ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Cachoeiro de Itapemirim - 3ª Vara Cível Avenida Monte Castelo, S/N, Fórum Desembargador Horta Araújo, Independência, CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM - ES - CEP: 29306-500 Telefone:(28) 35265823 PROCESSO Nº XXXXX-86.2022.8.08.0011 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: DACASA FINANCEIRA S/A - SOCIEDADE DE CREDITO FINANCIAME REU: MADALENA RODRIGUES DE OLIVEIRA Advogado do (a) AUTOR: DIEGO MONTEIRO BAPTISTA - RJ153999 Advogado do (a) REU: LORENA MAITAN SILVA - ES23245 SENTENÇA Visto em inspeção. Refere-se à “Ação de cobrança” proposta por DACASA FINANCEIRA S/A – SOCIEDADE DE CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO – EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL, em face de MADALENA RODRIGUES DE OLIVEIRA . Aludiu a autora, em breve síntese, na exordial, que a demandada em 25/04/2018 aderiu a um cartão de crédito, sob nº XXXXX70028735727 com vencimento no dia 25 (vinte e cinco) de cada mês, de modo que desde o início da prestação do serviço, tal data periódica era a convencionada entre as partes como a de pagamento das faturas. Não obstante a Requerente, deixou de efetuar o pagamento da fatura em 25/06/2019, com débito no importe de R$ 837,17 (oitocentos e trinta e sete reais e dezessete centavos), ao passo que o cartão foi bloqueado por inadimplemento no mês subsequente. O débito atualizado até a presente data, com juros de mora simples de 1% ao mês, perfaz o montante de R$6.565,28 (seis mil, quinhentos e sessenta e cinco reais e vinte e oito centavos), razão pela qual, alega resta evidente o lídimo direito da Requerente em buscar a satisfação de seu crédito. No mérito requereu: 1. Deferimento dos benefícios da Justiça gratuita; 2. Julgar procedente para condenar o réu para o pagamento da fatura consolidada e inadimplida, com as atualizações de praxe e juros de mora; 3. Condenação em custas e honorários advocatícios; e 4. Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos. A inicial seguiu instruída com os documentos de ID XXXXX à 17891969. Indeferiu-se o pedido do benefício de justiça gratuita, ID XXXXX. Custas recolhidas pelo autor, ID XXXXX. Despacho inicial, determinando a citação do requerido, ID XXXXX Sobreveio contestação, arguindo, em resumo, o réu ID XXXXX, preliminar de ilegitimidade passiva, uma vez que afirmou não ter contratado os serviços prestados pela empresa requerente de serviço de cartão de crédito, conforme é citado na inicial No mérito, arguiu que inicial está desacompanhada de prova documental capaz de comprovar o direito do autor, até mesmo o principal que é o contrato do serviço citado, com a assinatura da parte requerida, juntando a autora, exclusivamente, uma foto do sistema de banco de dados da empresa requerente, contendo informações pessoais da parte requerida, não reconhecendo tal dívida. Nesse sentido, circunstanciou que cabe à parte demandante, sob pena de preclusão, a apresentação na inicial, todos os documentos existentes que possam provar seus argumentos. No caso em tela, já foi informado que a parte autora não juntou documentos comprobatórios suficientes para comprovar que a requerida de fato contratou os serviços citados na inicial. Por isso, deve ser julgado improcedente a presente demanda, e reconhecendo a preclusão por Vossa Excelência. Destacou que embora a requerente tenha apresentado planilha de cálculos, no referido documento não foi apresentado fundamentos a sustentar que o valor apurador é correto. Pelo contrário, é visível um cálculo que se encontra presente juros abusivos e excesso da cobrança. Assim, é necessário que seja feito perícia contábil para que seja apurado um cálculo devido. Manifestou-se a autora em réplica, ID XXXXX, impugnando integralmente os fundamentos da defesa, bem como mencionando a inviabilidade de acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva, pois a parte ré estava ciente de todos os encargos financeiros e mesmo assim, exercendo seu direito de “Liberdade Contratual”, se beneficiou do cartão de Crédito oferecido pela parte autora, contudo deixou de honrar com o seu compromisso de realizar o pagamento. Sobretudo, no mérito refutou os argumentos lançados, ratificando os encargos cobrados, uma vez que todos avençados no contrato entre as partes. Pontuou ainda acerca da má-fé da requerida que deixou de pagar as suas dívidas, deliberadamente para obter posteriormente melhores condições de pagamento. Sobreveio decisão saneadora no ID XXXXX, ocasião em que se afastou a preliminar de ilegitimidade passiva, saneou-se o feito e determinou-se que a requerente apresentasse o contrato entabulado com a ré para fins de comprovar a relação contratual/jurídica. Por fim, manifestou-se apenas a requerente, reiterando os fundamentos da petição inicial, registrando que tanto ocorrera a contratação, que o réu efetuou pagamento de fatura, ID XXXXX. É o relatório. DECIDO. