PROCESSO Nº XXXXX-52.2019.8.05.0137 ÓRGÃO: 1ª TURMA RECURSAL DO SISTEMA DOS JUIZADOS CLASSE: RECURSO INOMINADO RECORRENTE: MARIA JOSE CONCEICAO SILVA ADVOGADO: JAILSON MATOS DE SOUSA FILHO RECORRIDO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S A ADVOGADO: PAULO EDUARDO PRADO ORIGEM: 1ª Vara do Sistema dos Juizados - JACOBINA RELATORA: JUÍZA NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO A CONSUMIDOR ANALFABETO FUNCIONAL. HIPERVULNERABILIDADE. DESNECESSIDADE DE FORMALIZAÇÃO POR INSTRUMENTO PÚBLICO. CONCESSÃO DE CRÉDITO DESPROPORCIONAL À CAPACIDADE DE SOLVABILIDADE DO CONSUMIDOR. FALTA DE INFORMAÇÃO, ACONSELHAMENTO E CUIDADOS PRÉVIOS. INOBSERVÂNCIA AOS ARTIGOS 14 E 52 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR QUE LEVAM À INVALIDADE DA DÍVIDA. SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. 1.No caso em tela, a Ré acostou aos autos o contrato. Entretanto, verifica-se a boa-fé do consumidor que ajuizou a ação sete meses após o primeiro desconto, comprovando que não concordou com os termos da contratação. O contrato foi firmado em abril de 2019 e os descontos foram iniciados em maio de 2019. A ação foi ajuizada em dezembro de 2019. 2.A condição de ser o consumidor analfabeto se não é suficiente para reputá-lo como civilmente incapaz, importa em cautelas especiais a serem observadas por parte da instituição financeira, notadamente por se tratar de relação de consumo. Para fins de cumprimento do direito básico do consumidor de ser corretamente informado sobre o serviço prestado, bem como sobre seus riscos (art. 6º , III , do CDC ), além do dever de lealdade e probidade decorrentes da boa-fé objetiva (art. 422 do CC ), não basta ao Banco-réu disponibilizar ao cliente analfabeto uma cópia do instrumento particular de empréstimo consignado, devendo haver efetivo esclarecimento acerca do conteúdo do negócio jurídico a ser celebrado, alinhando os deveres de aconselhamento, cooperação e cuidado. 3. A não comprovação destas condições que resguardam o consumidor idoso, analfabeto e portanto hipervulnerável da concessão abusiva de crédito (crédito irresponsável) caracteriza má prestação de serviço tornando a dívida inexigível, cobrança indevida de encargos, gerando direito à nulidade do contrato, a restituição dos valores descontados e indenização por danos morais. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS. DANOS MORAIS NO IMPORTE DE R$ 4.000,00. AUTORIZADA A COMPENSAÇÃO DO VALOR RECEBIDO POR MEIO DA TED (622,19). RELATÓRIO Alegou a parte autora que surpreendeu-se com os descontos realizados em seu benefício. Afirma que tentou diversas vezes junto ao Requerido o cancelamento administrativo e a devolução do numerário descontado imotivadamente, sem, entretanto, lograr êxito. A acionada trouxe aos autos o contrato firmado em abril de 2019. A sentença atacada julgou os pedidos improcedentes e condenou o acionante ao pagamento de multa por litigância de ma-fé. Insatisfeita, a parte acionante ingressou com recurso inominado. Foram oferecidas contrarrazões. VOTO A hipótese é de provimento do recurso inominado, com a reforma da sentença de improcedência proferida pelo M.M. Juízo a quo. Nos termos art. 104 , do Código Civil , o negócio jurídico é considerando válido desde que firmado por agente capaz, contenha objeto lícito, possível, determinado ou determinável e observe a forma prescrita ou não defesa em lei. Outrossim, o art. 166 , do Código Civil , elenca as situações em que o negócio jurídico é considerado nulo: Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. Já o art. 595 , do Código Civil determina que ¿no contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas¿. Feitas estas considerações, há que se destacar não ser o analfabeto considerado pessoa incapaz. Outrossim, a legislação pátria não exige que o contrato firmado pelos analfabetos seja formalizada através instrumento público, bastando que seja assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas. Vide julgados neste sentido: ¿Apelação Cível. Processo Civil. Empréstimo Fraudulento em Proventos de Aposentadoria. Parte Contratante Analfabeta. Comprovação da Transferência na Conta do Beneficiado. Legalidade dos Descontos. Ausência do Dever de Reparar Danos Morais ou de Devolver em Dobro as Parcelas Adimplidas. 