PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Segunda Câmara Criminal 1ª Turma Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. XXXXX-65.2011.8.05.0088 Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal 1ª Turma RECORRENTE: Natanael Bezerra de Morais Advogado (s): CUSTODIO LACERDA BRITO RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA Advogado (s): ACORDÃO EMENTA: DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO PELA DEFESA. PEDIDO ABSOLUTÓRIO EM RELAÇÃO AOS DELITOS DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. ALEGAÇÃO DE QUE A CONDUTA FOI PRATICADA SOB O MANTO DA LEGÍTIMA DEFESA. REJEIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA CATEGÓRICA QUE O RECORRENTE ESTAVA EM SITUAÇÃO DE INJUSTA AGRESSÃO E QUE UTILIZOU DOS MEIOS ADEQUADOS PARA REPELI-LA. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PARA LESÕES CORPORAIS. AFASTADO. EVIDÊNCIA DO ANIMUS NECANDI. PEDIDO DE IMPRONÚNCIA. INVIABILIDADE EM RELAÇÃO AOS DELITOS DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO, PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E CONDUÇÃO DE VEÍCULO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL. PROVA DA MATERIALIDADE E EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA. PEDIDO DE IMPRONÚNCIA GUARIDO EM RELAÇÃO AO DELITO DE OMISSÃO DE SOCORRO INSTITUÍDO NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO . AUSÊNCIA DE VÍTIMA OCASIONADA PELA COLISÃO DO VEÍCULO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO. PEDIDO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS DOS DELITOS DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO. INVIABILIDADE. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS INICIAIS QUE JUSTIFICAM A IMPUTAÇÃO DAS QUALIFICADORAS NA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PEDIDO DE ABSORÇÃO DO DELITO DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO PELO DELITO DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. REJEIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PROVA QUE O RECORRENTE ADQUIRIU O ARTEFATO APENAS PARA PRATICAR O CRIME CONTRA A VIDA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, NA ESTEIRA DO PARECER MINISTERIAL. Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por Natanael Bezerra de Morais, contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Crime da Comarca de Guanambi/BA (ID XXXXX), que o pronunciou pela prática dos crimes previstos nos art. 121 , § 2º , incisos IV e V , c/c o art. 14 , inciso II , ambos do Código Penal (tentativa de homicídio qualificado pelo emprego de recurso que dificultou a defesa das vítimas e por assegurar a impunidade de outro crime), por duas vezes, art. 14 da Lei n. 10.826 /03 (porte ilegal de arma de fogo de uso permitido), art. 304 e art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro (omissão de socorro e condução de veículo sob o efeito de álcool, respectivamente). Nas razões recursais (ID XXXXX), o Recorrente pleiteia a sua absolvição sumária alegando ter atuado em legítima defesa. Subsidiariamente, pleiteia a desclassificação do crime de tentativa de homicídio qualificado para lesões corporais, em relação à vítima Hilderlânio Cavalcante Dias, e a impronúncia do crime de tentativa de homicídio qualificado em relação à vítima Marlindo Teixeira, sustentando a inexistência de provas contundentes acerca da justa causa delitiva. Não prosperando os pleitos acima, pugna pelo afastamento das qualificadoras imputadas na decisão de pronúncia no que tange aos crimes de tentativa de homicídio. Ademais, sustenta que o crime previsto no art. 14 da Lei n. 10.826 /03 (porte ilegal de arma de fogo de uso permitido) deve ser absorvido pelos delitivos de tentativa de homicídio. Por fim, requer a sua impronúncia em relação aos crimes do art. 304 e art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro , o primeiro por não se enquadrar nos fatos ocorridos e o segundo por ausência de provas. De início, apesar do Recorrente alegar que agiu sob o crivo da legítima defesa, a mencionada excludente de ilicitude não restou suficientemente comprovada, pelo menos até agora. No caso vertente, as provas que foram colhidas na fase inquisitiva e na primeira fase do procedimento escalonado do Tribunal do Júri, não evidenciam que, no momento do delito, quaisquer das vítimas representavam algum risco ao Recorrente ou a quem quer que seja. Assim, em tese, não existia, na ocasião em que o fato ocorreu, injusta agressão, atual ou iminente, que precisasse ser repelida pelo Recorrente. Além disso, ainda que quaisquer das vítimas representassem risco ao Recorrente, o modo de agir deste último se revela, nesse momento, nitidamente excessivo, porquanto, desferiu disparos de arma de fogo que, inclusive, causou lesão corporal de natureza grave a uma das vítimas, o que pode ensejar a sua responsabilidade, a teor