PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Primeira Câmara Criminal 2ª Turma Processo: HABEAS CORPUS CRIMINAL n. XXXXX-41.2021.8.05.0000 Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal 2ª Turma IMPETRANTE: ALEXANDRE FERNANDES MAGALHAES e outros (2) Advogado (s): ALEKSSANDER ROUSSEAU ANTONIO FERNANDES, ALEXANDRE FERNANDES MAGALHAES IMPETRADO: Juiz de Direito de Guanambi, Vara Criminal Advogado (s): ACORDÃO EMENTA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA EXORDIAL ACUSATÓRIA E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ACOLHIMENTO. ELEMENTOS INDICIÁRIOS QUE NÃO REFORÇAM A IMPUTAÇÃO. PRESUNÇÃO, SEM QUALQUER BASE FÁTICA, COM GRAU DE CONFIRMAÇÃO EMPÍRICA, DE QUE O PACIENTE TERIA SIDO O MANDANTE DO CRIME. VERIFICAÇÃO DA INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL QuE SE IMPÕE. ORDEM CONCEDIDA. 1. Sustentam os Impetrantes o trancamento da Ação Penal nº 8002236- 63.2021.8.05.0088, por inépcia da exordial acusatória e ausência de justa causa. 2. Preambularmente, cabe esclarecer que o entendimento sedimentado pela jurisprudência reiterada do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que: “o trancamento da ação penal, na via estreita do habeas corpus, faz-se possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade, a ausência de indícios de autoria e a prova da materialidade do delito ou a inépcia da denúncia” (precedentes do STJ, nesse sentido: HC XXXXX/AL , DJe 05/06/2015; RHC XXXXX/SC , DJe 25/06/2015; HC XXXXX/RS , DJe 06/04/2015; AgRg no RHC XXXXX/RJ , DJe 30/08/2021; HC XXXXX/RJ , DJe 02/09/2021, entre outros). 3. Firme também é o posicionamento atual do STJ no sentido de que: “O trancamento da ação penal em habeas corpus, por falta de justa causa ou por inépcia, situa-se no campo da excepcionalidade, somente cabível quando houver comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta supostamente praticada pelo acusado, seja da ausência de indícios de autoria e materialidade delitiva, ou ainda da incidência de causa de extinção da punibilidade” (RCD no RHC XXXXX/SP , DJe 31/05/2021). E, ainda, no sentido de que a acusação deve ostentar suporte probatório mínimo acerca da autoria e materialidade delitiva. 4. A postura nesse sentido é reiterada nos recentes julgados do STJ, os quais também apontam os limites subjacentes à caracterização, ou não, da falta de justa causa para a ação penal, na medida em que se faz necessário suporte probatório mínimo acerca da materialidade e autoria e, não, prova conclusiva e exauriente acerca de tais matérias para a deflagração da persecução penal. 5. Feitas essas breves considerações, da análise dos documentos que instruem o presente writ, depreende-se a prova da materialidade do crime de homicídio, entretanto, no tocante à autoria do delito, os elementos colhidos durante a investigação policial são imprecisos. 6. Apesar da peça acusatória apontar que Aldo Berto Castro, ora Paciente, teria sido o mandante do homicídio em apuração, não se extrai do inquérito policial, que subsidia a denúncia oferecida pelo órgão ministerial, elemento indiciário que reforce tal imputação. 7. As testemunhas ouvidas perante a autoridade policial (ID XXXXX, fls. 22, 29, 32 e 34/35) mencionam o codenunciado Luciano Luiz da Silva, vulgo “MOTOR”, como o indivíduo que teria chegado ao local do crime a bordo de uma motocicleta e disparado os tiros de arma de fogo que levaram à óbito a vítima Mateus Damasceno de Almeida. No entanto, nada se colhe a respeito do Paciente. 