1. A lei civil não exige solenidade para a validade de negócio jurídico firmado por analfabeto. 2. Deve-se concluir pela legalidade dos descontos realizados na aposentadoria, quando presentes nos autos cópia do contrato que foi entabulado entre as partes devidamente firmado, de seus documentos pessoais e o comprovante de que o valor foi creditado em conta bancária de titularidade da parte. 3. Sem a configuração do ato ilícito, não cabe indenização por danos morais e tampouco restituição de indébito. 4. Apelo conhecido e improvido. 5. Unanimidade.¿ (TJ/MA, Processo nº APL XXXXX MA XXXXX-42.2013.8.10.0072 , Órgão Julgador: 5ª Câmara Cível, Relator: Ricardo Tadeu Bugarin Duailibe, Data do Julgamento: 04/03/2015) ¿RECURSO DE AGRAVO EM APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO COM ANALFABETO. FORMALIDADES LEGAIS. AUSÊNCIA. NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. 1. Invertido o onus probandi, o agravante juntou à contestação cópia do contrato firmado. No entanto, apesar de conter a digital da autora/agravada, que é pessoa analfabeta, o instrumento não obedece às formalidades legais. 2. Filio-me ao entendimento de que a exigência de firmar contrato público com analfabeto (ou condicionar a contratação privada à existência de procuração pública passada pelo analfabeto a terceira pessoa que contrate por ele) tornaria dificultoso o procedimento, até mesmo o impossibilitaria, uma vez que os instrumentos públicos, passados por cartório de notas, demandam despesas que nem sempre poderão ser pagas, a depender da renda do contratante. 3. No entanto, ante a situação de pessoa analfabeta, é imprescindível proceder, na contratação, com certas formalidades, a fim de evitar que haja ludibrio da pessoa que não sabe ler, tampouco escrever. O contrato acostado aos autos não foi realizado de acordo com o disposto no Art. 595 , do CC , pelo que há de ser mantida a sentença, em todos os seus termos. 4. Por unanimidade de votos, negou-se provimento ao recurso.¿ (TJ/PE, Processo nº AGV XXXXX PE , Órgão Julgador: 2ª Câmara Cível, Relator: Alberto Nogueira Virgínio, Data do Julgamento: 11/02/2015) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE DÉBITO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . CONTRATO FIRMADO COM PESSOA ANALFABETA. DUAS TESTEMUNHAS. CONTRATAÇÃO VÁLIDA. ÔNUS DA PROVA A QUE SE DESINCUMBIU A RÉ, NOS TERMOS DO ARTIGO 333 , INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL . SENTNEÇA REFORMADA. Existem elementos suficientes de prova a indicar que a autora contratou os serviços de telefonia da ré, inclusive firmando contrato com digital, corroborado por duas testemunhas. Não há subsídios nos autos para invalidar o contrato e, por conseqüência declarar inexistente a dívida. A obrigação de indenizar exige a presença dos requisitos legais. Na espécie, não está presente o ato ilícito. Pretensão indenizatória improcedente. APELO DA RÉ PROVIDO. APELO DA AUTORA PREJUDICADO. DECISÃO MONOCRÁTICA. ( Apelação Cível Nº 70056579824 , Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 11/10/2013) ¿APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SERVIÇOS BANCÁRIOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. HIPÓTESE QUE NÃO SE VERIFICA. CONTRATO FIRMADO POR PESSOA ANALFABETA, IDOSA E DE POUCA CULTURA. CONDIÇÕES QUE, ISOLADAS, NÃO CONFIGURAM A INCAPACIDADE RELATIVA DO INDIVÍDUO OU O VÍCIO DE CONSENTIMENTO. TARIFAS PACTUADAS. POSSIBILIDADE DE EXIGÊNCIA PELO AGENTE FINANCEIRO. CPMF. TRIBUTO FEDERAL VIGENTE À ÉPOCA. INCIDÊNCIA LEGAL, INDEPENDENTEMENTE DO CONHECIMENTO DO CORRENTISTA. INTELIGÊNCIA DO ART. 3º DA LICC . INSCRIÇÃO DE NOME EM CADASTROS DE INADIMPLENTES. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. INDENIZAÇÃO DESCABIDA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO INVIÁVEL. PLEITOS IMPROCEDENTES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "O julgamento antecipado da lide (art. 330 , I , do CPC ) não implica cerceamento de defesa, se desnecessária a instrução probatória, porquanto o instituto conspira a favor do princípio da celeridade" (STJ, REsp n. 436.232/ES , Rel. Min. Luiz Fux, DJU de XXXXX-3-03). "O analfabetismo, por si só, não basta para desconstituir a validade da fiança prestada, tanto porque não se afigura como causa incondicional de demonstração de incapacidade