do art. 23 , parágrafo único , do Código Penal , que assim dispõe: “o agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”. Em arremate, o reconhecimento da perquirida excludente de ilicitude demanda a existência de prova inequívoca, segura e incontroversa com relação a sua ocorrência, o que não ocorre no presente caso. Outrossim, não se extrai evidências do atual conjunto fático-probatório que justifiquem a desclassificação do crime de tentativa de homicídio qualificado para lesões corporais, em relação à vítima Hilderlânio Cavalcante Dias. Com efeito, as provas até então encartadas nos autos, especialmente as declarações das vítimas sobreviventes, evidenciam que o Recorrente agiu com animus necandi quando deflagrou os disparos de arma de fogo. Desta feita, havendo indícios de que o Recorrente agiu com a intenção de matar as vítimas, não há como acolher o aludido pleito. Não merece guarida, ainda, o inconformismo defensivo com relação à pronúncia do Recorrente no que tange aos delitos de tentativa de homicídio, porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e condução de veículo sob o efeito de álcool. Deveras, a materialidade delitiva está comprovada pelos Relatórios Médicos de fls. 18/19, Laudo Periciais de fls. 12/14 e 35/36 e fotografias anexadas, todos integrantes do compêndio do inquérito policial. A seu turno, os indícios de autoria delitiva estão demonstrados pelas declarações das vítimas sobreviventes, pelos depoimentos da testemunha Poliana Souza Nascimento e pelo interrogatório do Recorrente, que confirmou parcialmente os fatos. Como se observa, não obstante os argumentos apresentados nas razões recursais, estão presentes os requisitos exigidos para submeter o Recorrente à Júri Popular, a teor do art. 413 do Código de Processo Penal . Em contrapartida, assiste razão ao inconformismo da defesa no que atinente a pronúncia do Recorrente pelo delito de omissão de socorro. Isto sucede porque, o referido crime pressupõe a existência de vítima em decorrência de um acidente envolvendo veículo automotor. In casu, no entanto, a vítima foi lesionada pelo disparo de arma de fogo feito pelo Recorrente, e não pelo acidente de trânsito. Dessa forma, a conduta do Recorrente não se enquadra no tipo em comento, sendo imperioso, assim, a sua absolvição. Noutro giro, cumpre afastar o pedido de afastamento das qualificadoras impostas na sentença de pronúncia, em relação aos delitos de tentativa de homicídio. Com efeito, os elementos contidos no manancial probatório revelam que o Recorrente, em tese, agiu de modo sorrateiro, fingindo pegar documento no interior do veículo, quando, na verdade, se apossou da arma de fogo que ali estava para disparar contra as vítimas. Desse modo, se assim tiver agido (o que somente pode ser confirmado com o deslinde do feito), o Recorrente supostamente praticou o crime sem oportunizar qualquer reação defensiva por parte das vítimas. Além disso, as provas elencadas anteriormente denotam que o Recorrente, em tese, realizou os disparos de arma de fogo para se escusar da responsabilidade atinente a crime anterior (direção de veículo automotor sob a influência de álcool). Nesse cenário, percebe-se que as qualificadoras não foram imputadas na sentença de forma arbitrária, desarrazoada ou descabida, mas sim, com supedâneo no que se infere, neste momento, dos autos. Por derradeiro, não merece amparo o pedido de aplicação do princípio da consunção. Afinal, a absorção do crime de porte ilegal de arma de fogo pelo delito de homicídio pressupõe que as condutas tenham sido praticadas em um mesmo contexto fático, guardando entre si uma relação de dependência ou de subordinação, o que não restou evidenciado no caso vertente. Decerto, inexiste prova nos autos que o Recorrente adquiriu a arma de fogo exclusivamente para praticar o delito de homicídio, conforme exigido pelo Superior Tribunal de Justiça. Ao revés, o que se verifica é que o Recorrente, sem prever que ia colidir com o seu veículo no portão da casa de uma das vítimas e discutir com as mesmas, possuía a arma de fogo no interior de seu veículo, sem autorização para tanto e em desacordo com as premissas legais. Destarte, não se olvidando que o crime de porte de arma tem natureza permanente, tal delito deve ser mantido na decisão de pronúncia. Recurso em Sentido Estrito CONHECIDO e PARCIALMENTE PROVIDO, na esteira do Parecer ministerial. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Recurso em Sentido Estrito de nº. XXXXX-65.2011.8.05.0088 , que tem como Recorrente, NATANAEL BEZERRA DE MORAIS, e como Recorrido, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA. Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Turma da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia, em CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito interposto, nos termos do voto do Relator.