TRE-CE - : Acórdão XXXXX ALTO SANTO - CE XXXXX
ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. REUNIDAS E CONEXAS. PRELIMINARES. SENTENÇA CITRA PETITA. REJEITADA. NULIDADE. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. REJEITADA. MÉRITO. COTAS DE GÊNERO. ART. 10 , § 3º , DA LEI Nº 9.504 /97. COMPROVADA FRAUDE À LEI ELEITORAL . CANDIDATURAS FEMININAS FICTÍCIAS. ACERVO PROBATÓRIO ROBUSTO. INEQUÍVOCA INTENÇÃO DE BURLA À LEGISLAÇÃO. CASSAÇÃO. INELEGIBI L IDADE. NATUREZA PERSONALÍSSIMA. PRECEDENTES DO TSE. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Cuida-se de recurso interposto em razão do inconformismo dos recorrentes com a decisão de primeiro grau que reconheceu a prática de fraude à cota de gênero, estabelecida pelo art. 10 , § 3º , da Lei das Eleicoes . 2. Na sentença recorrida foi reconhecida a indigitada fraude quanto a duas candidaturas femininas registradas pelo PDT de Alto Santo/CE, ao cargo de vereadora nas Eleições 2020. 3. Inegável que fomentar e ampliar a participação feminina na política é um dos grandes desafios da democracia brasileira. 4. A fraude na cota de gênero de candidaturas, infelizmente, ainda ocorre de forma corriqueira no cenário eleitoral, notadamente diante da reconhecida dificuldade de se localizar mulheres com interesse político, ante o itinerário histórico percorrido, o que reclama enérgica atuação da Justiça Eleitoral no intuito de assegurar a execução do real objetivo do legislador. Preliminar - Sentença citra petita 5. Afirmam os recorrentes ser a sentença citra petita, por não ter abordado três teses de defesa por eles levantadas. Todavia, rejeitada a preliminar, porque, além de ter havido o enfrentamento de tais teses, não se pode confundir sentença citra petita com aquela em que o Juiz deixou de se manifestar sobre alguns pontos levantados pela defesa, mas muito bem expôs suas razões de decidir, pois, nesta segunda situação, inexiste defeito no decisum. Preliminar - Nulidade por falta de citação 6. Alega o recorrente a nulidade do processo, por falta de citação, pois não se pode "falar de citação de membro do partido, mas sim da sigla partidária em si", o que, segundo alega, não ocorreu. Não assiste razão aos recorrentes. A tesoureira à época recebeu a citação como representante do partido recorrente e tinha capacidade para receber tal comunicação, e, mesmo que não tivesse poderes para representar, a agremiação apresentou contestação, com procuração assinada por sua presidente, o que supriria a falta de citação, nos termos do art. 239 , § 1º , do CPC . Mérito 7. A Corte Superior Eleitoral - no julgamento do REspe XXXXX-92/PI , sob a Relatoria do Ministro Jorge Mussi, DJE de 4/10/2019, leading case do assunto - , definiu balizas para o reconhecimento de fraude mediante candidaturas femininas fictícias. 8. Em privilégio ao princípio in dubio pro sufragio, a prova de fraude na cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso, a denotar o incontroverso objetivo de burlar a isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10 , § 3º , da Lei 9.504 /97. 9. Imprescindível, portanto, a demonstração segura da existência de candidaturas "laranja" e/ou fictícias, lançadas apenas para compor a cota de gênero exigida por lei. 10. Não se exige uma candidatura viável, do ponto de vista de potencial de votos a ser aferido naquele momento que antecede a convenção e registro, mas sim que a candidatura seja real, sendo importante para tanto a verificação dessa intenção, o que pode ocorrer em diversos momentos. 11. A fraude deve ser provada, e para tanto é possível averiguar se a soma de circunstâncias revelam sua ocorrência, apontando uma situação de aparência de candidatura. A fraude pode se evidenciar ainda na convenção e registro, como também na campanha propriamente dita e, ainda, na prestação de contas e pelo resultado obtido. A prova de que a candidatura foi efetiva pode se dar mediante atos contemporâneos à précampanha e ausentes estes, a comprovação dos atos de campanha também podem revelar ser a candidatura real, e também a efetivação de gastos e até o resultado. 12. A fraude ocorre quando do registro, com a formação das chapas, contendo candidaturas fictícias, mas as evidências surgem em momentos posteriores, principalmente exteriorizadas pelo resultado das urnas, revelando votação ínfima e até inexistente, levando às demais, no caso a ausência de campanha efetiva e de gastos ou então a maquiagem contábil. 