civil, quanto porque não implica, necessariamente, em vício de consentimento" (TJDF, Rec. n. 2002.01.1.083018-5, Ap. Cív. n. 312.050 , Rel. Des. J.J. Costa Carvalho, DJ de XXXXX-7-08). "Pretendida rescisão contratual sob a alegação de vício do consentimento. Demandante analfabeta. Causa que não se constitui em incapacidade civil da parte. Sentença mantida. Recurso desprovido. O analfabetismo não se constitui em uma das causas de incapacidade civil absoluta ou relativa, capaz de tornar nulo ou anular negócio jurídico entabulado entre as partes" (TJSC, Rec. n. , de Balneário Camboriú, Sétima Turma de Recursos Cíveis e Criminais, Rel. Juiz José Carlos Bernardes dos Santos, DJ de XXXXX-10-08). "As taxas e tarifas bancárias são devidas desde que previamente pactuada" (TJSC, Ap. Cív. n. , de Içara, Rel. Des. Nelson Schaefer Martins, DJ de XXXXX-7-02). "Constitui exercício regular de direito do credor a inclusão de clientes efetivamente inadimplentes nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito. Inexistente o ato ilícito, não há que se falar em dever de indenizar" (TJSC, Ap. Cív. n. , de Abelardo Luz, Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, DJ de XXXXX-6-07).¿ (TJ/SC, Processo nº AC 70853 SC XXXXX-3, Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Comercial, Relator: Ricardo Fontes, Data do Julgamento: 25/05/2009) Assim, o negócio jurídico travado entre as partes possui objeto lícito e foi firmado por agente capaz, contudo não observou os requisitos do dever de informação. Sem saber como se defender deste assédio próprio da sociedade de consumo da pós modernidade, da democratização do crédito, principalmente após a regulamentação do crédito consignado através da Lei 10.820 /2003, que fixou limite de 30% nos descontos do crédito consignado, idosos endividados peticionam afirmando que desconhecem o débito, circunstância que, na maioria das vezes, não é a verdadeira. No presente caso, após o exame da documentação trazida aos autos no evento nº 01 e na contestação, a tese de desconhecimento do empréstimo pela parte autora não se sustentou. Todavia há provas cabais da contração descuidada e à margem dos parâmetros exigidos pela legislação protecionista. Assim, os fatos narrados e as provas carreadas por ambas as partes caracterizaram situação de concessão abusiva do crédito como, também, superendividamento do consumidor idoso e hipervulnerável. Anote-se que sendo o consumidor analfabeto, a negociação mediante contrato escrito só pode ser feita de forma válida com assinatura a rogo por duas testemunhas qualificadas, como dispõe o art. 1.217 do Código Civil . A condição de ser o consumidor analfabeto se não é suficiente para reputá-lo como civilmente incapaz, importa em cautelas especiais a serem observadas por parte da instituição financeira, notadamente por se tratar de relação de consumo. Para fins de cumprimento do direito básico do consumidor de ser corretamente informado sobre o serviço prestado, bem como sobre seus riscos (art. 6º , III , do CDC ), além do dever de lealdade e probidade decorrentes da boa-fé objetiva (art. 422 do CC ), não basta ao Banco-réu disponibilizar ao cliente analfabeto uma cópia do instrumento particular de empréstimo consignado, devendo haver efetivo esclarecimento acerca do conteúdo do negócio jurídico a ser celebrado, alinhando ao dever de aconselhamento, cooperação e cuidado. A busca de lucros desmedidos pelas instituições financeiras aliadas identificam concessão de crédito irresponsável e caracterizam a má prestação de serviço pela infringência do estabelecido nos arts. 14 e 52 , do Código de Defesa do Consumidor : ausência de informação prévia e adequada acerca das consequências do crédito e de sua projeção no orçamento do consumidor. Na esfera infraconstitucional, dar-se-á relevância à obrigação das Instituições Financeiras ao cumprimento da tutela extraída do Código de Defesa do Consumidor , em seu art. 4º , inciso I , reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e art. 39 , IV , a vedação ao fornecedor do aproveitamento da ¿fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social¿ quando do exercício de suas atividades. Estas normativas de ordem pública e aplicação imediata, que refletidas na situação de superendividamento do consumidor[1], revelam total ausência de cumprimento dos deveres de aconselhamento, cuidado, informação e obtenção da vontade livre e racional do consumidor no momento da contração do empréstimo, não vinculada de forma legítima o consumidor ao seu cumprimento. ¿Em se tratando da dignidade da pessoa humana, no que tange à pessoa idosa, cabe destacar que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 230 , traz regra expressa acerca da proteção do idoso no âmbito da sociedade [...]