PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ATIVIDADE POLICIAL. CONTROLE EXTERNO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. FORMULÁRIO DE VISITA TÉCNICA. RESOLUÇÃO Nº 20 /2007 DO CNMP. ATIVIDADE-FIM. FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES. OBRIGATORIEDADE. ATIVIDADE-MEIO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. AUSÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA. 1. Remessa necessária e apelações interpostas pela União Federal e pelo Ministério Público Federal em face da sentença que concedeu a segurança pleiteada na ação mandamental "para assegurar ao Ministério Público Federal o direito líquido e certo de exercer o efetivo controle externo da atividade policial e demais funções institucionais, por meio da prestação, pela autoridade coatora, de todas as informações exigidas no formulário de visita instituído pelo CNMP, resguardando-se, contudo, a exibição de documentos cujo conteúdo detenha informações sigilosas, extinguindo o processo com resolução do mérito nos termos do art. 487 , I , do CPC . 2. A presente ação mandamental foi impetrada pelo Ministério Público Federal com o escopo de obter acesso a todas as informações requisitadas ao Delegado Chefe da Delegacia de Polícia Federal em Salgueiro por meio do Formulário de Visita Técnica instituído pela Resolução nº 20 /2007 do Conselho Nacional do Ministério Público, que regulamenta o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, notadamente os itens 2.3 a 2.12 da Seção II, itens 5.20 a 5.22 da Seção V, itens 11.20.8 a 11.20.10 da Seção XI, itens 12.4, 12.14 a 12.17.1 da Seção XII, e itens 13.14 a 13.16 da Seção XIII, os quais foram omitidos pela autoridade coatora com fundamento no PARECER nº 143/2015-SELP/COGER, o qual dispõe a respeito da adoção de procedimento padrão quando do fornecimento de informações para preenchimento do mencionado relatório. 3. Prestadas as informações pela autoridade coatora, o juízo de origem prolatou a sentença recorrida concedendo acesso irrestrito às informações exigidas no aludido formulário. Contudo, ressalvou expressamente no dispositivo que a exibição de documentos contendo informações sigilosas não está abrangida pelo provimento mandamental. 4. A partir do cotejo entre os termos do pedido formulado no mandado de segurança e o que foi deferido na parte dispositiva da sentença, constata-se que, não obstante o juiz sentenciante tenha concedido a segurança, na parte dispositiva, o magistrado terminou por rejeitar o pedido em relação aos documentos classificados como sigilosos. Resta, portanto, evidente o interesse do Ministério Público Federal em recorrer da sentença para que a ordem seja concedida nos termos da petição inicial. 5. Apesar de terem sido fornecidas as informações solicitadas pela Procuradoria da República logo após a prolação da sentença, mesmo tendo o juízo de origem indeferido o pedido de cumprimento provisório do julgado, o interesse recursal da União se mantém incólume, uma vez que a sentença não determinou apenas o fornecimento dos dados existentes até então. Assim, não obstante a irreversibilidade da medida, no que tange ao fornecimento das informações existentes até aquele momento, revela-se incabível a aplicação da teoria do fato consumado por se tratar, no presente caso, de sentença cujos efeitos se protraem no tempo. 6. Relativamente à admissibilidade da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal - ADPF como amicus curiae no presente feito, cumpre observar que o entendimento do STF e do STJ, na vigência do antigo e do atual CPC , é pelo não cabimento dessa modalidade de intervenção no mandado de segurança. 7. Ainda quanto à admissibilidade da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal - ADPF como amicus curiae neste feito, o evidente interesse jurídico da entidade associativa no desfecho da lide não se amolda à atuação própria do amicus curiae. 8. A participação do amicus curiae tem por escopo a prestação de elementos informativos à lide, a fim de melhor respaldar a decisão judicial que irá dirimir a controvérsia posta nos autos. Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, trata-se de um colaborador da Justiça que, embora possa deter algum interesse na controvérsia, deve municiar o órgão julgador com novos subsídios, agregando dados ou informações novas, sendo-lhe vedado pautar sua atuação como defensor de interesse próprio, como ocorre no presente caso. ( ADI 3460 ED , Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-047 DIVULG XXXXX-03-2015 PUBLIC XXXXX-03-2015). 9. Além disso, embora a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal - ADPF, por óbvio, ostente representatividade de âmbito nacional, não trouxe argumentação nova em seu arrazoado, porquanto sustentou a mesma tese defendida pela União. Indeferido o requerimento de admissão no presente feito como amicus curiae. 10. Quanto ao mérito, a questão controvertida nos autos consiste em saber se o Ministério Público Federal, no exercício do controle externo da atividade policial, tem direito líquido e certo de obter acesso a todas as informações requisitadas pelo Formulário de Visita Técnica instituído pela Resolução nº 20 /2007 do Conselho Nacional do Ministério Público, notadamente as de conteúdo administrativo, ou seja, voltadas à atividade-meio da Polícia Federal e as que extrapolam a atividade de polícia judiciária, sem apresentar, portanto, natureza investigativo-criminal. 11. A Constituição Federal elencou o exercício do controle externo da atividade policial entre as funções institucionais do Ministério Público ( CF , art. 129 , VII ). 