DIREITO PRIVADO. CONTRATOS DE AFRETAMENTO DE NAVIOS-SONDA, CELEBRADOS ENTRE PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO, COM NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO NO OBJETO DA CONTRATAÇÃO. PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS DECORRENTES DO DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULA CONTRATUAL E ANTECIPAÇÃO DO TERMO FINAL DO CONTRATO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA, VISANDO À REFORMA INTEGRAL DO JULGADO. 1. Pretensão indenizatória de danos materiais, supostamente decorrentes da supressão de 468 dias do prazo de vigência do contrato de afretamento de navio-sonda nº 187.2.127.01-1 e de 387 dias, do negócio jurídico de nº 186.2.013.04-5, em razão da docagem para upgrade superior a 150 dias, assim como subtração de 56 dias do primeiro contrato supramencionado, relacionada à cláusula "well in progress". 2.DAS PRELIMINARES: 2.1. Preliminar de inépcia da petição inicial - rejeição. Os requisitos da petição inicial encontram-se satisfeitos, na forma do artigo 319 , do Código de Processo Civil .Pedido certo e determinado. 2.2. Preliminar de cerceamento de defesa - rejeição. O juiz é o destinatário da prova, cabendo a ele, de ofício ou a requerimento da parte, identificar as provas necessárias ao julgamento da lide, sendo dele a aferição quanto à relevância e à pertinência de sua produção, à vista dos fatos controvertidos constantes dos autos, nos termos do artigo 370 , do Código de Processo Civil . No caso concreto, a prova oral requerida pela Apelante, consistente no depoimento pessoal do representante legal da Ré, em nada acrescentaria ao julgamento da causa, uma vez que não teria o condão de desconstituir as provas documentais produzidas, suficientes para a formação do convencimento do juízo. 2.3. Nulidade da Sentença. Vício de fundamentação - rejeição. O juiz não é obrigado a discorrer sobre todos os argumentos apresentados pelas partes, demonstrando, tão somente, os fundamentos que levaram ao seu livre convencimento, baseado nos aspectos pertinentes à hipótese sub judice, com a aplicação da legislação que entender incidente ao caso concreto. 3. DA QUESTÃO MERITÓRIA: 3.1. Dos contratos de afretamento de navios-sonda: As partes celebraram contratos, submetidos ao regime jurídico de direito privado, de afretamento de 2 navios-sonda, que passaram por aditamentos para extensão dos prazos de vigência por 06 anos. Nestes aditamentos, a Autora entregaria à Ré navios-sonda que deveriam conter determinadas características, para atendimento às necessidades da contratante e requeridas pela mesma, realizando considerável investimento em upgrades dos seus navios-sonda, sendo certo que o período de docagem para tanto, estimado em 150 dias, não estaria incluído na prorrogação (cláusula 1.1 dos ativos), implicando em suspensão contratual expressa. 3.2. Da interpretação dos contratos no Direito Civil: Inteligência dos artigos 112 , 113 , caput, 187 , 421-A e 422 , todos do Código Civil . 3.3. Da análise econômica do contrato. Lei 13.874 /2019 e artigo 113, parágrafo 1º. Venire contra factum proprium non potest. 3.4. Da correta interpretação das cláusulas dos contratos objeto da lide. Diálogo das fontes. Diálogo de adaptação. Incidência das normas jurídicas de direito privado. Declaração dos Direitos da Liberdade Econômica. Notória especificidade da matéria e expertise dos contratantes. Princípio da autonomia das vontades. 3.4.1. Da natureza do contrato celebrado entre as partes. Contrato de afretamento marítimo de navios-sonda, com características específicas definidas em acordo entre as partes. Obrigação de entrega de coisa certa, com estipulação de cláusula suspensiva expressa - previamente acordada entre as partes. 3.4.2. Da racionalidade econômica do contrato. 3.4.2.1. O histórico da relação jurídica entre as mesmas (que teve início no ano de 2001), a dinâmica dos negócios jurídicos firmados (os aditivos contratuais em berlinda foram celebrados em 2009), o comportamento das partes (antes, durante e, sobretudo, após a celebração dos aditivos), o cenário da atividade de exploração de petróleo, à época dos contratos (mercado aquecido - quando da celebração dos aditivos - e mercado retraído - quando do retorno à atividade dos navios-sonda, após os upgrades), bem assim as práticas negociais desse peculiar mercado (acostumado com as oscilações do preço do barril de petróleo e a alocação de riscos no longo prazo) permitem concluir que razão assiste à parte autora. - Contrato por prazo determinado. Cláusula 1.1 - prevê a prorrogação do prazo de vigência do contrato por 2.190 (dois mil, cento e noventa) dias, com expressa ressalva do prazo de docagem para upgrade do navio-sonda, estimado pelas partes em 150 dias (fls. 440 e 468). - Cobertura das diárias do estaleiro. Cláusula 1.9 - prevê que a Petrobrás arcaria com um custo de até US$ 13.500.000,00 (treze milhões e quinhentos mil dólares), referente ao pagamento da taxa de parada de US$ 90.000.00 (noventa mil dólares) por dia de docagem, por até 150 dias. - Alocação dos riscos. Depreende-se CLARAMENTE, da atenta leitura das cláusulas 1.1 e 1.9 dos aditivos objeto da lide, que o upgrade das sondas poderia ultrapassar 150 dias. Alocação de risco referente ao custeio da docagem seca (taxa de estaleiro), pela Petrobrás, restrita aos primeiros 150 dias. Expressa previsão da possibilidade de as partes, de comum acordo, postergarem o início da parada para upgrade, inicialmente prevista até outubro de 2010 (fls. 442 e 470). 