PROCESSO Nº: XXXXX-98.2012.4.05.8205 - APELAÇÃO CRIMINAL APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APELADO: DAMIAO BALDUINO DA NOBREGA e outro ADVOGADO: Artemisia Batista Leite Bezerra e outros RELATOR (A): Desembargador (a) Federal Cid Marconi Gurgel de Souza - 3ª Turma JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1º GRAU): Juiz (a) Federal Claudio Girao Barreto EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RÉUS CONDENADOS PELA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 1º , I , DO DECRETO-LEI Nº 201 /67 E ABSOLVIDOS DOS DELITOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 90 DA LEI Nº 8.666 /93 E 299 DO CÓDIGO PENAL . APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. PEDIDO DE CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 299 DO CÓDIGO PENAL . INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ENTRE OS CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA (CRIME-MEIO) E DE FRAUDE LICITATÓRIA (CRIME-FIM) E DE APROPRIAÇÃO DAS VERBAS PÚBLICAS. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS MANTIDA. RECURSO DO MPF IMPROVIDO. 1. Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal em face da sentença que condenou os Réus pela prática do crime previsto no artigo 1º , inciso I , do Decreto-Lei nº 201 /67, por duas vezes, na forma do art. 71 do Código Penal , deixando de aplicar as penas do artigo 299 do Código Penal , em face da incidência do Princípio da Consunção. 2. Narra a denúncia que em virtude do Convênio nº 1288/03, firmado entre o Município de Salgadinho/PB e a FUNASA, cujo objetivo consistia na construção poços tubulares, Jurandir R. da S., responsável real pela Empresa de fachada e vencedora do certame J R PROJETOS E CONSTRUÇÕES LTDA.; Saulo (ora absolvido), Francisco (Engenheiro responsável pela assinatura dos Boletins de Medição de obra inexistente para a liberação indevida dos pagamentos); Josefa (absolvida) e Damião B. da N., Prefeito com mandato em 2005/2008, recebedor dos recursos e responsável pela execução do Convênio, teriam praticado crimes licitatórios, mediante a apresentação de documentos ideologicamente falsos referentes à constituição das Empresas participantes do certame, que possuíam assinaturas inteiramente divergentes das encontradas no Contrato Social, bem como crimes de responsabilidade, consistente na apropriação indevida das verbas públicas. 3. Descreve o Ministério Público Federal que a Prefeitura fez dois pagamentos à Empresa vencedora, nos valores de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), em 03 de junho de 2005, e de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em 11 de julho de 2005, constando na Nota Fiscal passada pela Empresa vencedora em 1º de junho de 2005 o valor total do Convênio, ou seja, R$ 126.568,00 (cento e vinte e seis mil, quinhentos e sessenta e oito reais), embora a Empresa sequer tivesse recebido na íntegra os valores à época da Nota, tendo em vista a inexistência de Boletins de Medição anteriores aos referidos pagamentos. 4. Apenas no ano de 2010 o ex-Prefeito apresentou os Boletins de Medição assinados pelo Engenheiro Francisco, que informou que os Boletins eram absolutamente inidôneos, fabricados a pedido do então prefeito Damião, esclarecendo a denúncia que, quando a Prefeitura apresentou as contas do Convênio à FUNASA no ano de 2007, não encaminhou, à época, os referidos Boletins, fatos que atestariam a prática dos delitos previstos nos arts. 299 e 304 do Código Penal . 5. Por fim, consta da inicial acusatória que a FUNASA realizou Vistoria no local, finalizada no dia 17 de março de 2010, durante a gestão da nova Prefeita, tendo constatado que o percentual executado da obra foi de 64,70%, enquanto os recursos liberados atingiram o percentual de 80%, afirmando que dos 9 (nove) poços construídos, nenhum foi finalizado integralmente, havendo inclusive 3 (três) deles com menos de 50% concluídos, além de haver prestação parcial de contas entregue pela Prefeitura, não se incumbindo Damião de comprovar a execução das obras e a regular prestação de contas, dentro do prazo exigido pelo Convênio (dezembro de 2003 a novembro de 2004), causando ao Erário um dano potencial de R$ 126.568,00 (cento e vinte e seis mil, quinhentos e sessenta e oito reais). 