12. Ao regulamentar o aludido preceito constitucional, a Lei Complementar nº 75 /1993 abordou o controle externo da atividade policial nos artigos 3º , 9º e 10 . 13. O controle externo não significa subordinação ou hierarquia entre os órgãos envolvidos, revelando-se como um dos mecanismos de freios e contrapesos voltado precipuamente à verificação da legalidade dos procedimentos afetos à atividade-fim policial, em decorrência dos direitos indisponíveis envolvidos. 14. Como consequência lógica e inafastável, todas as informações relativas à atividade-meio da Polícia Federal estão automaticamente fora da órbita de atuação do Parquet no exercício do controle externo, de sorte que o acesso às informações exigidas nos itens 2.3 a 2.12 da Seção II, 5.20 a 5.22 da Seção V, 11.20.8 a 11.20.10 da Seção XI, 12.14 a 12.17.1da Seção XII e 13.14 a 13.16 da Seção XIII do Formulário de Visita Técnica não pode ser considerado direito líquido e certo como pretendido, porquanto voltados à quantidade de servidores, tempo dos deslocamentos em missões fora do setor, quantitativo de viaturas e outras questões interna corporis. 15. A consulta aos dados inerentes à gestão de pessoas e demais interesses da administração do Departamento de Polícia Federal pelo Ministério Público somente se justifica quando houver necessidade de aparelhamento de uma investigação formalmente instaurada para, nos termos da legislação de regência, apurar condutas ilícitas. 16. Neste contexto, a presente decisão mantém incólumes tanto o poder de requisição quanto a inoponibilidade da exceção de sigilo de informações, registros, dados ou documentos, ambos expressamente previstos no art. 8º, inciso II e parágrafo 2º da LC nº 75 /93, porquanto permanecem válidos como importantes instrumentos para o exercício das atribuições do Parquet. Entretanto, pontualmente no âmbito do controle externo da atividade policial, devem ficar adstritos à atividade-fim da Polícia Federal, ou seja, à atividade de Polícia Judiciária, sob pena de indevida ingerência na própria estrutura administrativa do Departamento de Polícia Federal, o que resultaria em violação ao art. 3º, alínea e da LC nº 75 /93. 17. Por outro lado, a informação requisitada no item 12.4 do formulário do CNMP está umbilicalmente ligada à atividade-fim policial, de sorte que o tipo de sistema de interceptação telefônica instalado (se é ou não o "Guardião") deve ser informado ao Ministério Público Federal, embora o conteúdo em si das interceptações somente seja acessível ao promotor natural. 18. Além disso, embora seja inviável pré-definir toda e qualquer atividade-fim de cunho policial, o Superior Tribunal de Justiça já assentou seu entendimento no sentido de que Ministério Público Federal, no exercício do controle externo da atividade policial, não possui acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência produzidos pelo Departamento de Polícia Federal, mas somente aos relatórios de inteligência policial de natureza persecutório-penal, ou seja, relacionados com a atividade de investigação criminal. É o que se extrai do Informativo de Jurisprudência nº 0587 do STJ, cujas teses fixadas foram extraídas do julgamento do REsp XXXXX/RJ . 19. É importante ressaltar que não se nega ao Ministério Público Federal, nos limites das atribuições que lhe foram conferidas pela Constituição Federal , o poder de fiscalizar os atos praticados pelo Poder Público em geral, a fim de garantir a observância das regras e preceitos legais e constitucionais que regem a Administração Pública. O que não se mostra cabível é que o órgão do Ministério Público Federal, sob o pretexto de atuar no controle externo da atividade policial, tenha acesso irrestrito a informações que não se inserem no conceito de atividade-fim, como é o caso dos atos praticados no desempenho da atividade tipicamente administrativa e dos relatórios de inteligência produzidos pela Polícia Federal que não guardem relação com a investigação policial e a persecução penal. Mesmo em relação à atividade-fim, não cabe ao Procurador da República, que não atue como procurador do caso concreto, requisitar dados sigilosos, com acesso a seu conteúdo, em relação às investigações realizadas pela Polícia Federal, sob pena de ofensa ao princípio do promotor natural. 20. Ainda que exista apenas um ofício do Ministério Público Federal na circunscrição de Salgueiro-PE, a revelar a existência de um só Procurador da República na localidade, não necessariamente a Delegacia de Polícia Federal de Salgueiro-PE terá sua atuação restrita aos limites geográficos de atuação do Ministério Público Federal e nem sempre as investigações realizadas pela Polícia Federal dizem respeito a casos que estejam relacionados às atribuições do Ministério Público Federal. 21. A amplitude das atividades da Polícia Federal em matéria de investigação e de repressão à pratica de ilícitos penais em muitos casos resultará em ações e procedimento criminais da competência da Justiça Eleitoral e até mesmo da Justiça Estadual, em relação às quais o promotor natural não é o Procurador da República. Nessas hipóteses, o acesso ao conteúdo sigiloso somente pode ser concedido ao promotor no exercício da função eleitoral ou ao promotor de justiça que tenha atribuição para atuar no respectivo caso. 22. Remessa necessária e apelação da União parcialmente providas para conceder a segurança apenas quanto à informação requisitada no item 12.4 do Formulário de Visita Técnica. Apelação do Ministério Público Federal não provida.