PODER JUDICIÁRIO 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO COMARCA DE ORIGEM: BELÉM APELAÇÃO CÍVEL Nº XXXXX-33.2013.8.14.0401 APELANTE: SAMEA ALBUQUERQUE DA COSTA SARE ADVOGADO: SAMEA ALBUQUERQUE DA COSTA SARE - OAB Nº 12810-A/PA APELADO: THUFI ALBUQUERQUE COSTA SARE ADVOGADO: IANA ALBUQUERQUE COSTA SARE - OAB Nº 18.047-A/PA PROCURADORA DE JUSTIÇA: MARCOS ANTONIO FERREIRA DA NEVES RELATORA: DESA. EDINÉA OLIVEIRA TAVARES EMENTA: CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. LEI MARIA DA PENHA . REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS. DESAVENÇA ENTRE IRMÃOS. NÃO INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA . AUSÊNCIA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM RAZÃO DO GÊNERO. REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS E EXTINÇÃO DO FEITO CORRETA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I - Da atenta leitura do relatório, nada se extrai que possa conduzir-nos à conclusão que a violência sofrida pela vítima, ora apelante, haja sido motivada pelo gênero. O simples fato de haver sido praticada em ambiente doméstico, envolvendo pessoas que coabitam (irmãos) e sendo a vítima mulher, não induz à incidência da Lei Maria da Penha . Consabido que para restar caracterizada a violência de gênero, é necessário que se verifique que a agressão foi perpetrada com menoscabo da condição feminina, ou seja, que a conduta lesiva contra a mulher seja associada ao gênero feminino, o que não restou demonstrado na hipótese dos autos. II - Em síntese, a incidência da Lei nº 11.340 /06 reclama a constatação da presença concomitante da violência de qualquer natureza praticada contra mulher em situação de vulnerabilidade, por motivação de gênero e praticada por parceiro ou parceira em relação íntima de afeto, fator que, por razões culturais, não eram objeto de tutela penal, sendo certo que, no caso concreto, o delito supostamente praticado pelo apelado não guarda qualquer motivação de gênero apta a atrair a incidência da Lei nº 11.340 /06. III - Logo se não há violência doméstica, eventuais desavenças existentes entre as partes, que são irmãos germanos, envolvendo a discussão sobre a herança deixada pelos genitores das partes deverão ser discutidas em uma Vara de Família, máximo porque o Direito penal é medida de ultima ratio. IV - Ademais, consoante boletins de ocorrência anexos, observa-se que a recorrente possui divergências não apenas com o apelado, mas também com outros membros da família, motivo pelo qual inarredável a conclusão de que a questão ora tratada envolve nítido e verdadeiro conflito familiar, e não de superioridade do gênero masculino sobre o feminino. V - Recurso conhecido e desprovido. DECISÃO MONOCRÁTICA A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA EDINÉA OLIVEIRA TAVARES (RELATORA): Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por SAMEA ALBUQUERQUE DA COSTA SARE, inconformada com a sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, que revogou as medidas protetivas anteriormente concedidas, e, extinguiu o processo sem análise meritória, com fulcro no artigo 267 , inciso IV do CPC-73 , em razão da ausência de pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo (causa da violência doméstica seja baseada no gênero), nos autos de pedido de Medida Protetivas formulado pela ora recorrente em desfavor de THUFI ALBUQUERQUE COSTA SARE, ora recorrido. Inconformada, a requerente interpôs Recurso em Sentido Estrito às fls. 81/92, alegando em síntese que desde o falecimento dos genitores das partes existe animo e prática de violência/psíquica do recorrido contra a apelante, o que pode ser confirmado pelos boletins de ocorrência colacionados. Sustenta que não trata apenas de problemas de herança, mas sim no desrespeito a autodeterminação da mulher, pois vem sendo perseguida pelo apelado, que apesar de manter laços de sangue, não respeita sua condição e somente objetiva vingança, prejudicando a ora insurgente inclusive em sua vida profissional, pois seu escritório de advocacia fica