Apelação. Roubo majorado pelo concurso de agentes. Sentença condenatória. Recursos defensivos. Preliminares. Ilegalidade da prisão em flagrante. Ilicitude probatória. Violação do direito a não autoincriminação. Nulidade do reconhecimento. Violação do procedimento previsto pelo art. 226 do Código de Processo Penal . Nulidade da audiência de instrução, debates e julgamento. Mérito. Pleito de absolvição por insuficiência probatória. Pleitos subsidiários: a) afastamento da causa de aumento do concurso de agentes; b) afastamento da agravante relativa à situação de calamidade pública; c) fixação do regime inicial semiaberto. 1. Justiça Gratuita. Cabimento. Presunção de insuficiência de recursos do réu, nos termos do artigo 99 , § 3º , do Código de Processo Civil . 2. Da alegação de ilegalidade da prisão em flagrante. Violência policial. Afastamento. Inexistência de elementos suficientes a indicar a prática de agressões pelos policiais. Eventual excesso que não afasta a configuração da conduta dolosa precedente. Apuração de eventuais abusos que deve ser objeto de procedimento próprio. Determinação de expedição de ofício à Corregedoria da Polícia do Estado de São Paulo. 3. Da alegação de ilegalidade da lavratura do auto de prisão em flagrante. Ausência de comunicação à família e à defesa. Afastamento. Termo de interrogatório do acusado. Disposição sobre o direito de comunicação expressa à família e à defesa. Comunicação do flagrante à Defensoria Pública. Apresentação de pedido de concessão de liberdade provisória pela Defensoria Pública. Ausência de qualquer questionamento sobre a ilegalidade da prisão em flagrante. Questão superada com a imposição da prisão preventiva. 4. Da alegação de nulidade do interrogatório. Inobservância do procedimento previsto no art. 187 , do Código de Processo Penal . Afastamento. Ato processual que, embora não tenha observado todas as etapas previstas, atingiu sua finalidade. Exercício efetivo do direito de autodefesa. Precedente deste E. Tribunal de Justiça. 5. Da alegação de nulidade da audiência de instrução, debates e julgamento. Violação do procedimento previsto no art. 212 , do Código de Processo Penal . 5.1. A simples antecipação do juiz na produção da prova oral não expressa, de partida, uma violação do sistema acusatório, ou mesmo o comprometimento do atributo da imparcialidade. O problema não se encerra na iniciativa, mas sim na forma de sua realização. A exploração dos registros de memória da testemunha subtrai do acusador a atividade que lhe é reservada em decorrência do ônus probatório que lhe é imposto pelo princípio constitucional da presunção de inocência. É, portanto, na forma do proceder que resta o comprometimento da imparcialidade objetiva. Foi esta a percepção que ditou a redação do art. 3-A, incorporado pela Lei 13.964 /2019 e cuja eficácia foi indevidamente suspensa. O dispositivo admite a iniciativa instrutória do juiz, vedando, contudo, a "substituição da atuação probatória do órgão de acusação". A questão é, portanto, de intensidade. 5.2. Hipótese em que o juiz, após tomar o compromisso das testemunhas, que haviam sido arroladas pela acusação, convidou-as a fazer uma breve exposição sobre os fatos que se recordava. Após o breve relato, formulou algumas perguntas e deu oportunidade às partes para a inquirição direta da testemunha. Conduta legal da autoridade judiciária. De um lado, buscou estimular a testemunha à evocação espontânea de sua memória. Cuida-se de importante técnica que minimiza os riscos das falsas memórias. De outro, buscou assegurar a observância dos limites dados pelo thema probandum. Subtração da atuação probatória reservada ao órgão acusador não evidenciada. Violação do sistema acusatório não caracterizada. Não comprometimento da imparcialidade objetiva. 5.3. Nova redação do art. 212 do Código de Processo Penal que incorpora dinâmica própria do processo adversarial, no qual reserva-se às partes o protagonismo na gestão do processo e, especialmente, na produção da prova. Interesse das partes na exploração dos meios de prova como forma de fixar, na mente do julgador, a sua visão sobre os fatos e os termos da imputação. 5.4. Hipótese em que a antecipação do juiz não representou uma inquirição antecipada ou mesmo subtração do movimento das partes, mas sim um estímulo à evocação voluntária dos traços da memória da testemunha. Não identificação de prejuízo que sequer foi especificado pela defesa em sede de recurso. Defensora que nada perguntou à testemunha dando-se por satisfeita com as respostas que haviam sido dadas à juíza e à defesa dos corréus. Nulidade não configurada. 6. Da alegação de ilicitude probatória. Confissão informal quanto à prática do delito de roubo. Violação ao direito ao silêncio. Qualquer pessoa tem o direito de permanecer em silêncio, de não declarar qualquer informação que resulte em auto-incriminação. Art. 5º , inciso LXIII , da Constituição Federal e art. 8.2.g, da Convenção Americana de Direitos Humanos. Norma de eficácia imediata, direito que independe de regulamentação por norma infraconstitucional. Necessidade de advertência ao direito ao silêncio em qualquer fase da persecução penal e por qualquer agente estatal. Precedentes da Suprema Corte norte-americana, da Corte Interamericana de Direitos Humanos e dos Tribunais Superiores Pátrios. Inadmissibilidade da prova ilícita. 7. Reconhecimento do réu. Procedimento probatório previsto no art. 226 , do Código de Processo Penal . Inobservância. Ausência de justificativa dada pela autoridade policial. A par da inobservância estrita dos requisitos legais, não houve apresentação de justificativa quanto à eventual impossibilidade de cumprimento do procedimento probatório. A ausência de justificativa não permite que se infira a impossibilidade material de atendimento dos padrões normativos que conferem ao ato processual o selo da validade. O desenho procedimental não constitui mera recomendação cuja observância resida no campo de escolha das autoridades responsáveis pela condução da persecução. Representam mandamentos cujo cumprimento se coloca no campo da imperatividade, salvaguardada situação concreta de impedimento. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Ilegitimidade probatória. Vítima que, em procedimento probatório válido em juízo, afirmou não ter condições de reconhecer qualquer das pessoas que lhe foram apresentadas. 8. Absolvição por insuficiência de provas. Afastamento da legalidade da confissão informal. Imprestabilidade do reconhecimento realizado em sede policial. Não reconhecimento dos réus pela vítima sob o crivo do contraditório. Não oitiva dos policiais militares que teriam perseguido o veículo roubado, logo após a prática delituosa. Oitiva, tão somente, dos policiais que foram responsáveis pela prisão dos réus. Suposta indicação da direção tomada pelos ocupantes do veículo quando da fuga a pé dada por transeunte. Pessoa que não foi identificada, impossibilitando a sua oitiva. Réus que teriam sido encontrados escondidos no interior de uma residência. Ausência de identificação do morador, inviabilizando a sua oitiva para confirmação daquele relato. Laudo pericial papiloscópico que não indicou a presença de vestígios papilares correspondentes a dos réus no automóvel roubado. Réus que não foram encontrados na posse da res furtiva ou de qualquer instrumento que pudesse vinculá-los à prática delitiva. Res furtiva encontrada abandonada em via pública. Insuficiência probatória. Absolvição de rigor, nos termos do art. 386 , inciso VII , do CPP . 9. Recursos conhecidos e providos.