13. São evidências de fraude nos presentes autos: i) ausência total de votação e outra candidata com apenas dois votos; ii) existência de vínculo de familiar de uma das candidatas com candidato do mesmo partido e concorrente ao mesmo cargo e, ainda, marido da candidata; iii) apoio em redes sociais a outros candidatos; iv) ausência de receitas e despesas de campanha até o dia 23/10/2020; v) registro de gasto e arrecadação de recursos, declarados somente na prestação de contas final, nos valores de R$ 30,00 (trinta reais) e R$ 32,50 (trinta e dois reais e cinquenta centavos), para publicidade por adesivos; vi) doação de uma das candidatas em favor de seu esposo, no dia 25/11/2020; vii) ausência no banner afixado no comitê central, onde figuram todos candidatos, 14. Ausência de provas de que as candidatas participaram da convenção e praticaram atos de início de campanha e que distribuíram santinhos e adesivos, cuja contratação se deu somente na véspera do pleito, o que impede o reconhecimento da desistência tácita. 15. Há um concatenado de situações que, quando somadas, permitem inferir a certeza da ocorrência da fraude na cota de gênero. 16. O percentual instituído pela norma tem a intenção de incrementar a participação feminina, mas não somente para exigir um número mínimo de candidatas e sim para espelhar uma projeção de êxito e uma formação das casas legislativas com um percentual aproximado ao da cota ali estabelecida. 17. Permitir que dentre o percentual estabelecido pela norma fosse aceitável desconsiderar evidências de fraude para não prejudicar outra candidata do gênero feminino seria admitir que a cota não existe ou que é somente um número aleatório. Apenas para ilustrar, se tal entendimento fosse seguido, as candidaturas femininas dos recorrentes representariam apenas 18,18 % (duas candidatas no universo total de onze candidaturas). 18. A gravidade das sanções não pode impedir o reconhecimento da fraude e nem permitir se afastar a fraude com base na análise de um padrão de comportamento do partido, o que poderia ocorrer mediante a consideração da votação de uma única candidatura feminina. O requerimento (DRAP) é coletivo e a fraude enseja nulidade de todas candidaturas, pois houve ofensa à cota. 19. O Tribunal Superior Eleitoral decidiu que "o círculo vicioso não se afasta com a glosa apenas parcial, pois a negativa dos registros após a data do pleito implica o aproveitamento dos votos em favor das legendas (art. 175 , §§ 3º e 4º , do Código Eleitoral ), evidenciando-se, mais uma vez, o inquestionável benefício auferido com a fraude" (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 060046112 , Acórdão, Relator (a) Min. Luís Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 155, Data 05/08/2020). 20. O padrão de comportamento somente pode ser tomado como um dos fundamentos para afastar a incidência das sanções quando tiver o poder de afastar os indícios e/ou evidências, ou seja, para afastar a robustez das provas. Entretanto, caso a fraude esteja suficientemente comprovada, o simples padrão de comportamento não pode afastar a incidência das sanções. 21. Acervo probatório robusto e convincente. 22. "Com a verificação da fraude à quota de gênero, é possível determinar a cassação de toda a coligação. Da forma em que apresentado, aliás, nem sequer o DRAP seria deferido porque a observância da cota de gênero é condição para a participação da coligação na disputa eleitoral." ( Recurso Especial Eleitoral nº 162 , Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 127, Data 29/06/2020, Página 49/59). 23. A jurisprudência do TSE e deste Regional, como citado acima, é no sentido de que a consequência da fraude à cota de gênero é a cassação de todos os candidatos vinculados ao DRAP, independentemente de prova da sua participação, ciência ou anuência. 24. Prescindível, assim, diferentemente do que sustentam e tentam fazer crer os recorrentes, a participação ou anuência de todos os candidatos integrantes do DRAP para seja reconhecida a fraude e para que sejam cassados todos os mandatos eventualmente conquistados. 25. Ainda que a fraude se limite a certas candidatas, a glosa parcial compensaria o risco consistente no lançamento de candidaturas laranjas, pois não haveria prejuízo para partidos, coligações e candidatos que viessem a ser eleitos e posteriormente descobertos pelo ato. Apenas incidiriam as sanções em quem realmente não pretendia participar do processo eleitoral, o que não resultaria razoável. 26. Diferentemente da inelegibilidade, que constitui sanção personalíssima, devendo alcançar somente quem cometeu, participou ou anuiu com a prática ilícita, e não ao mero beneficiário, como bem a aplicou o Juiz de primeiro grau. 27. Recurso conhecido e desprovido. Sentença integralmente mantida.