instalado na residência familiar. Finaliza afirmando que vive sob constante ameaça, e que os prejuízos morais e materiais sofridos repercutem diariamente em sua vida, razão pela qual entende que devem ser mantidas as medidas protetivas deferidas, pois restou sobejamente demonstrada a violência de gênero. À fl. 132, o Magistrado ¿a quo¿, recebeu o recurso interposto como Apelação, por se tratar de matéria cível, em homenagem ao princípio da fungibilidade. Devidamente intimado, o apelado apresentou contrarrazões às fls. 133/141, pugnando pela manutenção do decisum de 1 ª instancia. Instada a se manifestar a Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo. É o sucinto relatório. D E C I D O. A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA EDINÉA OLIVEIRA TAVARES (RELATORA): Em atenção ao princípio do tempus regit actum e orientação firmada no Enunciado Administrativo nº 2º do STJ, a análise do presente recurso dar-se-á com embasamento do Código Processualista de 1973, a vista de que a decisão guerreada foi publicada para efeito de intimação das partes ainda na vigência do referido Codex. Satisfeitos os pressupostos processuais viabilizadores de admissibilidade recursal, conheço do presente Recurso. Passo a apreciá-lo, procedendo ao julgamento na forma monocrática por se tratar de matéria cristalizada no âmbito da jurisprudência pátria e, deste E. Tribunal. O cerne da controvérsia recursal cinge-se em verificar o acerto da sentença de 1ª grau, que revogou as medidas protetivas de afastamento compulsório do lar - proibição de aproximação da vítima a uma distância mínima de 100 metros, de manter contato com a vítima ou frequentar seu local de trabalho - deferidas em favor da ora recorrente, a serem cumpridas pelo seu irmão, ora recorrido, e, por fim, extinguiu o processo sem exame do mérito, por ausência de pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo (causa da violência doméstica seja baseada no gênero. Pois bem. Da atenta leitura do relatório, nada se extrai que possa conduzir à conclusão que a violência sofrida pela vítima, ora apelante, haja sido motivada pelo gênero. O simples fato de haver sido praticada em ambiente doméstico, envolvendo pessoas que coabitam (irmãos) e sendo a vítima mulher, não induz à incidência da Lei Maria da Penha . Consabido que para restar caracterizada a violência de gênero, é necessário que se verifique que a agressão foi perpetrada com menoscabo da condição feminina, ou seja, que a conduta lesiva contra a mulher seja associada ao gênero feminino, o que não restou demonstrado na hipótese dos autos. A propósito, sobre a violência de gênero, Flavia Piosevan 1 leciona que: ¿(...) a violência contra a mulher constitui ofensa à dignidade humana, sendo manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens. (...) Vale dizer, a violência baseada no gênero ocorre quando um ato é dirigido contra a mulher porque é mulher, ou quando os atos afetam as mulheres de forma desproporcional¿. PIOSEVAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 229. Em síntese, a incidência da Lei nº 11.340 /06 reclama a constatação da presença concomitante da violência de qualquer natureza praticada contra mulher em situação de vulnerabilidade, por motivação de gênero e praticada por parceiro ou parceira em relação íntima de afeto, fator que, por razões culturais, não eram objeto de tutela penal, sendo certo que, no caso concreto, o delito supostamente praticado pelo apelado não guarda qualquer motivação de gênero apta a atrair a incidência da Lei nº 11.340 /06. Logo se não há violência doméstica, eventuais desavenças existentes entre as partes, que são irmãos germanos, envolvendo a discussão sobre a herança deixada pelos genitores das partes deverão ser discutidas em uma Vara de Família, máximo porque o Direito penal é medida de ultima ratio. Ademais, consoante boletins de ocorrência anexos, observa-se que a recorrente possui divergências não apenas com o apelado, mas também com outros membros da família, motivo pelo qual inarredável a conclusão de que a questão ora tratada envolve nítido e verdadeiro conflito familiar, e não de superioridade do gênero masculino sobre o feminino. