ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Guarapari - Comarca da Capital - 1º Juizado Especial Cível Alameda João Vieira Simões, s/nº, Fórum Desembargador Gregório Magno , Muquiçaba, GUARAPARI - ES - CEP: 29214-110 Telefone:(27) 31617007 PROCESSO Nº XXXXX-52.2021.8.08.0021 PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) REQUERENTE: IVAN BARCELOS DA SILVA REQUERIDO: ADRIANA APARECIDA DE SOUZA Advogados do (a) REQUERENTE: PAULO SOARES DE AGUIAR JUNIOR - ES5035, JOSE MARIA MASCARENHAS - ES20930 Advogados do (a) REQUERIDO: LUCAS FRANCISCO NETO - ES22291, STELLA SCANTAMBURLO DE MERGAR - ES20411, AMANDA DOS SANTOS LEONARDO - ES35907 PROJETO DE SENTENÇA Vistos em inspeção RELATÓRIO Dispensado o relatório na forma do artigo 38 da Lei 9099 /95. Narra o requerente: “No dia 16/11/2019, por volta das 03 (três) horas da manhã, o então casal de namorados encontrava-se na residência do Requerente, quando aconteceu um desentendimento entre os mesmos e eles discutiram de maneira ríspida, e em consequência disso a Requerida tornou-se agressiva e iniciou um ataque físico contra o Requerido, cravando as unhas no pescoço do mesmo e ainda tentando estrangulá-lo, e em seguida em um ato súbito mordeu a sua orelha direita que teve um pedaço arrancado pela violência da ação.” Em razão de tais fatos pretende indenização por danos morais e materiais, consistente no valor para realização de cirurgia de reconstrução da orelha, no valor de R$ 15.000,00. A parte requerida em sua peça de defesa (ID XXXXX) argui preliminarmente ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, e complexidade da causa. No mérito, diz que a agressão ocorreu em legítima defesa, pois o autor a agrediu fisicamente, após tê-la mantido em cárcere privado. Diz que foi necessário solicitar medida protetiva em face do autor, tendo em vista as agressões e ameaças. Expõe a natureza agressiva do autor, que já foi condenado anteriormente pelo mesmo fato, em razão de agressões contra a mãe de seu filho. Formula pedido contraposto de indenização por danos morais. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO Verifico que os argumentos apresentados pela parte requerida na preliminar arguida se confundem com o mérito, merecendo, portanto, rejeição e devendo passar por melhor análise em momento oportuno. DA COMPLEXIDADE DA CAUSA Inicialmente, no que diz respeito à preliminar de incompetência por necessidade de perícia, tenho que não merece ser acolhida. Isso porque, conforme ficará demonstrado adiante, os documentos juntados aos autos são suficientes para o deslinde meritório, não havendo necessidade de produção de quaisquer outras provas. Assim, REJEITO a indigitada preliminar. MÉRITO A responsabilização civil impõe àquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, a obrigação de repará-lo ( CC , arts. 186 e 927 ). O direito à indenização está condicionado, portanto, à comprovação do ato ilícito, do dano e do respectivo nexo de causalidade. Pois bem, analisando a prova carreada aos autos, é possível concluir que o requerente e a requerida se desentenderam mutuamente e que possuem uma relação conturbada, permeada por troca de agressões verbais e físicas, durante todo o relacionamento havido entre as partes. No ID XXXXX (ata de audiência do processo criminal) verifico que o próprio Ministério Público entendeu que houve agressões recíprocas entre as partes: Dada a palavra ao Ministério Público, em alegações finais, este assim se manifestou: MMª Juíza, da análise de todo o conjunto probatório verificamos que os delitos apontados na denúncia não restaram elucidados. Explico. A própria peça vestibular narra que vítima e acusados tiveram desentendimento que culminou com uma luta corporal entre ambos, sendo que as partes saíram lesionadas, tanto que é assim que o acusado saiu com a orelha ferida como a vítima teve escoriações na parte da cabeça. Veja-se que a própria vítima Adriana apresentou algumas contradições em seus depoimentos em Juízo, trazendo dúvidas se de fato realmente as agressões teriam partido do acusado. De todo o conjunto probatório não é possível chegar a conclusão de quem realmente partiram as agressões. Quanto ao bilhete de caráter de ameaça de fls. 10, restou apresentado nos autos que a vítima teria encaminhado um bilhete para o réu primeiramente, sendo que o réu o devolveu para a vítima escrevendo no anverso. Logo, também há dúvidas se de fato ocorreu a ameaça apontada nestes autos. Por fim, a testemunha Márcia Cristina não é testemunha ocular dos fatos, da mesma forma que as testemunhas arroladas pela defesa, que