D E C I S à O M O N O C R Á T I C A PROCESSO Nº: XXXXX-49 ORIGEM: JUIZADO ESPECIAL DE FAZENDA PÚBLICA PARAÚNA-GO RECORRENTE: PAULO QUINTINO DA SILVA RECORRIDOS: ESTADO DE GOIÁS GOIÁS PREVIDÊNCIA - GOIASPREVSENTENÇA: Juíza WANDERLINA LIMA DE MORAIS TASSI RELATOR: Juiz ÉLCIO VICENTE DA SILVAEMENTA: JUIZADO ESPECIAL DE FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C RESTITUIÇÃO DE VALOR PAGO. SERVIDOR PÚBLICO INATIVO. COBRANÇA INDEVIDA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS. ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO. REGIME JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103 /2019 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL . EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 65/2019 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. REVOGAÇÃO DO §º 21, DO ARTIGO 40 , DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL . DIREITO ADQUIRIDO NÃO CONFIGURADO. ALÍQUOTA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DESCUMPRIDO. PERÍODO DA COBRANÇA INDEVIDA. MARÇO DE 2020 A MAIO DE 2021. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA PARCIALMENTE REFORMADA. Trata-se de Recurso Inominado interposto pela parte autora em face de sentença que julgou parcialmente procedente sua pretensão aduzida na peça de ingresso, no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da cobrança de contribuição previdenciária sobre seus proventos de aposentadoria, na condição de servidor público inativo, até a data de entrada em vigor da Lei Estadual Complementar nº 161/2020, 31/03/2021, bem como o condenou a restituir os valores deduzidos de seus proventos de aposentadoria, a título de contribuição previdenciária, no período compreendido entre março a dezembro de 2020. Pugna o recorrente pelo conhecimento e provimento de seu recurso para reformar a sentença de primeiro grau tão somente no que tange ao período que lhe é devido a título de restituição.Consoante disposição do artigo 53, XXXI do Regimento Interno das Turmas Recursais do Sistema de Juizados Especiais do Estado de Goiás, compete ao Relator ?negar provimento a recurso que for contrário à súmula ou jurisprudência dominante da Turma de Uniformização de Interpretação, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal?.Conforme preconiza o Enunciado nº 102 do FONAJE, ?o relator, nas Turmas Recursais Cíveis, em decisão monocrática, poderá negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em desacordo com Súmula ou jurisprudência dominante das Turmas Recursais ou da Turma de Uniformização ou ainda de Tribunal Superior, cabendo recurso interno para a Turma Recursal (?)?.Já o Enunciado nº 103 também do FONAJE regra que ?o relator, nas Turmas Recursais Cíveis, em decisão monocrática, poderá dar provimento a recurso se a decisão estiver em manifesto confronto com Súmula do Tribunal Superior ou Jurisprudência dominante do próprio juizado (?)?.E, ainda, nos termos da Súmula nº 568 do Superior Tribunal de Justiça ? STJ, ?o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema?.Nessa senda, uma vez que a matéria trazida a julgamento já encontra sólida jurisprudência no âmbito dos Tribunais Superiores, desta Turma Julgadora e outras Turmas Recursais do Estado de Goiás, em prestígio ao Direito fundamental à duração razoável do processo, conforme inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal , passa-se ao julgamento monocrático do presente recurso inominado ora interposto.O propósito recursal cinge-se em definir tão somente qual é o período devido ao servidor público inativo a título de contribuição previdenciária deduzida de seus proventos de aposentadoria de forma indevida pelo Ente Público.Na hipótese dos autos, busca a parte autora se ver restituída valor descontado de seus proventos de aposentadoria relativamente à contribuição previdenciária dos meses de março de 2020 a abril de 2021, sob o argumento principal de inexistência de previsão legal que autorizasse tais descontos. Ou seja, fundamenta a cobrança indevida na imunidade constitucional excluída por reforma previdenciária.No caso concreto, não configura ofensa à separação dos Poderes a análise realizada pelo Poder Judiciário sobre norma (no caso, regime jurídico previdenciário) estabelecida pelo Poder Legislativo de aplicabilidade relacionada ao Poder Executivo. Ao contrário, o controle jurisdicional das regras de atividade administrativa é uma forma de compatibilizar os poderes constituídos a fim de efetivar a vontade do povo (art. 1º , Parágrafo único , CF) e fazer prevalecer as cláusulas pétreas relacionadas à forma federativa de Estado e à separação dos poderes (art. 60 , § 4º , I e III , CF ).A propósito, explica Marcelo Novelino: ?Atualmente há uma tendência de considerar que a teoria da separação dos poderes engendrou um