PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. LATROCÍNIO (ART. 157 , § 3º , SEGUNDA PARTE DO CP ). RECURSO DEFENSIVO. 1. PLEITOS DE RECONHECIMENTO DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA LEGÍTIMA DEFESA, DE ABSOLVIÇÃO E, SUBSIDIARIAMENTE, DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE (ART. 129 , § 3º DO CP ). POSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA QUANTO AO CRIME DE LATROCÍNIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA SUBTRAÇÃO OU DA TENTATIVA DE SUBTRAÇÃO DO PATRIMÔNIO DA VÍTIMA. IMPOSSIBILIDADE, CONTUDO, DE RECONHECIMENTO IMEDIATO DA LEGÍTIMA DEFESA OU DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. HIPÓTESE DE CRIME REMANESCENTE DOLOSO CONTRA A VIDA (HOMICÍDIO). DESCRIÇÃO DA CONDUTA DE HOMICÍDIO NA DENÚNCIA. HIPÓTESE DE EMENDATIO LIBELLI. ART. 383 DO CPP . COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI. DESCLASSIFICAÇÃO, EX OFFICIO, PARA CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. SENDO FIXADA A COMPETÊNCIA DA VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE MARACANAÚ PARA O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO, APROVEITANDO-SE OS ATOS DA INSTRUÇÃO JÁ PRODUZIDOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, DESCONSTITUINDO A SENTENÇA COMBATIDA, FIXANDO EX OFFICIO A COMPETÊNCIA DA VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE MARACANAÚ PARA JULGAMENTO. 1. O recorrente pugna pelo reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa, nos termos do art. 23 , II do CP , bem como a absolvição do acusado, consoante art. 386 , VI do CPP . Subsidiariamente, requer a desclassificação para o crime de lesão corporal seguida de morte, nos termos do art. 129 , § 3º do CP , alegando que não restou comprovado o crime de latrocínio diante da ausência de subtração do patrimônio da vítima. 2. A peça delatória narrou a empreitada criminosa, denunciando o réu pelo crime de latrocínio consumado. O tipo penal de latrocínio necessita da ação de roubo com o resultado morte, sendo imprescindível, portanto, que exista a ação de subtração dos pertences, ou sua tentativa, e que seja alcançada, em algum momento da execução do crime, ou como sua consequência, a morte da vítima. 3. No caso ora analisado, percebe-se que a morte da vítima resta comprovada, especialmente diante do laudo cadavérico de fls. 82/83. Portanto, o resultado morte é evidente. Contudo, não se verificam provas suficientes da subtração do patrimônio da vítima ou de, pelo menos, tentativa de subtração pelo acusado, não restando comprovado o animus furandi necessário para a configuração de crimes patrimoniais, como é o de latrocínio. 4. Isso porque não foi localizado com o réu, ou próximo dele, qualquer quantia em dinheiro que indicasse a subtração do apurado do estabelecimento da vítima ou de qualquer de seus bens, sendo que o acusado foi preso ainda dentro da residência de Paulo Sérgio, após ter sido detido pelos amigos da vítima. Da mesma forma não se sabe quanto era a suposta quantia de dinheiro que a vítima tinha guardado, seja em sua residência, seja no caixa do bar. Na realidade, existem indícios de que a noite no estabelecimento gerou uma renda considerável à vítima, mas não há certeza da quantidade de dinheiro apurado, ou sequer se, de fato, existia o suposto dinheiro. 5. Ainda, as testemunhas ouvidas em juízo não viram qualquer pertence da vítima na posse do acusado, além de que não relataram qualquer anúncio de assalto ou de eventual oferta de dinheiro por parte da vítima ao acusado em troca de favores sexuais. Ao contrário, todas as testemunhas de acusação estranharam a informação, afirmando que a vítima era, de fato, homossexual, mas não costumava se encontrar com pessoas desconhecidas. Ressalte-se que as testemunhas de acusação ouvidas eram vizinhas da vítima, sendo alguns inclusive da própria família, conhecendo, então, pelo menos parte de seus costumes. 6. Mesmo assim, caso a vítima tivesse, de fato, sugerido alguma troca de dinheiro para manter relações sexuais com o acusado, não restou comprovada a subtração, por parte do apelante, de qualquer quantia de propriedade da vítima, nem antes e nem depois de seu assassinato. Da mesma forma, o fato de o dinheiro apurado naquela noite no estabelecimento comercial ter sumido, não constitui prova de que foi o réu quem realizou a sua subtração, especialmente porque, como já explanado, este foi capturado ainda dentro da residência da vítima, não tendo se evadido do local, e nada foi encontrado consigo ou próximo de onde se escondeu. 7. Na realidade, os relatos são de que várias pessoas foram ao local após a morte violenta da vítima, o que evidencia o fato de que outra pessoa, utilizando-se da situação conturbada instalada pela população local diante do assassinato de um vizinho, pode ter se apropriado indevidamente da quantia, indivíduo este distinto da figura do acusado, que nada possuía quando foi imobilizado pela população/preso em flagrante. 