Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível Recurso nº XXXXX-62.2023.8.05.0211 Processo nº XXXXX-62.2023.8.05.0211 Recorrente (s): ANTONIO DE ALMEIDA MASCARENHA Recorrido (s): BANCO MERCANTIL DO BRASIL S A RECURSO INOMINADO. JUIZADOS ESPECIAIS. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XII, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC ). AÇÃO REVISIONAL DE TAXA DE JUROS DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. CONTRATO DE ADESÃO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . TAXAS DE JUROS APLICADAS INCOMPATÍVEIS COM A MÉDIA DE MERCADO. REVISÃO DA TAXA DE JUROS DO CONTRATO PARA APLICAR A TAXA DE MÉDIA DE MERCADO VIGENTE À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO. RESTABELECIMENTO DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO SIMPLES. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de recursos interpostos pelas partes, em face da r. sentença prolatada nos autos do processo em epígrafe. Na incoativa, a parte autora requer revisional de juros de empréstimo face ao banco requerido A sentença revisanda (ev. 18) julgou PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos constantes na exordial para: determinar que a Ré proceda com a amortização dos juros e encargos dos contratos impugnados, aplicando-se o percentual de 2,49% AO MÊS a todas as parcelas dos contratos formulados, incluindo as vincendas, nos termos do artigo 323 do NCPC , com a readequação das cobranças;; determino que a ré recalcule os débitos, desde o início, aplicando os percentuais mensais estabelecidos pelo BACEN, mantida a periodicidade estipulada no contrato, e a incidir juros moratórios de 01% ao mês e correção monetária pelo INPC, ambos a partir da citação, nos termos do artigo 397 do CC c/c súmula 43 do STJ; condenar a empresa Ré a restituir o valor cobrado a maior, na forma simples, por não se enquadrar nas hipóteses do art. 42 do CDC , com esteio no teor do artigo 499 do NCPC c/c artigo 84 , § 1º do CDC , com a incidência de juros de mora 1% ao mês a partir da citação e correção pelo INPC, a partir do desembolso, nos termos do artigo 397 do CC c/c Súmula 43 do STJ; Irresignada, a parte Autora interpôs Recurso Inominado (ev. 22) É o breve relatório, ainda que dispensado pelo art. 38 , da Lei 9099 /95. DECIDO O artigo 15 do novo Regimento Interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), em seu inciso XII, estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente as matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo colegiado ou já com uniformização de jurisprudência, em consonância com o permissivo do artigo 932 do Código de Processo Civil . O recurso é tempestivo e os pressupostos de admissibilidade estão presentes. Assim, dele conheço. (ev. 26) Passo à análise do mérito. Analisados os autos, observa-se que a matéria já se encontra sedimentada no âmbito da 1ª Turma Recursal, conforme os seguintes Precedentes desta turma: XXXXX-76.2020.8.05.0120 , XXXXX-73.2019.8.05.0001 , XXXXX-78.2019.8.05.0001 , XXXXX-36.2019.8.05.0137 ; XXXXX-58.2022.8.05.0001 ; XXXXX-96.2021.8.05.0001 No mérito, entendo que a sentença merece ser mantida. Narra a parte suplicante se extrai que tratam os presentes autos de pedido de revisional de juros de empréstimo pessoal face ao banco requerido, de dois contratos, oportunidade que lhe foi emprestado o valor e que não foi aplicada a taxa correta, a qual na época era de 2,49 ao mês, e o banco aplicou 17,50% ao mês. A demandada, por sua vez, em sede de contestação apresentada, alega que a suposta cobrança decorreu do exercício regular do direito previsto contratualmente, no qual o autor aderiu voluntariamente e mediante o prévio conhecimento das cláusulas e percentuais dos juros que não se mostram abusivos, o que culminaria na improcedência da ação. De acordo com a regra insculpida no art. 373 , I e II do NCPC , compete ao autor comprovar fatos constitutivos do seu direito e ao réu os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Compulsando os autos, verifica-se que restou demonstrada, a abusividade das taxas de juros contratadas, é de rigor sua limitação à média praticada pelo mercado para operações semelhantes. Assim, correta a sentença que julgou procedente o pedido de revisão das cláusulas contratuais diante dos contratos de empréstimos em questão. Outrossim, em que pesem as alegações da parte ré de que uma vez firmado o contrato as partes são obrigadas ao seu fiel cumprimento, a revisão judicial do contrato em comento é juridicamente possível, calcada em preceitos