. [...] a proteção da pessoa idosa recebeu importante incremento através da Lei 10.741 /2003, denominada de ¿Estatuto do Idoso e que passa a ser um marco oficial na regulamentação, no Brasil, de direitos assegurados às pessoas idosas com idade igual ou superior a 60 anos de idade, conferindo-se assim melhor aplicabilidade ao supramencionado art. 230 da CF/1988¿. (SCHMITT, Cristiano Heineck. A hipervulnerabilidade do consumidor idoso, Revista de Direito do Consumidor. nº 70, abril-junho de 2009, p. 139 a 171). No entendimento de Karen Rick Danilevicz Bertoncello[2] a condição de idoso revela dois tipos de dificuldades: ¿as intrínsecas e as extrínsecas. As intrínsecas podem ser relacionadas ás dificuldades fisiológicas; enquanto as extrínsecas são identificadas pelas particularidades sociológicas, aqui vistas através da evolução tecnológica e as advindas do fomento da infantilização dos indivíduos¿, daí porque os cuidados pela informação plena deve ser redobrado a fim de garantir uma contratação racional acerca de todos os impactos do contrato. A instituição financeira tem o dever de advertir o consumidor dos limites financeiros impostos por sua renda pessoal, orientando-o sobre os riscos de vir a não obter outros créditos e este dever pode ser cumprido quando das tratativas prévias da concessão. Isto porque o fenômeno da bancarização da vida privada compele o cidadão a utilizar o banco para receber salário, benefício previdenciário, pagar luz, água. Este mesmo canal o aproxima da facilidade de obtenção de crédito tornando-o um alvo fácil dos abusos por parte das instituições bancárias. Rosana Lunardelli Cavallazzi, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva e Clarissa Costa de Lima [3] chamam atenção para o dever de cumprimento pelas Instituições Financeiras quanto à conservação da intangibilidade do salário e proteção do ¿restre a vivre¿ ou do mínimo existencial. O caminho, a bem da verdade, é a concessão de crédito responsável, mitigando os efeitos da bancarização, para garantir o acesso ao crédito de forma esclarecedora, sem comprometimento da renda do trabalhador em percentuais bem acima da razoabilidade, como vem imposto pelo art. 52 (deveres de informações especiais de transparência e de lealdade contratual). Assim, da análise dos autos se conclui pela concessão de crédito irresponsável tendo em vista a inobservância aos ditames mencionados, caracterizadora da má prestação de serviços, na forma dos arts. 14 e 52 do Código de Defesa do Consumidor . Nesta esteira de interpretação, descumpridos deveres essenciais á formação legitima do contrato, o fornecedor ao liberar quantia de crédito desproporcional às forças de solvabilidade do consumidor atentou contra sua dignidade humana, à proteção constitucional do salário (art. 7º , X , CF/1988 ) e ao postulado do mínimo existencial o desobrigando de seu pagamento. Eventuais valores que foram pagos durante a execução do contrato cuja nulidade se reconhece devem ser devolvidos ao consumidor de forma dobrada eis que não restou comprovada a firmação do contrato. Dano moral. A doutrina e a jurisprudência estão apoiadas na assertiva de que o prejuízo imaterial é uma decorrência natural (lógica) da própria violação do direito da personalidade ou da prática do ato ilícito. Assim, o dano moral é in re ipsa, ou seja, deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de modo que, provada a ofensa, está demonstrado o dano moral[4]. Em outras palavras, o dano moral in re ipsa se configura quando é desnecessária a comprovação do direito, pois este se presume existente em virtude da ocorrência de determinado fato, a exemplo, como o ocorrido. Citam-se arestos nesse sentido: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E OBRIGAÇÃO DE FAZER. