DENUNCIANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DENUNCIADO: VALTER MIOTTO FERREIRA D E C I S Ã O Vistos etc.O Núcleo de Ações de Competência Originária da Procuradoria Geral de Justiça de Mato Grosso, na pessoa do Dr. Domingos Sávio de Barros Arruda, formulou às fls. 292/294-TJ pedido de declaração de incompetência deste e. Sodalício para a processamento dos presentes autos de Ação Penal n. XXXXX/2017, que visa a apuração de crime de ameaça (art. 147 do CP ), praticado, em tese, por VALTER MIOTTO FERREIRA (Prefeito de Matupá/MT) contra a vítima Elywd Pereira da Silva.De acordo com a denúncia, regularmente recebida pelo órgão colegiado em 05/4/2018, a vítima, vereador de oposição Elywd Pereira da Silva, após discutir com o Alcaide, ora denunciado, no dia 20/02/2016, às 10h30min, no estacionamento do mercado Atacado Machado, situado na cidade de Matupá, ouviu deste último ameaça de morte, dizendo que iria matar a vítima, que mandaria matá-la.Assustada com a ameaça, principalmente por não saber o que o Alcaide carregava no interior de seu veículo, a vítima "teve que empreender fuga com medo do suspeito fazer alguma coisa contra a sua vida" (sic fl. 13), tendo em vista que não é a primeira que recebe ameaça do Prefeito, "por fazer oposição a Gestão do Prefeito onde não tem nada contra a pessoa do Prefeito, e sim a sua má Gestão na Prefeitura do município de Matupá" (sic idem), sendo seguida pelo prefeito por mais de dois quilômetros do local do entrevero.A Ação Penal se encontra com a instrução processual parcialmente concluída, remanescendo a oitiva da tstemunha .É o relatório. Decido.De acordo com o artigo 29 , X , da CF , os prefeitos devem ser julgados no Tribunal de Justiça, "foro por prerrogativa de função", leitura que também se extrai do art. 205 da Constituição do Estado de Mato Grosso, cabendo à Turma de Câmaras Criminais Reunidas o processo e julgamento das ações penais, a teor do que estabelece o art. 240 do RITJMT.Na regra do art. 87 do CPP , verbis:"Art. 87. Competirá, originariamente, aos Tribunais de Apelação o julgamento dos governadores ou interventores nos Estados ou Territórios, e prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de Polícia, juízes de instância inferior e órgãos do Ministério Público." Leciona Renato Brasileiro de Lima que a jurisdição especial "é estabelecida não em virtude da pessoa que exerce determinada função, mas sim como instrumento que visa resguardar a função exercida pelo agente. Daí o motivo pelo qual preferimos utilizar a expressão ratione funcionae em detrimento de ratione personae" (in Código de Processo Penal Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 305). Derivada a competência, pois, da função ou cargo, não tem sentido manter o processamento da ação relativa a fatos que não se relacionam ao cargo exercido.Nessa linha de intelecção, o Pretório Excelso, no julgamento da AP 937 -QO/RJ, de relatoria do eminente Min. Luís Roberto Barroso, definiu que as disposições que conferem ao detentor de foro por prerrogativa de função a jurisdição especial estão adstritas aos crimes por ele eventualmente cometidos estejam relacionados ao tempo e exercício do cargo. Além disso, concluiu-se que o deslocamento da competência para o órgão jurisdicional fracionário de menor envergadura somente poderá ocorrer até o encerramento da instrução processual, após o que, não se admitirá doravante a arguição de incompetência, quer porque o agente público deixe o cargo, ou ocupe outro cargo que estabeleça o foro por prerrogativa de função, por qualquer que seja o motivo (regra da perpetuatio jurisdictionis), preservando, assim, a racionalidade e efetividade da prestação jurisdicional.A ementa ficou assim redigida:"DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. QUESTÃO DE ORDEM EM AÇÃO PENAL. LIMITAÇÃO DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO AOS CRIMES PRATICADOS NO CARGO E EM RAZÃO DELE. ESTABELECIMENTO DE MARCO TEMPORAL DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA. I. Quanto ao sentido e alcance do foro por prerrogativa 1. O foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, na interpretação até aqui adotada pelo Supremo Tribunal Federal, alcança todos os crimes de que são acusados os agentes públicos previstos no art. 102 , I , b e c da Constituição , inclusive os praticados antes da investidura no cargo e os que não guardam qualquer relação com o seu exercício. 