constitucionais e nas regras de direito comum. Faz mister destacar o teor do Enunciado nº 08, do Colégio de Magistrados dos Juizados Especiais do Poder Judiciário da Bahia (com renumeração publicada no DJE em 09.09.2021: “Há possibilidade de revisão de juros cobrados da taxa média de mercado, divulgada pelo banco central (XIV ENCONTRO – 15 de dezembro de 2008 e XV ENCONTRO – 17 de agosto de 2009)”. Nessa esteira, a taxa média de mercado pode ser utilizada para fins de apuração da abusividade da taxa de juros remuneratórios cobrados do consumidor, na esteira da jurisprudência do STJ: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. PREJUDICADO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Ação de revisão de contrato de empréstimo consignado. 2. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 3. A incidência das Súmulas 5 e 7 do STJ prejudica a análise do dissídio jurisprudencial pretendido. Precedentes desta Corte. 4. Os juros remuneratórios incidem à taxa média de mercado em operações da espécie, apurados pelo Banco Central do Brasil, quando verificada pelo Tribunal de origem a abusividade do percentual contratado. Precedente Repetitivo da 2ª Seção. 5. Para que se reconheça abusividade no percentual de juros, não basta o fato de a taxa contratada suplantar a média de mercado, devendo-se observar uma tolerância a partir daquele patamar, de modo que a vantagem exagerada, justificadora da limitação judicial, deve ficar cabalmente demonstrada em cada caso, à luz do caso concreto. Precedentes. 6. Agravo interno no agravo em recurso especial não provido. ( AgInt no AREsp n. 2.186.885/RS , relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 5/12/2022, DJe de 7/12/2022.)”. (destaques apostos). O princípio do pacta sunt servanda, sedimentado no “liberalismo clássico”, encontra-se mitigado, pois, por disposição expressa em lei, os contratos devem ser interpretados à luz de sua “função social” (art. 421 , do CC ). Nesse particular, não há dúvida de que também as instituições financeiras estão submetidas às normas do Código de Defesa do Consumidor , consoante o verbete da Súmula 297 /STJ, caindo por terra às alegações que alicerçam a contestação. Deste modo, o art. 6º , inciso I, da Lei 8.072 /90 – Código de Defesa do Consumidor , prescreve que, dentre outros, é direito básico do consumidor, “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”. De igual forma o art. 39, inciso V, do diploma consumerista, vaticina que se traduz em prática abusiva “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”. Destarte, a intervenção estatal, pela via judicial, é essencial para restabelecer o equilíbrio da base contratual até porque é princípio constitucional ( CF. art. 5º, XXXV) que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou a ameaça a direito”, incidindo tal intervenção para que o contrato possa alcançar um fim social, vedada, pois a predominância de uma parte sobre a outra, afastando-se de vez o contrato como instrumento de tortura financeira para o hipossuficiente. O sistema do CDC é absolutamente incompatível com a cobrança de taxas de juros exorbitantes, que afrontam, de modo direto, tanto a função social do contrato, que evidentemente, repita-se, não é servir de instrumento de enriquecimento sem causa para os detentores do capital, em detrimento da exploração dos mutuários, assim como a noção de boa-fé contratual, e, mais ainda, o intuito de equilíbrio nas relações, princípio da equivalência material. Nessa senda, cumpre às instituições financeiras manter o equilíbrio contratual, evitando-se, pois, a abusividade na fixação dos juros remuneratórios, devendo adequá-los à média de mercado. Neste sentido é a jurisprudência desta Turma recursal: RECURSO INOMINADO. REVISIONAL DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. CONTRATO DE ADESÃO. ALEGAÇÃO DE APLICAÇÃO DE TAXAS DE JUROS ABUSIVAS. AUTOR TROUXE PROVA DO FATO CONSTITUTIVO DO ALEGADO DIREITO. JUROS QUE DESTOAM DA MÉDIA DE MERCADO SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE DETERMINANDO A REVISÃO DOS CONTRATOS E APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO PARA O PERÍODO DA CONTRATAÇÃO. RECURSO APENAS DA PARTE AUTORA REQUERENDO A DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS A MAIOR DE FORMA DOBRADA. COBRANÇA EFETIVADA CONFORME CONTRATO VIGENTE ENTRE AS PARTES. NÃO CABIMENTO DE DEVOLUÇÃO EM DOBRO. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS A MAIOR DEVE SER DE FORMA SIMPLES. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (Classe: Recurso Inominado, Número do Processo: XXXXX-57.2020.8.05.0001 ,Relator (a): SANDRA SOUSA DO NASCIMENTO MORENO, Publicado em: 05/08/2022)”. JUIZADO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO INOMINADO. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XI E XII, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 , III , IV e V , DO CPC ). BANCO. REVISIONAL DE JUROS. MODALIDADE CRÉDITO PESSOAL NÃO CONSIGNADO. TAXA APLICADA SUPERIOR À MÉDIA DE MERCADO PARA O PERÍODO COM AS OPERAÇÕES DA MESMA ESPÉCIE. RECÁLCULO DO CONTRATO. DANOS MORAIS INEXISTENTES. SENTENÇA MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO DA PARTE ACIONADA CONHECIDO E IMPROVIDO. (Classe: Recurso Inominado,Número do Processo: XXXXX-41.2021.8.05.0001 ,Relator (a): NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS,Publicado em: 01/03/2023 )”. Portanto, correta a sentença ao determinar a imperiosa a redução da taxa de juros, a fim de se aplicar o quanto estipulado pelo BACEN (afastando-se as taxas requeridas pelo autor na inicial). Em relação aos danos morais, entendo não configurados, posto que não houve negativação do nome da parte autora ou cobrança vexatória. A mera cobrança indevida não é suficiente para caracterizar dano moral indenizável, na esteira da jurisprudência desta Turma. Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, o dano moral é o que resulta da dor intensa, da frustração causada, angústia, constrangimento e humilhação na qual a pessoa é submetida por ato ilícito praticado por outrem, trata-se de lesão a interesse moral de alguém, o que não se vislumbra nos presentes autos. Assim, a análise da presente demanda não passa de cobrança indevida, a qual dissociada de evento constrangedor não caracteriza dano moral. No mesmo sentido a jurisprudência desta Turma: RECURSOS INOMINADOS SIMULTANEOS. TELEFONIA PÓS-PAGA. RELAÇÃO DE CONSUMO. SERVIÇO NÃO CONTRATADO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. COBRANÇA INDEVIDA. REPETIÇÃO DO INDEBITO. INOCORRENCIA DE DANOS MORAIS. SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE. MANUTENÇAO DA SENTENÇA POR SEUS PROPRIOS FUNDAMENTOS. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO. [...] Nesse sentido, a parte autora demonstrou superveniência na alteração dos valores, vale dizer, trouxe faturas anteriores de modo a possibilitar o cotejo entre o antes e o depois. Assim sendo, a situação dos autos enseja a repetição do indébito, haja vista ter tido cobranças indevidas. No caso sub judice, restou comprovado os alegados danos, houve provas de que o valor contrato teria sido alterado pelos serviços impugnados. De outro modo, a parte ré não trouxe fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, não se desincumbindo do seu ônus probatório, conforme dispõe o art. 373 , II do CPC . Em relação aos danos morais, esses não restaram configurados, haja vista que a mera cobrança indevida não viola os direitos da personalidade. A sentença fustigada é incensurável e, portanto, merece confirmação pelos seus próprios fundamentos. [...] (Classe: Recurso Inominado,Número do Processo: XXXXX-98.2020.8.05.0141 ,Relator (a): SANDRA SOUSA DO NASCIMENTO MORENO, Publicado em: 22/02/2022)”. (destaques aditados). RECURSO INOMINADO. JUIZADOS ESPECIAIS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDOS. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XII, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC ). DIREITO DO CONSUMIDOR. BANCO. ALEGAÇÃO DE COBRANÇA INDEVIDA. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS, INCLUSIVE QUANTO AOS DANOS MORAIS. PARTE RÉ QUE NÃO PROVOU A LEGITIMIDADE DA COBRANÇA. MERAS COBRANÇAS INDEVIDAS QUE, POR SI SÓ, NÃO GERAM DANOS MORAIS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (Classe: Recurso Inominado,Número do Processo: XXXXX-34.2021.8.05.0001 ,Relator (a): ANA CONCEICAO BARBUDA SANCHES GUIMARAES FERREIRA,Publicado em: 19/12/2022 )”. (destaques apostos). No que tange ao pleito indenizatório devido ao bloqueio do cartão, entendo que este não merece prosperar, vez que a parte autora não apresenta qualquer prova do evento alegado. (art. 373 , I CPC ) Ante o exposto, decido no sentido de CONHECER O RECURSO E, NO MÉRITO, NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo a sentença revisanda. Custas e honorários, estes em 20% do valor da condenação a cargo do recorrente vencido. Contudo, em virtude do deferimento da assistência judiciária gratuita, tal pagamento fica suspenso nos termos do art. 98 , § 3º , do CPC 2015 . Salvador, data registrada no sistema. CLÁUDIA VALÉRIA PANETTA Juíza Relatora