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE ÓRGÃO RESTRITIVO DE CRÉDITO. CONTRATO DE TELEFONIA. AUSÊNCIA DE PROVAS DA CONTRATAÇÃO. DANOS MORAIS CONFIRMADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE NÃO COMPORTA REDUÇÃO.SENTENÇA MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. O ônus de provar a existência de contratação dos serviços impugnados pelo consumidor é exclusivo da companhia demandada e, não o fazendo, milita em favor da parte autora a presunção de que a cobrança é indevida por ausência de contratação. Em se tratando de cobrança indevida, a inscrição se afigura ilegítima. A negativação procedida consiste em dano in re ipsa, a qual independe de prova, ou seja, caracteriza-se por si só, sendo seu prejuízo deduzido dos nefastos efeitos que provoca ao titular do nome anotado bem como dos prejuízos de ordem psíquica decorrentes do próprio procedimento. A indenização, no caso de dano moral, tem a finalidade de compensar ao lesado atenuando seu sofrimento, e quanto ao causador do prejuízo, tem caráter sancionatório para que não pratique mais ato lesivo a personalidade das pessoas. A par disso, deve o montante atender aos fins que se presta sopesados ainda a condição econômica da vítima e a do ofensor, o grau de culpa, a extensão do dano, a finalidade da sanção reparatória e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. RECURSO IMPROVIDO.[5] CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - SERVIÇOS DE TELEFONIA - CONTRATO E DÍVIDAS INEXISTENTES -- FRAUDE DE TERCEIRO - NEGLIGÊNCIA DA EMPRESA - CONFIGURAÇÃO -IRREGULARIDADE DA INSCRIÇÃO - DANO MORAL - CARACTERIZAÇÃO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - VALOR DA INDENIZAÇÃO - CIRCUNSTÂNCIAS E PARÂMETROS DESTE TRIBUNAL - REDUÇÃO -CABIMENTO - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. - A teor do art. 14 , do CPC , o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, mesmo que ao consumidor por equiparação. - A simples negativação indevida em cadastros de inadimplentes gera o direito à indenização por danos morais, sendo desnecessária a comprovação dos prejuízos suportados, pois são óbvios seus efeitos nocivos. - O fato de o negócio jurídico ter sido celebrado por fraude de terceiro não enseja a incidência da excludente de responsabilidade por culpa exclusiva deste, já que a responsabilidade civil do prestador de serviços é objetiva, consoante o Código de Defesa do Consumidor , tendo agido este, ainda, com negligência, ao contratar sem as devidas cautelas, por falha do serviço. - O valor da indenização por danos morais deve ser fixado de forma proporcional às circunstâncias do caso, cabendo sua redução quando em desconformidade com os parâmetros adotados por este Tribunal. Recurso conhecido e provido em parte.[6] RELAÇÃO DE CONSUMO - TELEFONIA - INSCRIÇÃO INDEVIDA NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - DANO MORAL CONFIGURADO - RECURSO DESPROVIDO. Mantenho a sentença de Primeiro Grau (fls. 61-65) por seus próprios fundamentos, acrescentando: a) trata-se de típico caso de relação de consumo, vez que as partes se enquadram nos conceitos definidos nos arts. 2º e 3º do CDC , devendo-se aplicar as normas do Código de Defesa do Consumidor , com a inversão do ônus da prova, ante a hipossuficiência da autora e a verossimilhança dos fatos por ela alegados; b) a ré não logrou provar os fatos desconstitutivos do direito da autora, ônus este que lhe incumbia. Não restou demonstrada a existência de qualquer relação contratual entre as partes no período posterior ao cancelamento da minha (julho/2009), capaz de originar os supostos débitos que deram origem à negativação (fl. 27). Tampouco merece prosperar a tese de que a dívida seria oriunda da utilização de outra linha telefônica, porquanto não há, nos autos, prova de que as partes teriam celebrado contrato diverso, seja escrito ou por meio de serviço de call center. Ademais, do documento acostado à fl. 9, constata-se que a própria ré declarou a quitação integral de todas as faturas por parte da autora, desde janeiro até novembro de 2009, ou seja, período no qual estaria compreendido o suposto débito; c) na forma do art. 14 do CDC , sobre fato do serviço, a responsabilidade da ré é objetiva, devendo responder pelo dano causado ao consumidor independentemente da verificação de culpa; d) a mera inscrição indevida nos órgãos de proteção ao crédito, por si, já presume a existência de dano moral, porquanto é considerado dano in re ipsa, prescindindo de qualquer demonstração específica1; e) o valor arbitrado, qual seja, R$ 10.000,00 (dez mil reais), mostra-se razoável, levando-se em conta a capacidade econômica das partes, bem como o caráter compensatório e sancionatório da medida, razão pela qual descabe a pretensão de minorá-lo; f) ante o exposto, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso, devendo-se manter a sentença proferida pelo juízo a quo inalterada por seus próprios fundamentos.