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Com razão, pois, o requerido ao aduzir a aplicação do Código de Defesa do Consumidor , uma vez que o terceiro que sofre dano/prejuízos decorrentes de fato do serviço, também denominado bystander, equipara-se ao consumidor que, efetivamente, possui relação jurídica contratual com o fornecedor, nos termos do art. 17 do Código de Defesa do Consumidor , a teor da hodierna jurisprudência: "Acidente envolvendo consumidor por equiparação. Embora não haja relação jurídica direta entre a médica agravada e o hospital agravante, enquadra-se ela no conceito de bystanders ou consumidora por equiparação. Tal qual dispõem os arts. 1º parágrafo único, 17 e 29, todos da Lei nº 8.078/96, quando uma vitima de produto ou serviço não guarda relação com o fornecedor, mas, ainda assim, expia danos decorrentes de sua postura comissiva ou omissiva, recebe tratamento assemelhado ao que é conferido a todos os demais consumidores (TJES, Classe: Agravo de Instrumento, 24149013534, Relator: ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA , Órgão julgador: QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 10/11/2014, Data da Publicação no Diário: 18 1 1/2014). Portanto, acolho o pedido de aplicação do Código de Defesa do Consumidor Aludentemente à inversão do ônus da prova, registre-se que esta pode decorrer da lei (ope legis), como na responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor ), ou por determinação judicial (ope judicis), como no caso que versar acerca da responsabilidade por vicio no produto (art. 18 do mesmo diploma legal). Este é o entendimento do c. Superior Tribunal de Justiça, pelo que não se torna fastidioso colacionar:"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA OPE LEGIS. FORMA OBJETIVA. FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7 /ST.I. QUANTUM INDENIZATORIO. RAZOABILIDADE. 1.- A Segunda Seção deste Tribunal, no julgamento do Resp XXXXX/MG , Rel. Paulo de Tarso Sanseverino , D.1 de 21/09.2011, pacificou a jurisprudência desta Corte no sentido de que em demanda que trata da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do CDC ), a inversão do Ónus da prova decorre da lei. 2 .-"Diferentemente do comando contido no art. 6º , inciso VIII, que prevê a inversão do Ónus da prova"a critério do iuiz", quando for verossímil a alegacão ou hipossuficiente a parte, o 4 3º, do art. 12 , preestabelece - de forma objetiva e independentemente da manifestação do magistrado -, a distribuicão da carga probatória em desfavor do fornecedor, que"só não será responsabilizado se provar: 1 - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro". É a diferenciação já clássica na doutrina e na jurisprudência entre a inversão ope judieis (art. 6º , inciso VIII , do CDC ) e inversão ope legis (arts. 12 , § 3º , e art. 14 , § 3º , do CDC ). Precedente da Segunda Seção." ( REsp XXXXX /RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO , QUARTA TURMA, julgado em.....0.1/22/2013, Die 05/03/2013). [...] (ÃgRg no AREsp XXXXX/RJ , Rel. Ministro SIDNEI BENETI , TERCEIRA TURMA, julgado em 2641/2013, DJe 09/12 013)"(Negritei). Portanto, no caso de responsabilidade pelo fato do serviço, como alhures referenciado, a inversão do ônus da prova é ope legis, independentemente de qualquer decisão judicial a respeito. A tal conclusão acresça-se que a requerida impugnou a existência da própria relação contratual relativa ao cartão de crédito, competindo, portanto, a DACASA a comprovação da alegada relação contratual. DO JULGAMENTO. Inauguralmente deve o magistrado sentenciante, no processo judicial, rumo a solução do litígio, percorrer, em elaboração progressiva, uma ordem lógica de prejudicialidade, de sorte que o enfrentamento das questões palmilhe pelos pressupostos de existência e desenvolvimento da relação processual, pelas condições do exercício regular da ação judicial e, por fim, alcance o mérito, o bem da vida perscrutado. Entrementes, não havendo preliminares a serem enfrentadas ou irregularidades a serem suprimidas dou por saneado o feito e passo a analisar, diretamente, o punctum saliens da situação conflitada. Pretende o autor a condenação da ré no pagamento dos valores oriundos do cartão de crédito e não quitados oportunamente, a despeito de sua utilização. De outro norte, a parte ré nega, peremptoriamente, que tenha subscrito qualquer instrumento contratual com a DACASA que pudesse dar ensejo as cobranças oriundas de cartão de crédito. Passa-se, assim, a análise da pretensão que repousa, em um primeiro momento, na existência ou não de relação contratual/jurídica decorrente de cartão de crédito. Volvendo os olhos a presente ação, há que repisar, primeiro, que se está diante de uma ação consumerista, cuja inversão da prova é ope legis, e, para além, negando a ré a existência da própria relação contratual, portanto, defesa direta, impõe-se a autora a comprovação do fato constitutivo de seu direito - existência da relação jurídica. Flagrante que a autora possuía o ônus de comprovar a contratação, entrementes sequer anunciou que fora implementado contrato escrito ou por outra forma em que se