2. Impõe-se, todavia, a alteração desta linha de entendimento, para restringir o foro privilegiado aos crimes praticados no cargo e em razão do cargo. É que a prática atual não realiza adequadamente princípios constitucionais estruturantes, como igualdade e república, por impedir, em grande número de casos, a responsabilização de agentes públicos por crimes de naturezas diversas. Além disso, a falta de efetividade mínima do sistema penal, nesses casos, frustra valores constitucionais importantes, como a probidade e a moralidade administrativa. 3. Para assegurar que a prerrogativa de foro sirva ao seu papel constitucional de garantir o livre exercício das funções – e não ao fim ilegítimo de assegurar impunidade – é indispensável que haja relação de causalidade entre o crime imputado e o exercício do cargo. A experiência e as estatísticas revelam a manifesta disfuncionalidade do sistema, causando indignação à sociedade e trazendo desprestígio para o Supremo. 4. A orientação aqui preconizada encontra-se em harmonia com diversos precedentes do STF. De fato, o Tribunal adotou idêntica lógica ao condicionar a imunidade parlamentar material – i.e., a que os protege por 2 suas opiniões, palavras e votos – à exigência de que a manifestação tivesse relação com o exercício do mandato. Ademais, em inúmeros casos, o STF realizou interpretação restritiva de suas competências constitucionais, para adequá-las às suas finalidades. Precedentes. II. Quanto ao momento da fixação definitiva da competência do STF5. A partir do final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais – do STF ou de qualquer outro órgão – não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. A jurisprudência desta Corte admite a possibilidade de prorrogação de competências constitucionais quando necessária para preservar a efetividade e a racionalidade da prestação jurisdicional. Precedentes.III. Conclusão6. Resolução da questão de ordem com a fixação das seguintes teses: '(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo'.7. Aplicação da nova linha interpretativa aos processos em curso. Ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e demais juízos com base na jurisprudência anterior.8. Como resultado, determinação de baixa da ação penal ao Juízo da 256ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro, em razão de o réu ter renunciado ao cargo de Deputado Federal e tendo em vista que a instrução processual já havia sido finalizada perante a 1ª instância." (STF, AP 937 -QO/RJ, Plenário, Min. Luís Roberto Barroso, j. 03/5/2018, DJe 11/12/2018 - ATA Nº 190/2018. DJE nº 265, divulgado em 10/12/2018).Nesse mesmo sentido, posicionou-se esta e. Corte de Justiça, a saber:"DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL - RECEBIMENTO DE DENÚNCIA - DEPUTADO ESTADUAL - IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DE CRIME CAPITULADO NO ARTIGO 54 , § 2º , V , DA LEI Nº 9.605 , DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998 - SÓCIO MAJORITÁRIO DE PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO - FATO OCORRIDO ANTES DA DIPLOMAÇÃO - FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO - INEXISTÊNCIA - DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL - REMESSA DOS ATOS AO JUÍZO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA - IMPRESCINDIBILIDADE.Como o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas, pressupostos ausentes no caso, manifesta é a incompetência.Declarada a incompetência do Tribunal de Justiça, com remessa dos autos ao Juízo de Primeira Instância" (TJMT, AP 74645/2017, TP, Redator Designado Des. Luiz Carlos da Costa, votação por maioria, j. 08/3/2018).Com efeito, inferindo-se que o acusado Valter Miotto Ferreira não está sendo acusado de crime cometido em razão do cargo de Prefeito Municipal, impõe-se declarar a presente declinatoria fori.Ante o exposto, com o parecer e atendendo às disposições do art. 51 , XV, do RITJMT, declino da competência para o processo e julgamento da presente Ação penal XXXXX/2017, determinando que, com o trânsito em julgado sejam realizadas as devidas anotações, comunicações e baixas, remetendo os autos ao Juízo de Primeiro Grau da comarca de Matupá/MT, com as minhas homenagens.Publique-se. Intimem-se.Cumpra-se.Cuiabá, 30 de abril de 2019.DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA Relator (APN XXXXX/2017, DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA, TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, Julgado em 30/04/2019, Publicado no DJE 03/05/2019)