Ementa: AÇÃO RESCISÓRIA. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ADMISSÃO. MATRÍCULA. CURSO DE FORMAÇÃO DE PRAÇAS DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO DISTRITO FEDERAL - CBMDF. CABIMENTO. NATUREZA EXCEPCIONAL. PROPOSITURA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. ERRO DE FATO. FATO RELEVANTE. EXISTÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO NO JULGAMENTO. ACÓRDÃO. EDITAL. LEI DO CONCURSO PÚBLICO. METAPRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. PRINCÍPIOS. LEGALIDADE. MORALIDADE. PUBLICIDADE. CONFIANÇA LEGÍTIMA. SEGURANÇA JURÍDICA. BOA-FÉ OBJETIVA. VINCULAÇÃO AO EDITAL. REGRAS. ALTERAÇÃO. LIMITE. ANTES DO INÍCIO DA COMPETIÇÃO. MODIFICAÇÕES POSTERIORES. VEDAÇÃO. OBJETO DO CERTAME. MATRÍCULA NO CURSO DE FORMAÇÃO. ETAPAS. PREVISÃO ATÉ A SINDICÂNCIA DE VIDA PREGRESSA. CURSO NÃO PREVISTO NO EDITAL COMO ETAPA DO CONCURSO. ELIMINAÇÃO COM BASE NAS REGRAS DO EDITAL. FATOS POSTERIORES À APROVAÇÃO DO AUTOR. APURAÇÃO DE OFÍCIO. ILEGALIDADE. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. IMPRESCINDIBILIDADE. APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. RESIDÊNCIA ATUAL (EM GOIÁS) E A DOS ÚLTIMOS CINCO ANOS (NO DISTRITO FEDERAL). PREVISÃO NO EDITAL INAUGURAL. EDITAL DE CONVOCAÇÃO. PREVISÃO APENAS DA CERTIDÃO DO DOMICÍLIO ATUAL. DÚVIDA RAZOÁVEL. CONSULTA PRÉVIA À CORPORAÇÃO ACERCA DA EXIGIBILIDADE DAS CERTIDÕES. INIDONEIDADE MORAL. ESTRATAGEMA OU TENTATIVA DE OCULTAR INQUÉRITO EM TRAMITAÇÃO NO DISTRITO FEDERAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. APROVAÇÃO NA ÚLTIMA ETAPA (SINDICÂNCIA DE VIDA PREGRESSA) POR SUAS VEZES. IMPUTAÇÃO AO AUTOR. EXCLUSÃO, DE OFÍCIO, PELO COMANDANTE-GERAL DA CMBDF POR CONDUTA INCOMPATÍVEL. ILEGALIDADE. DESCONSIDERAÇÃO NO JULGAMENTO ANTERIOR. PRINCÍPIOS DA VINCULAÇÃO AO EDITAL, DA CONFIANÇA LEGÍTIMA E DA SEGURANÇA JURÍDICA. VIOLAÇÃO. ERRO DE FATO. CONFIGURAÇÃO. REINCORPORAÇÃO DO AUTOR. NECESSIDADE. 1. O cabimento da ação rescisória se restringe às decisões de mérito ou as terminativas que impeçam a nova propositura da demanda ou a admissibilidade do recurso correspondente, nos termos e hipóteses do art. 966 , caput e § 2º , do CPC . O erro de fato verificável do exame dos autos é aquele em que o juiz, ao analisar as provas dos autos, por equívoco, não se pronuncia sobre um fato ocorrido ou reconhece fato inexistente. Finalmente, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o ponto controvertido deve ser relevante para o julgamento da causa originária e não pode ter sido objeto de análise pelo juízo. 2. Não se admite ação rescisória para revisão da apreciação da prova ou do fato, uma vez que é instrumento processual de natureza excepcionalíssima e não se presta a eventual correção da injustiça da decisão transitada em julgado. O inconformismo das partes com o resultado do julgamento não autoriza a propositura da ação rescisória, sob pena de equipará-la a recurso ou a sucedâneo recursal e de eternizar, indevidamente, a solução da lide. 3. É senso comum e consenso jurídico afirmar que o edital ?é a lei do concurso público?. O art 1º da Constituição Federal - CF instituiu o metaprincípio democrático como fundamento da República Federativa do Brasil. Os seus arts. 5º, I e 37, II, estabelecem, em especial, os princípios da legalidade, da isonomia, da moralidade administrativa, da publicidade e da obrigatoriedade do concurso público para provimento de cargos públicos de provimento efetivo e empregos públicos. Deles derivam os princípios da juridicidade, da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da confiança legítima. 4. O produto desse conjunto normativo é o princípio da vinculação ao edital do concurso público, que, em síntese, segundo o qual o Estado e os candidatos se vinculam às regras previamente estabelecidas, de caráter cogente. Além disso, impõe ao Estado os seguintes deveres de abstenção: 1) antes do início da competição, divulgar prévia e publicamente eventuais alterações do edital; 2) após o início do certame, a abstenção de incluir ou alterar das regras editalícias; 3) vedação de emprego quaisquer meios, argumentos ou interpretações que visem a burlar ou a não aplicar as normas do concurso público. 