6. Requer o Ministério Público Federal, em sua Apelação, a condenação de FRANCISCO e DAMIÃO nas penas do crime previsto no art. 299 , do Código Penal , afirmando que os Boletins de Medição assinados por Francisco e apresentados por Damião na prestação de contas encaminhadas em 2010 foram confeccionados no mesmo ano, pois não foram apresentados na prestação de contas enviada por DAMIÃO em 14 de novembro de 2007, havendo uma falsidade ideológica que não constitui fase necessária para a consumação do desvio/apropriação de valores públicos, o que tornaria inaplicável o Princípio da Consunção. 7. Reitera o Ministério Público Federal o pedido condenatório porque os tipos penais tutelam bens jurídicos diversos, de forma que o crime de falsidade ideológica não ser considerado fase necessária do crime de desvio de recursos públicos, de forma que não haveria que se falar em absorção do crime-meio pelo crime-fim. 8. Admite-se a aplicação do princípio da consunção porque a conduta típica do falsum (art. 299 do CP ) teve sua potencialidade lesiva, bem como a intencionalidade de seus agentes dirigidas unicamente à perpetração dos crimes-fins, a saber, o crime licitatório (pelo qual os Réus foram absolvidos) e a apropriação das verbas públicas, não havendo que se falar em autonomia da conduta revelada na contrafação ideológica de documentos, sendo estes apenas destinados às licitações irregulares e, no caso da falsidade dos boletins de medição, à liberação indevida dos valores para o pagamento de etapas não realizadas da obra pública. 9. O falso constituiu uma etapa para a prática tanto dos crimes licitatórios (pelos quais os réus foram absolvidos) quanto do delito de apropriação de verbas públicas, sendo os documentos inidôneos usados para demonstrar a suposta ausência de prática do ilícito previsto no art. 90 da Lei nº 8.666 /93, e, no tocante aos Boletins de Medição, estes serviram para possibilitar a liberação indevida do dinheiro da obra pública sem que esta tenha sido finalizada e, com isso, a apropriação dos valores do Convênio (art. 1º , I , do Decreto-Lei nº 201 /67). 10. A absorção do falso não deve ocorrer sempre e de forma automática, mas apenas como há o exaurimento da potencialidade lesiva dos documentos ideologicamente contrafeitos, baseado na objetividade na delimitação concreta e não em conjecturas acerca das infindáveis possibilidades de uso da documentação, que não podem ser aferidas em qualquer parâmetro legal porquanto inexistentes no mundo Jurídico. 11. No presente caso, não se observa, com relação aos documentos, salvo o seu uso na execução da obra para a liberação dos valores, qualquer possibilidade de que eles a causar qualquer prejuízo de forma direta, atual ou iminente, ou seja, não há sequer indícios de que eles possam ser utilizados em outra ocasião além da utilizada nas ações relativas a esse processo criminal. 12. Com relação à absorção do falso pelo delito fim, ainda que a contrafação de documentos tenha se efetivado a posteriori, é possível configurarem crime-meio, quando perpetrados específica e unicamente para viabilizar o crime-fim, o que ocorreu no presente caso, em que os Boletins de Medição teriam sido usados e apresentados para a prática do crime de apropriação das verbas públicas. Precedentes. 13. O fato de os delitos de falsidade ideológica e o da responsabilidade dos Prefeitos tutelarem bens jurídicos distintos não constitui óbice ao reconhecimento da absorção do crime-meio (art. 299 do CP ) pelo crime-fim (art. 1º , I , do Decreto-Lei n. 201 /1967), porquanto a potencialidade lesiva do primeiro se exaure e se esgota no segundo. 14. Embora se reconheça que eles tenham existência própria e protejam bens jurídicos distintos, a realidade é que ambos foram praticados unicamente com o objetivo de dar aparente legitimidade à aplicação das verbas públicas recebidas em razão do Convênio firmando com a União Federal, de forma que não há impedimentos à aplicação do Princípio da Consunção. 15. Como a contrafação e o uso dos documentos ocorreram no mesmo contexto fático do cometimento dos crimes previstos no art. 90 da Lei nº 8.666 /93 (pelo qual os Réus foram absolvidos) e no art. 1º , I , do Decreto-Lei nº 201 /67, e a conduta típica do falso (art. 299 do CP ) teve sua potencialidade lesiva, bem como a intencionalidade de seus agentes direcionadas e vinculadas à prática dos crimes licitatórios e de apropriação/desvio das verbas públicas, não há que se falar em autonomia do falso, para além da esfera fático-delituosa dos crimes acima indicados. Apelação do Ministério Público Federal improvida. nge