[7] Como sabido, a indenização por danos morais é um meio de mitigar o sofrimento, sob forma de conforto, e não o pagamento de um preço pela dor ou humilhação, não se lhe podendo atribuir a finalidade de enriquecimento, sob pena de transformar em vantagem a desventura ocorrida. O quantum fixado deve observar o grau de culpa do agente (gravidade da conduta), o potencial econômico e características pessoais das partes, a repercussão do fato no meio social e a natureza do direito violado, obedecidos os critérios da equidade, proporcionalidade e razoabilidade. Assim, prevalece a narrativa autoral e sua presunção de boa-fé não desconstituída pela recorrida (art. 4º , I , e art. 6º , VIII , da Lei 8.078 /90), pois verossímil o quanto trazido pelo recorrente. A situação dolorosa de que padece alguém, por ter sido ofendida a sua honra, comporta reparação, a fim de que se restabeleça o equilíbrio social como forma de sanção àqueles que desavisadamente possam ter, sem o cuidado necessário, causado o constrangimento. Em relação à forma de fixação do valor de indenização por danos morais, o Des. Luiz Gonzaga Hofmeister do TJ-RS no proc. XXXXX, esclarece de forma meridiana: ¿O critério de fixação do valor indenizatório, levará em conta tanto a qualidade do atingido, como a capacidade financeira do ofensor, de molde a inibi-lo a futuras reincidências, ensejando-lhe expressivo, mas suportável, gravame patrimonial.¿ O próprio STJ firmou entendimento neste sentido: ¿A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato de violação (damnum in re ipsa). Verificado o evento danoso surge a necessidade de reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)¿[8]. Ainda nesse sentido, apresento o julgado abaixo: ¿CIVIL ¿ DANOS MORAIS ¿ FIXAÇÃO DO QUANTUM DEBEATUR ¿ RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. Mantém-se o quantum fixado quando observados os critérios da razoabilidade e proporcionalidade. 2. O dano moral deve compensar a ofensa sofrida e ao mesmo deve servir como fonte de desestímulo para que o seu causador evite a repetição da conduta, observadas as peculiaridades de cada caso concretamente. 2.1. No entanto, não pode ser fonte de enriquecimento, sob pena de ensejar novo dano.¿[9]. Quanto à aquilatação dos danos morais, é pacífico que a fixação da verba reparatória reside no poder discricionário do Julgador, que levará em consideração os detalhes e as características do caso concreto. Na presente hipótese, arbitra-se o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), capaz de ressarcir adequadamente o recorrente, sem proporcionar locupletamento. Diante do quanto exposto, VOTO no sentido de DAR PROVIMENTO AO RECURSO para REFORMAR A SENTENÇA, declarando a nulidade do contrato XXXXX00006994890, objeto da lide e condenando a parte acionada: 1. A fazer cessar os descontos no benefício previdenciário da parte autora, abstendo-se de incluir seus dados nos cadastros de restrição ao crédito em virtude do contrato em debate, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de multa diária que arbitro em R$ 150,00 (cento e cinquenta reais). 2. A restituir em dobro todos os valores indevidamente descontados do benefício previdenciário da parte autora, acrescidos de juros de 1% ao mês desde o evento danoso e correção monetária desde a data de cada desconto. 3. Ao pagamento da quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de indenização por danos morais, devidamente corrigida desde a data do arbitramento (Súmula 362 do STJ) e acrescida de juros legais de 1% ao mês desde a citação. Fica autorizada a compensação do valor depositado na conta do acionante. Sem custas e honorários, eis que vencedor o recorrente. NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS Juíza Relatora