8. Igualmente, caso tenha o motivo do crime se dado pela falta de pagamento de uma quantia em dinheiro pela vítima ao acusado, ainda assim não seria hipótese de crime de latrocínio, e sim de homicídio qualificado por motivo torpe, vez que para a configuração do tipo penal previsto no art. 157 , § 3º , segunda parte do Código Penal , exige-se que tenha havido a subtração ou tentativa de subtração, através de violência ou grave ameaça, sendo alcançado antes, durante ou depois, o resultado morte, e, nesse caso, não houve qualquer vantagem financeira (ou tentativa) para o réu. 9. Necessário, ainda, fazer o distinguishing do presente caso com a Súmula 610 do Supremo Tribunal Federal.O entendimento firmado pelo STF é no sentido de que, em casos de tentativa de subtração do patrimônio, mesmo que o agente não consiga concluir a ação de roubo, se for alcançado o resultado morte, haverá crime de latrocínio. Ou seja, quando há animus furandi, mesmo que não seja consumado o roubo, se for alcançada a morte da vítima estará configurado o delito previsto no art. 157 , § 3º do CP . Contudo, essa não é a hipótese do presente processo, já que não ficou comprovada a tentativa ou efetiva subtração do patrimônio da vítima, ou seja, no caso ora analisado não restou evidente o animus furandi do agente. 10. Destarte, diante da ausência de provas suficientes acerca da subtração ou tentativa de apoderamento do patrimônio da vítima, deve-se aplicar o princípio in dubio pro reo nesse ponto, acolhendo parcialmente o recurso de apelação quando à impossibilidade de manutenção da condenação pelo crime de latrocínio, desconstituindo a sentença de fls. 270/277. 11. Contudo, diante das evidências acerca do homicídio da vítima, impossível o acolhimento do pleito absolutório, sendo imperiosa a desclassificação da imputação contida na denúncia para a de crimes dolosos contra a vida, com fundamento no art. 383 do Código de Processo Penal . Isso porque em casos de emendatio libelli, não há ofensa ao princípio do contraditório, já que o acusado se defende dos fatos narrados na denúncia, e não da classificação do dispositivo atribuída, não havendo qualquer nulidade processual quando operada a desclassificação da tipificação penal, já que desnecessária a abertura de prazo para aditamento à denúncia e nova manifestação da defesa, vez que na denúncia foi suficientemente narrado que a conduta supostamente praticada pelo acusado é de crime doloso contra a vida (homicídio). 12. Nesse ponto, necessário esclarecer que não é o caso de acolhimento integral do recurso apelatório, especialmente quanto ao pleito de desclassificação para o delito de lesão corporal seguida de morte, nos termos do art. 129 , § 3º do CP , mesmo diante das alegações de crime preterdoloso. O crime preterdoloso de lesão corporal seguida de morte necessita que esteja comprovada a prática do crime em duas fases, havendo dolo na fase antecedente e culpa na fase consequente. 13. No entanto, não restou evidenciada a ausência de dolo na conduta do apelante, devendo a tese de legítima de defesa ser inicialmente analisada pelo órgão de primeiro grau competente para casos de crimes dolosos contra a vida, sendo posta à julgamento, caso seja o réu pronunciado, perante o Tribunal do Júri. 14. Por conseguinte, o pedido de desclassificação do delito de latrocínio para o crime de lesão corporal seguida de morte não merece prosperar, vez que, para tanto, seria necessária a existência de prova incontroversa, nítida, e livre de dúvidas, da ausência de animus necandi ou da legítima defesa do acusado, o que não é o caso. bA análise acerca da real intenção do acusado, enquanto autor de um golpe com instrumento perfuro cortante (faca peixeira) em região fatal da vítima - peitoral cabe inicialmente ao órgão de primeiro grau competente para análise de crimes dolosos contra a vida, especialmente ao Conselho de Sentença em caso de pronúncia, que deverá aprofundar-se na análise de mérito de forma a decidir pela presença ou ausência de animus necandi e ocorrência ou não de legítima defesa própria. 15. Assim, procedendo-se à desclassificação ex officio do crime de latrocínio para o delito de homicídio, a competência é privativa do Tribunal do Júri por expressa determinação constitucional (art. 5º , XXXVIII , CF ), inclusive para a capitulação adequada do delito praticado e qualificadoras porventura existentes, sendo necessária somente a anulação da sentença e, de consequência, a remessa dos autos a origem a fim de que sejam redistribuídos ao Juízo natural da causa que é o Tribunal do Júri, de acordo com o que preceitua o § 2º do dispositivo legal supracitado. 16. Dito isso, acolhe-se parcialmente o recurso defensivo para desconstituir a sentença condenatória pelo crime de latrocínio, porquanto inexistente provas da subtração ou tentativa de subtração do patrimônio da vítima, declarando sua nulidade, procedendo, contudo, ex officio, à desclassificação da conduta do réu para o crime de homicídio, fixando a competência da Vara competente para análise de delitos dolosos contra a vida da Comarca de Maracanaú, que deverá julgar os presentes autos, mantendo incólumes todos os atos de instrução. 17. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, desconstituindo-se a sentença combatida, determinando o encaminhamento dos autos à Vara do Tribunal Popular do Júri da Comarca de Maracanaú para o prosseguimento da ação, aproveitando-se os atos da instrução. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº XXXXX-13.2011.8.06.0117, em que figura como apelante Luiz Ricardo Lima da Silva e apelado o Ministério Público do Estado do Ceará. ACORDAM os Desembargadores integrantes da 2ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em conhecer da Apelação interposta para JULGAR-LHE PARCIALMENTE PROVIDA, desconstituindo a sentença combatida, determinando, ex officio, o encaminhamento dos autos à Vara do Tribunal Popular do Júri da Comarca de Maracanaú para o prosseguimento da ação, aproveitando-se os atos da instrução, nos termos do voto do eminente Relator. Fortaleza, 09 de março de 2022. Des. Sérgio Luiz Arruda Parente Presidente do Órgão Julgador e Relator