mito, consistente na atribuição a Montesquieu de um modelo teórico reconduzível à teoria dos três poderes rigorosamente separados, no qual cada poder recobriria uma função própria sem qualquer interferência dos outros. (...) A independência entre os poderes tem por finalidade estabelecer um sistema de ?freios e contrapesos? para evitar o abuso e o arbítrio por qualquer dos Poderes. A harmonia, por sua vez, exterioriza-se no respeito às prerrogativas e faculdades atribuídas a cada um deles? (Novelino, Marcelo; Curso de Direito Constitucional, 12ª edição, Salvador: Juspodivm, 2017, página 259).A reforma imposta pela Emenda Constitucional nº 103 /2019 revogou o benefício da imunidade da contribuição previdenciária, previsto no artigo 40 , § 21 , da Constituição Federal . A medida foi referendada no âmbito do Estado, conforme extrai-se da Emenda Constitucional nº 65/2019, que revogou expressamente o § 21, do artigo 40, da Constituição do Estado de Goias, a qual previa que ?A contribuição prevista no § 18 deste artigo incidirá apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que superem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição da Republica , quando o beneficiário, na forma da lei, for portador de doença incapacitante?. Por sua vez, o § 18, ainda vigente, dispõe: ?Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadoria e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição da Republica , com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos?.Destas alterações Constitucionais não subsistiu eventual direito adquirido ao regime jurídico previdenciário da parte autora recorrida, conforme já consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça. Precedente em Agravo Interno no Recurso Especial nº1.755.473, de relatoria do Ministro Francisco Falcão, DJe 14/02/2019. No mesmo sentido, nosso Tribunal de Justiça: EMENTA: ?DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. MILITAR INATIVO. DESCONTO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SEGURANÇA CONCEDIDA NA ORIGEM. REVOGAÇÃO DO ART. 97, § 21, da CE. SENTENÇA REFORMADA. (...) Considerando que, com o referendo, pelo Estado de Goiás, da EC nº. 103/2019, o art. 97, § 21, da CE restou revogado, não é possível conceder a segurança para deferir a imunidade tributária parcial da base de cálculo de incidência da contribuição previdenciária devida pelo Impetrante, conforme procedeu o magistrado singular, uma vez que tal possibilidade não encontra mais guarida em nosso arcabouço jurídico. Logo, a sentença ser reformada exclusivamente neste ponto. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA? (TJGO, Processo nº91.2018.8.09.0051, 5ª Câmara Cível, Rel. GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO, DJ 18/09/2020).A parte autora sustenta que não há norma relacionada à fixação do percentual da alíquota dos proventos de aposentadoria. Portanto, a seu ver, enquanto não legalmente fixada a alíquota não há falar em incidência do tributo. Noutro ponto, a autarquia recorrente aponta a legalidade da aplicação da alíquota de 14,25% (catorze vírgula vinte e cinco por cento).A alíquota é o importe, percentual ou fixo, de incidência para o cálculo de um tributo, in casu, contribuição previdenciária. A Emenda à Constituição Federal nº 103/2019, em seu artigo 36, condicionou à sua própria vigência à publicação de lei de iniciativa privada do respectivo Poder Executivo, que deve incluir, dentre outros regramentos, o percentual de alíquota aplicável ao caso. Veja-se: ?Art. 36. Esta Emenda Constitucional entra em vigor: II - para os regimes próprios de previdência social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quanto à alteração promovida pelo art. 1º desta Emenda Constitucional no art. 149 da Constituição Federal e às revogações previstas na alínea ?a? do inciso I e nos incisos III e IV do art. 35, na data de publicação de lei de iniciativa privativa do respectivo Poder Executivo que as referende integralmente?.Nesse diapasão, no caso em deslinde, aplicou-se o preconizado pela Lei Estadual Complementar nº 77/2010, a qual dispõe a alíquota de 14,25% para a contribuição dos inativos, cujos proventos superem o teto do INSS. Note-se: ?Art. 23. A contribuição previdenciária será devida ao RPPS e ao RPPM pelos: II - segurados inativos e pensionistas, com alíquota de 14,25% (quatorze inteiros e vinte e cinco décimos por cento), incidente sobre a parcela dos proventos de inatividade ou pensões que supere, mensalmente, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal?(Redação dada pela Lei Complementar nº 126, de XXXXX-12-2016, art. 2º).Imperioso mencionar que referida regra foi revogada e substituída pela Lei Estadual Complementar nº 161/2020 (art. 18, II), mantendo, entretanto, similar teor.Inobstante tal fato, a verba da parte autora não extrapola o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social, ficando em um limbo, acima do salário-mínimo e abaixo do referido limite máximo. Por isso, imperiosa é a confecção da legislação pertinente para delinear o novo tributo, mormente com especificação das alíquotas respectivas.Ainda que se almeje restabelecer o equilíbrio notarial, não há de se falar em aplicação do novo tributo enquanto não viger a lei preconizada no art. 36 , da Emenda Constitucional nº 103 /2019 à Constituição Federal , ante ao princípio da legalidade estrita (art. 150 , I , CF ; arts. 97, IV, e 108, CTN) e à inaplicabilidade da analogia em questões tributárias que imponham tributos. A propósito, eis um julgado do Supremo Tribunal Federal a respeito: EMENTA: ?RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO. O SEU QUANTO DEVE SER CALCULADO MEDIANTE CORREÇÃO DO VALOR DA MOEDA. PRECEDENTES DO STF. 2. CÓD. TRIB. NAC. (LEI NÚMERO 5.172 -66). ART. 108, I. ANALOGIA. É ADMISSÍVEL NA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA, DESDE QUE NÃO SEJA PARA IMPOSIÇÃO DE TRIBUTO. 3. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO? (RE nº 80.744, de relatoria do Ministro Antônio Neder, DJ de 26/08/1977, PP 05762 EMENT. VOL-01067-01 PP-00319 RTJ VOL- 00083 -01 PP-00150).Não é demais enfatizar que o artigo 65 da Emenda Constitucional Estadual de 2019 acrescentou o § 4º-A ao artigo 101 da Constituição Federal , que condiciona a incidência da contribuição ordinária à existência de "déficit atuarial no RPPS", norma reiterada pela Lei Estadual nº 161/2020, com a seguinte redação: "§ 2º- Nos termos do § 4º-A do art. 101 da Constituição Estadual, enquanto houver deficit atuarial no âmbito do Regime Próprio de Previdência Social do Estado de Goiás, comprovado por meio de avaliações atuariais apresentadas ao órgão federal fiscalizador, a contribuição previdenciária paga pelos aposentados e pensionistas de que trata o inciso II do caput deste artigo, incidirá sobre o montante dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo nacional?. Mas, o legislador infraconstitucional olvidou de fixar o percentual da alíquota que deve incidir sobre os proventos dos aposentados e pensionistas.Quanto à declaração de inconstitucionalidade do § 2º, do artigo 18, da Lei Complementar Estadual nº 161/2020, tem-se que a mesma, como dito acima, dispõe sobre o Regime Próprio de Previdência Social do Estado de Goiás RPPS/GO e revogou as disposições trazidas pela Lei Complementar nº 77/2010, estabelecendo que a contribuição previdenciária mensal e compulsória será devida pelos aposentados e pensionistas, nos termos estabelecidos anteriormente pela norma revogada. Contudo, acrescentou que ?nos termos do § 4º-A do art. 101 da Constituição Estadual, enquanto houver deficit atuarial no âmbito do Regime Próprio de Previdência Social do Estado de Goiás, comprovado por meio de avaliações atuariais apresentadas ao órgão federal fiscalizador, a contribuição previdenciária paga pelos aposentados e pensionistas de que trata o inciso II do caput deste artigo, incidirá sobre o montante dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo nacional?. Ou seja, a mencionada disposição legal regulamentou, por norma específica, a alíquota a incidir sobre os proventos de aposentadoria que ultrapassem o valor do salário-mínimo, no montante de 14,25%, em respeito ao Princípio da Legalidade Estrita, o que não ocorria com a Lei Complementar nº 77/2010. Desse modo, não há que se falar em inconstitucionalidade, nesse particular.Assim, acertado o entendimento do sentenciante ao condenar o Ente Público a reembolsar o servidor inativo dos valores indevidamente deduzidos de seus proventos a título de contribuição previdenciária. Cabe somente definir o período desse reembolso. Nessa senda, considerando todo o esclarecimento acima, tem-se que a parte autora faz jus ao reembolso da contribuição previdenciária indevidamente deduzida de seus proventos do período compreendido entre março de 2020 a maio de 2021. Precedente desta Corte em Recursos Inominados nº 5248243-16 e nº 5335475.75, ambos de minha relatoria. Sentença que merece parcial reparo.Destarte, ante tais considerações, CONHEÇO DO RECURSO INOMINADO INTERPOSTO E O PROVEJO. Sentença parcialmente reformada apenas para definir que o período da restituição do valor deduzido indevidamente dos proventos de aposentadoria da parte autora recorrente deverá se dar entre março de 2020 e abril de 2021.Sem custas processuais e honorários advocatícios (artigo 55 , Lei nº 9.099 /95).Retire-se de pauta eventual sessão de julgamento agendada no feito.Transitada em julgado, restitua os presentes autos à origem, com as cautelas de praxe.Intimem-se.Goiânia, data e assinatura digitais.ÉLCIO VICENTE DA SILVAJuiz Relator1