nada esclareceram para que pudessem comprovar o contido na peça exordial. Ante o exposto, e havendo fundadas dúvidas se de fato teria ocorrido a ameaça, bem como as lesões corporais, eis que os autos caminham para a patente lesões recíprocas, requer o Ministério Público seja JULGADA IMPROCEDENTE a denúncia para o específico fim de se ABSOLVER o acusado de todas as imputações feitas. Assim, pelo que consta dos atos, as ofensas verbais e físicas foram recíprocas e equivalentes, impossibilitando atribuir a culpa pelo evento a uma ou outra pessoa. Nessa hipótese, não há elementos seguros para a pretendida responsabilização e indenização por danos morais de apenas uma das partes. Nesse sentido, a melhor jurisprudência pátria: RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS – Briga entre vizinhas com alegação de agressões físicas e verbais – Elementos acostados aos autos que não permitem identificar as razões do desentendimento, tampouco o responsável pelo início das agressões – Prova testemunhal frágil - Prejuízos materiais causados por terceiro à parte autora – Autora e ré (que apresentou pedido contraposto) que não se desincumbiram do ônus de demonstrar os fatos constitutivos do seu direito (art. 373 , I , NCPC )– Danos morais não verificados – Impossibilidade de delimitação da exata atuação das partes nas desavenças narradas nos autos ou da constatação de eventuais excessos – A reciprocidade dos ataques e xingamentos, diante de um contexto de brigas por problemas de vizinhança, retira da autora Florisdete e da ré Risoneide o direito de serem indenizadas - Sentença de improcedência mantida - Recurso desprovido"(TJSP; Recurso Inominado XXXXX-80.2016.8.26.0299 ; Relator ( a):Fabio Martins Marsiglio ; Órgão Julgador: 3ª Turma Cível; Foro de Itapeva - 2ª Vara Cível; Datado Julgamento: 12/05/2017; Data de Registro: 17/05/2017). RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. OFENSAS VERBAIS MÚTUAS. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAR APENAS UMA DAS PARTES PELO DESENTENDIMENTO. INDENIZAÇÃO QUE SÓ FOMENTARIA A ANIMOSIDADE ENTRE ELAS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DA AUTORA E CONTRAPEDIDO DO RÉU MANTIDA. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO DESPROVIDO. TJRS - Recurso Inominado XXXXX - 3.ª Turma Recursal Cível - j. 30/3/2017 - julgado por Régis de Oliveira Montenegro Barbosa ). RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS - Pretensão de reparação decorrente de danos causados por agressões verbais e físicas - Sentença de improcedência - Inconformismo da autora - Descabimento - Fatos que indicam a existência de culpa concorrente das partes, tendo em vista os relatos de agressões recíprocas - Animosidade que permeia o relacionamento das partes - Afastada responsabilidade civil de indenização por danos morais - Exegese do artigo 373 , I , CPC - Improcedência mantida - RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP - AC: XXXXX20178260417 SP XXXXX-20.2017.8.26.0417 , Relator: Ana Maria Baldy , Data de Julgamento: 17/07/2020, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/07/2020) Como é cediço, para que seja imputada a responsabilidade civil por dano a alguém, é necessário que haja inequívoca prova da evidência de seus pressupostos fundamentais, quais sejam: conduta do agente, ação danosa e nexo de causalidade entre um e outro. Restou demonstrado que as lesões sofridas por ambas as partes, ocorreram em razão de agressões mútuas. No caso da lesão na orelha do autor, a ré alega que apenas agiu em legítima defesa, pois também estava sendo atacada, e possui força física muito menor do que o autor. De qualquer forma, tendo as agressões sido recíprocas, não merece prosperar o pedido indenizatório neste aspecto. E, pelo mesmo motivo, improcede o pedido de condenação da parte autora em litigância de má-fé, bem como o pedido contraposto. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido contido na ação principal, bem como o pedido contraposto. E, em consequência, declaro extinto o processo, com suporte no art. 487 , I , do CPC . Deixo de condenar em custas e honorários advocatícios, visto que incabíveis nesta fase do procedimento (art. 55 da Lei 9.099 /95). P. R. I. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os presentes, com as cautelas de estilo. Submeto o presente projeto de sentença à homologação de juiz togado. Guarapari/ES, 25 de março 2024. KRISTINY DE VASCONCELOS CONCHA JUÍZA LEIGA SENTENÇA Homologo o projeto de sentença retro, nos termos do art. 40 da Lei 9099 /95. DÉIA ADRIANA DUTRA BRAGANÇA Juíza de Direito