3.4.2.1.1. Noble Léo Segérius (NS-17): A contagem correta dos prazos a ela relacionados aponta como termo final do contrato o dia 09/01/2017 (e não 29/09/2015, como faz crer a Apelada). O prazo de 06 anos, contado a partir da data de assinatura do aditivo, em 03/05/2009 (cláusula 2.1 - fls. 445/446), se encerraria em 02/05/2015 (não computados os 618 dias de suspensão do contrato, em razão da parada de docagem para upgrade). 3.4.2.1.2. Noble Roger Eason (NS-15): A contagem correta dos prazos a ela relacionados aponta como termo final do contrato o dia 20/10/2016, observado o mesmo marco inicial (03/05/09 - cláusula 2.1 - fls. 474). O prazo de suspensão a ela relacionado foi de 537 dias de docagem para upgrade. 3.4.2.2. Tese defensiva da Petrobrás no sentido de que apenas 150 dias de docagem poderiam ser contabilizados para efeito de suspensão do contrato que não merece acolhida. As cláusulas 1.1 dos aditivos de ambos os contratos objeto da lide dispõem, clara e inequivocamente, que os prazos de suspensão para upgrade dos navios-sonda seriam estimados e, não, peremptórios. Impossibilidade de confusão entre prazos ESTIMADOS com prazos PEREMPTÓRIOS. 3.4.2.3. Contratos e aditivos elaborados pela Petrobrás. Interpretatio contra stipulatorem. Interpretação favorável à própria parte estipulante que implicaria em violação da boa-fé objetiva, haja vista que, nesse caso, a parte se aproveitaria da própria torpeza, como forma de se evadir de suas obrigações contratuais. Precedente. 3.4.2.4. Vedação ao comportamento contraditório (non venire contra factum proprium). Apelada que mantinha gerente de contrato e fiscais acompanhando os upgrades. Ausência de qualquer apontamento de irregularidades ou de questionamento quanto ao excesso de prazo de docagem. Comportamento da apelada que se revelou contraditório à eventual discordância com o prazo de docagem superior a 150 dias, acompanhado de perto por gerente dos contratos e fiscais, devendo ser ressaltado que tal prazo se encerraria, quanto à sonda "Léo Segérius", em 21/06/2011, e, no tocante à sonda "Roger Eason", em 13/11/2012. No entanto, o fim dos upgrades ocorreu nos dias 01/10/2012 e 04/12/2013, respectivamente, momentos em que os navios voltaram a operar para a Petrobrás, sem que jamais, por qualquer via, tivesse sido cogitada a extensão demasiada do prazo de upgrades. 3.4.2.4.1. Silêncio / inércia da apelada que persistiu até o dia 02/04/2015, quando, somente então, comunicou à Autora que o contrato referente ao navio-sonda "Léo Segerius" encerraria em 29/09/2015, descontados os 468 dias adicionais de parada. 3.4.2.4.2. Com relação à sonda "Roger Eason", o silêncio / inércia da Apelada perdurou até 01/03/2016, quando comunicou à apelante que o contrato se encerraria em 07/08/2016, descontados os 387 dias de parada adicionais. 3.4.2.5. Inércia da Ré em questionar a extensão do prazo de parada e em informar o desconto dos dias excedentes de docagem, do prazo de prorrogação do contrato - supressio. Desaparecimento de eventual direito da Ré pelo decurso do tempo, pela expectativa legitimamente despertada no outro contratante de que não seria exercido. Precedentes. 3.4.2.6. Cláusula "well in progress". Navio sonda Léo Segérius. A extensão do prazo contratual decorrente da referida cláusula ocorrera ainda durante a vigência do 5º aditivo, inexistindo qualquer justificativa contratual para o desconto dos 56 dias, em momento subsequente. 3.5. Da Responsabilidade Contratual. Exercício arbitrário, potestativo puro, de revogação de cláusula suspensiva expressa. Inadimplemento contratual da Ré que enseja a sua responsabilidade objetiva. Dever jurídico sucessivo de recompor os danos patrimoniais decorrentes. 3.5.1. Dos danos materiais: Prejuízo financeiro da Autora, decorrente da supressão de 524 dias de vigência do contrato de afretamento do navio-sonda Leo Segerius (468 dias da docagem, mais 56 dias da cláusula well in progress), e 387 dias de vigência do contrato de afretamento da sonda Roger Eason. 3.5.2. Considerados os valores das diárias informados pela Petrobrás para cada sonda, quais sejam, US$ 270.000,00 (duzentos e setenta mil dólares), no tocante ao navio-sonda Leo Segerius, e US$ 312.300,00 (trezentos e doze mil e trezentos dólares), quanto ao Roger Eason, acrescidas dos bônus de performance de 15% (cláusulas 1.2 dos aditivos contratuais em testilha, fls. 184 e 341), com as deduções apontadas nas planilhas acima mencionadas, tem-se que o dano material perfaz o total de US$ 275.491.453,00 (duzentos e setenta e cinco milhões, quatrocentos e noventa e um mil, quatrocentos e cinquenta e três dólares) - US$ 147.913.406,00 (cento e quarenta e sete milhões, novecentos e treze mil, quatrocentos e seis dólares) do NS "Leo Segerius" e US$ 127.578.047,00 (cento e vinte e sete milhões, quinhentos e setenta e oito mil e quarenta e sete dólares) do NS "Roger Eason". 4. Reforma que se impõe à r. sentença, para condenar a Ré ao pagamento de indenização pelos já descritos danos materiais, que será convertida pelo câmbio vigente na data do efetivo pagamento e acrescida de juros legais, a contar da citação (art. 389 , 402 e 405 , CC ), bem assim ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios de 10% sobre o total da condenação. 5. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.