpre assinalar que, de fato, imóveis inseridos em terrenos de marinha não são passíveis de aquisição por usucapião. Todavia, em se tratando de imóvel público foreiro, admite-se a possibilidade de aquisição do domínio útil desse bem por usucapião, desde que o bem não esteja sob o domínio direto da União. Tal questão encontra-se pacificada na jurisprudência pátria. 13. Com efeito, a condição à aquisição do domínio útil de bens públicos em regime de aforamento é que tais bens não estejam sob o domínio direto da União, e, no caso, a prova documental acostada aos autos é suficiente para demonstrar a ausência de tal domínio pela União. 14. Ressalte-se, outrossim, que o reconhecimento da aquisição da apelante do domínio útil do imóvel não acarreta nenhum prejuízo à União, tendo em vista que possibilitará a cobrança de foros e laudêmios pelo ente público. 15. Por fim, assinale-se que o fato da apelante apresentar pedido de reconhecimento do domínio útil do imóvel em sede recursal, sem tê-lo feito expressamente em sua inicial, não configura inovação do pedido. Isso porque, no momento do ajuizamento da ação, a autora não tinha conhecimento de que o imóvel usucapiendo se encontrava em terreno de marinha. Ademais, ainda que assim não fosse, o pedido da inicial se refere à extinção do "domínio dos proprietários anteriores", de modo que a expressão "domínio" não exclui, necessariamente, o domínio útil. 16. Desta feita, razão assiste à apelante, devendo ser reconhecido o seu domínio útil, por usucapião, sobre a área pleiteada. 17. Condenação da parte apelada ao pagamento de honorários advocatícios recursais, fixados em 8% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85 , § 3º , II , do CPC . 18. Apelação a que se dá provimento.