pudesse aferir a manifestação de vontade de MADALENA RODRIGUES DE OLIVEIRA , não servindo ao mister pretendido a simples juntada do CADASTRO DO CARTÃO (ID XXXXX) e HISTÓRICO DE FATURAS (ID XXXXX), documentos estes impugnados de forma específica em contestação. Cabia à parte autora, com fulcro no artigo 373 , I , do Código de Processo Civil , reforçada pela inversão do ônus da prova, apresentar o contrato para comprovar a existência da relação contratual, o que não ocorreu, o que corrobora a tese da ré de inexistência da relação contratual que dera ensejo as faturas do cartão de crédito. Além da inversão do ônus da prova, impende consignar a precisa lição de Alexandre Freitas Câmara (in, Curso de Processo Civil, vol. 1, fl. 381-382), que se adequa a pretensão constante desta ação, tocantemente a distribuição da prova nas “ações declaratórias negativas”, ou seja, nas demandas em que se pretende a declaração da inexistência de uma relação jurídica:"Se o autor ou se limitar a negar a existência do fato constitutivo (por exemplo, o autor pede a declaração da inexistência de uma obrigação que, segundo ele, jamais existiu, embora sua existência venha sendo alardeada pelo demandado), haverá, aí sim, uma inversão do ônus, cabendo ao réu demonstrar a inexistência do fato constitutivo de seu direito". Logo, o ônus da prova é de quem tem o direito negado. A propósito a lição de Celso Agrícola Barbi (in, Comentários ao código de processo civil , Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. I, p. 80):" (...) O pretenso credor, é que deverá provar esse fato o crédito ". Nesse sentido, há, por certo, a inversão do ônus da prova advinda da natureza da ação declaratória negativa, competindo, por conseguinte, ao credor demonstrar a existência da relação jurídica que possibilitou a cobrança objeto da inicial. Assim, saneado o feito e intimado o autor para juntar aos autos documentos hábeis a comprovação da alegada relação jurídica contratual, ratificou a prova documental já lançada aos autos e acima indicadas – repita-se: CADASTRO DO CARTÃO (ID XXXXX) e HISTÓRICO DE FATURAS (ID XXXXX – não servindo ao mister pretendido a alegação de que ocorrera pagamento de fatura, posto que esta poderia ter ocorrido até mesmo por terceiro fraudador, ante a assertiva inaugural de MADALENA de que não contratou o produto cartão de crédito junto à DACASA FINANCEIRA. Assim, em que pese as arguições reverberados pela instituição financeira autora, tenho que o direito não está a seu favor, considerando que à ela competia comprovar que a parte ré efetivamente firmou o contrato de cartão de crédito, sobretudo, porque àquela negou, peremptoriamente, que tenha entabulado qualquer modalidade de contratação com a ré, não servindo ao mister pretendido a alegação de que fora usado o cartão e promovido pagamentos, posto que estes podem ter sido implementados por terceiro fraudador. À guisa de conclusão, a orientação do e. Tribunal de Justiça segue no mesmo sentido alhures: “APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE COBRANÇA COBRANÇA DE DÉBITOS DE CARTÃO DE CRÉDITO - AUSÊNCIA DE PROVA - CONTRATAÇÃO - UTILIZAÇÃO - FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO RECURSO DESPROVIDO. 1. - Incumbe ao autor o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito ( CPC , art. 373 , I ). 2. - Ausente prova da efetiva utilização pela parte que contratou o meio de pagamento através de cartão de crédito, não há o que respalde o pedido de cobrança de débito fundado em fatura produzida unilateralmente pela administradora do cartão. 3. - Recurso desprovido. VISTOS, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Desembargadores que integram a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, na conformidade da ata e notas taquigráficas, À UNANIMIDADE DE VOTOS, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO , nos termos do voto do Eminente Relator. Vitória/ES, 10 de novembro de 2020. PRESIDENTE RELATOR (TJES, Classe: Apelação Cível, 024151560893, Relator : FABIO CLEM DE OLIVEIRA , Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 10/11/2020, Data da Publicação no Diário: 11/12/2020). (Negritei). Frente a tal cenário, impõe-se a improcedência do pedido inaugural. DISPOSITIVO Fulcrada nestas premissas JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na petição inicial, e, por fim, dou por extinto o processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487 , inciso I do Código de Processo Civil . Mercê da sucumbência da autora, condeno-a a suportar custas e honorários que fixo em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85 , § 2º , do Código de Processo Civil . P. R. I, após o cumprimento de todas as diligências, não havendo impugnações arquive-se. Na hipótese de se embargos de declaração, cumpra-se o disposto no art. 438 , LXIII, do Código de Normas. Sendo interposto recurso de apelação, cumpra-se o disposto no art. 438, XXI, do Código de Normas. Cachoeiro de Itapemirim-ES, 27 de março de 2024. MARIA IZABEL PEREIRA DE AZEVEDO ALTOÉ JUÍZA DE DIREITO