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. COMPETÊNCIA. RELAÇÃO FAMILIAR. APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA . CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO NO SENTIDO DA AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA MOTIVAÇÃO DE GÊNERO NA PRÁTICA DO DELITO. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICOPROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 /STJ. 1. A jurisprudência da Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que, para a aplicação da Lei 11.340 /2006, não é suficiente que a violência seja praticada contra a mulher e numa relação familiar, doméstica ou de afetividade, mas também há necessidade de demonstração da sua situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência, numa perspectiva de gênero. 2. A análise das peculiaridades do caso concreto, de modo a se reformar o acórdão que concluiu pela não incidência da Lei Maria da Penha , demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que é inviável nesta instância extraordinária. Incidência da Súmula 7 /STJ. 3. Agravo regimental improvido. ( AgRg no REsp XXXXX/RJ , Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 24/03/2015) EMENTA: CONFLITO DE COMPETÊNCIA -VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - PAI QUE DESFERE TAPAS NO ROSTO DA FILHA - CONTRAVENÇÃO PENAL PRATICADA QUE NÃO DECORREU DO GÊNERO (MULHER) DA VÍTIMA, MAS SIM POR DESAVENÇA FAMILIAR, NÃO CARACTERIZANDO, PORTANTO, A DENOMINADA"VIOLÊNCIA DE GÊNERO"-ENTENDIMENTO DIVERSO QUE CONFIGURARSE-IA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE ENTRE OS SEXOS PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS -CONFLITO QUE SE JULGA IMPROCEDENTE PARA FIXAR A COMPETÊNCIA DA 19ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL/RJ. ( XXXXX-18.2014.8.19.0000 - CONFLITO DE JURISDICAO - DES. ANTONIO JOSE FERREIRA CARVALHO - Julgamento: 11/11/2014 - SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL) CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. Artigo 129 , § 9º , do Código Penal . Lesão corporal perpetrada pelo pai da vítima. 1. A teor do disposto no artigo 5º , caput, da Lei n.º 11.340 /06, configura violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer ação ou omissão, baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Em decorrência desse preceito legal, não basta que a conduta típica seja perpetrada contra pessoa do sexo feminino, para configurar violência doméstica no âmbito da referida Lei, sendo primordial que tenha sido ela praticada contra a mulher, baseada no gênero. 2. In casu, o ora denunciado é pai da ofendida, os quais estão ligados por laços de afinidade, integrando a mesma estrutura familiar, o que não obstante, não se amolda o delito em tese, perpetrado pelo primeiro contra a segunda, no citado artigo 5º, à falta de indícios de violência cometida contra mulher, enquanto gênero, porquanto as agressões não foram motivadas por este, em razão da condição feminina da filha do réu, mas sim, pela pretensão de suposta correção disciplinar. Assim, a competência para processar e julgar a ação, nesse contexto, é do Juízo criminal comum. CONFLITO PROCEDENTE. ( XXXXX-56.2014.8.19.0000 -CONFLITO DE JURISDICÃO - DES. KATIA JANGUTTA - Julgamento: 10/07/2014 - SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL) DISPOSITIVO ISTO POSTO, NA ESTEIRA DO PARECER MINISTERIAL, CONHEÇO E DESPROVEJO O APELO, PARA MANTER A SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO. P.R.I.C. Serve esta decisão como Mandado/Intimação/Ofício, para os fins de direito. Após o trânsito em julgado promova-se a respectiva baixa nos registros de pendência referente a esta Relatora e remetam-se os autos ao Juízo de origem. Em tudo certifique. À Secretaria para as devidas providências. Belém, (PA), 28 de janeiro de 2019. Desa. EDINÉA OLIVEIRA TAVARES Desembargadora Relatora Assinatura eletrônica