8. De mais a mais, o Relatório de investigação criminal de ID XXXXX, fls. 39/42, que contém informações sobre o crime ora sob análise, apenas cita o Paciente ao consignar que “LUCIANO LUIZ DA SILVA, vulgo, Luciano motor, já foi preso na organização criminosa na operação beija flor, como integrante da facção denominada Rouba Cena (RC) liderada por Fabiano Almeida dos Santos, vulgo Bau como matador e vendedor de drogas e atualmente migrou para a facção denominada SALVE JORGE (SJ) liderado por ALDO BERTO CASTRO, vulgo DELTON continuando sua sagra na nova facção como matador e líder na distribuição de drogas dentro da própria facção por bairros e cidades adjacentes” – sic. 9. Por sua vez, inobstante o Relatório de investigação criminal de ID XXXXX, fls. 01/04, aponte Aldo Berto Castro como líder da facção Salve Jorge e Luciano Motor como um de seus gerentes, asseverando, ainda, que “os integrantes não fazem nada antes de consultar o chefe/líder Delton na compra e venda, na distribuição, em tudo até mesmo que deve morrer” – sic, não se colhe nenhum elemento de informação que evidencie ter o Paciente, de fato, determinado a morte de Mateus. 10. Por assim ser, no que concerne à Aldo Berto Castro existe apenas a suposição de autoria do crime de homicídio, ao argumento de que ele, ainda que do Estado de Santa Catarina, continuava a comandar a facção criminosa Salve Jorge e que a ordem foi dada ao corréu Luciano Luiz da Silva (Luciano Motor), por não ter a vítima Mateus Damasceno de Almeida aceitado passar a integrar o referido grupo criminoso. 11. Todavia, a mera conjectura não é suficiente para a deflagração da ação penal em desfavor do Paciente. 12. É realmente necessário que a inicial venha acompanhada de um mínimo de prova para que a ação penal tenha condições de viabilidade, caso contrário, não há justa causa para o processo. 13. Com efeito, in casu, o caderno investigatório é muito escasso. Nenhum elemento indiciário objetivo acerca da autoria do Paciente foi amealhado nas investigações preliminares. 14. Inexiste, portanto, elemento concreto contrastável com base empírica que aponte que a ordem para o homicídio partiu do Paciente. 15. Apenas há no caderno inquisitório uma inferência, a partir da posição de liderança que o Paciente exerce na facção criminosa, de que, sendo ele o líder, mandou matar. 16. Ocorre que o só fato de o Paciente ser o líder da organização criminosa a que pertence o coautor (possível executor material), conforme apontam os relatórios policiais supracitados, não é capaz de associá-lo ao delito de homicídio em questão. 17. Por certo, as ações dos supostos integrantes da organização criminosa não podem ser atribuídas ilimitadamente ao Paciente. 18. Assim é que, na hipótese, existe tão somente a presunção, sem qualquer base fática com grau de confirmação empírica, de que ele teria sido o mandante do crime. 19. Não obstante se exija um grau menor de suficiência probatória para o estabelecimento dos indícios de autoria, quando do recebimento da denúncia, haja vista a cognição perfunctória, típica do momento procedimental, a hipótese de cometimento do crime pelo denunciado, ora Paciente, deve ser a mais provavelmente verdadeira, à luz de todos os elementos existentes no procedimento. 20. Mesmo que diante de um acervo probatório ainda incompleto e em momento prévio ao contraditório, impossível se mostra chancelar uma persecução penal que não encontra nenhum grau de confirmação. 21. De igual modo, a existência de outros processos instaurados em desfavor do Paciente não se prestam a tal fim. 22. Nesta linha de intelecção dirigida, diante da ausência suporte probatório mínimo para o oferecimento de denúncia em desfavor do Paciente, carece a ação penal instaurada de justa causa, sendo impositiva a concessão da ordem, com fito de trancamento da ação penal. 23. Parecer ministerial pela denegação da ordem. ORDEM CONHECIDA, COM DETERMINAÇÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos esses autos de habeas corpus nº 8033793-41.2021.805.0000, da Vara Criminal da Comarca de Guanambi/BA, sendo Impetrantes os Béis. Alekssander Rosseau Antônio Fernandes e Alexandre Fernandes Magalhães e Paciente Aldo Berto Castro. ACORDAM os Desembargadores integrantes da 2ª Turma da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à maioria, em conceder a ordem impetrada, determinando o trancamento da ação penal de origem, ante a verificação da inexistência de indícios mínimos de autoria, nos termos do voto.