5. Nos termos do edital, o objeto do certame é a aprovação de candidatos para matrícula no Curso de Formação de Praças Bombeiros Militares, realizado pela banca examinadora, e pela CBMDF, em seis etapas: a última delas é a sindicância de vida pregressa e investigação social, de caráter eliminatório. Tais cláusulas transparecem que o concurso visou apenas a possibilidade de matrícula ao Curso de Formação de Praças Bombeiros Militares do Distrito Federal. Logo, o próprio Curso de Formação, após a matrícula, não foi contemplado como fase ou etapa deste certame, especificamente. Essa conclusão decorre também do item que dispõe que, a CBMDF será a responsável pela análise da sexta etapa, de sindicância de vida pregressa, em que indicará ou contraindicará o candidato. Após, o resultado será encaminhado para publicação e, ao final, para aqueles que forem considerados aptos, serão incorporados como praças da instituição militar. 6. O tribunal não se manifestou quanto a fundamento relevante, suficiente para que fosse possível julgamento em sentido contrário: a realização do curso de formação não consta do edital como etapa do concurso público. O certame se limitou à análise da sindicância de vida pregressa e às investigações social e funcional, por parte do CBMDF. 7. Está demonstrado que o autor foi julgado apto no certame, admitido no curso de formação, e finalmente incorporado na instituição militar na condição de Soldado Bombeiro Militar de 2ª Categoria, momento em que passou a receber vencimentos como tal, durante a realização do curso de formação, após o término do processo seletivo e após a avaliação de todos os documentos necessários, conforme previsto no edital específico de convocação. Inclusive, há nos autos diploma do Centro de Formação, Aperfeiçoamento e Especialização de Praças. 8. Embora a conclusão do curso de formação, após o término do concurso, tenha sido viabilizada por decisão liminar no mandado de segurança, (posteriormente revogada na sentença), esses elementos não deixam dúvida de que o autor não estava mais submetido às regras do concurso público. A formação do vínculo institucional com o autor se presume pela natureza do próprio ato de exclusão, determinado pelo Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (não pela banca examinadora), que anulou a incorporação pelos fundamentos de previsão do edital do concurso e de impeditivo de natureza moral. 9. Não procedem os argumentos do réu de que os cursos de formação de praças e de oficiais possuem natureza híbrida, mantido o caráter eliminatório como parte do concurso, ainda que impliquem ingresso na corporação. O parecer que orientou ao CBMDF a não mais ressalvar em seus editais a desvinculação do curso de formação de praças como etapa do concurso público, como antes era feito, contraria diretamente o princípio da transparência, uma vez que tal ressalva não consta da legislação e do edital. Além disso, não foi demonstrado o caráter vinculante do parecer. 10. O parecer deixou claro que corporação não deve informar - ou deve deixar de informar - que existe a separação entre o concurso público para fins de matrícula e a incorporação dos candidatos como militares no curso de formação, conduta essa que não pode ser admitida pela Administração Pública. Tal procedimento viola os princípios da publicidade, da boa-fé objetiva, da confiança legítima e da vinculação ao edital. Logo, nenhum candidato desse concurso pode ser submetido à possibilidade de ter sua aprovação revertida no curso de formação que, repita-se, não é fase do concurso, cujo objeto se exauriu na realização das matrículas no curso de formação de praças. 11. O acórdão rescindendo desconsiderou que o próprio CBMDF, em duas oportunidades, aprovou o autor e o considerou apto nas etapas de sindicância da vida pregressa e de investigações social e funcional: no resultado final do concurso (dezembro de 2017) e no momento de sua convocação (maio de 2022). Uma vez que o curso de formação não é fase do concurso e pressupõe a efetiva incorporação do militar, a sua exclusão da força, por motivo de nulidade do ato administrativo admissional, exige, em princípio, o devido processo legal na esfera administrativa, com a garantia do contraditório e da ampla defesa, o que não ocorreu na hipótese. 12. Além disso, na hipótese, o tribunal também reconheceu por existente um fato inexistente, em razão questão fática desconsiderada no julgamento: a Chefia do Departamento de Recursos Humanos - DRH - da CBMDF, no ano de 2022, autorizou o autor a apresentar apenas a certidão de antecedentes criminais do domicílio à época da segunda convocação. 13. O acórdão considerou que, nos termos da fundamentação do Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, estava comprovada a ausência de idoneidade moral do autor, por estar caracterizada a ocultação dolosa do inquérito, pela não apresentação da certidão de antecedentes do TJDFT. Contudo, os autos permitem que se chegue a uma conclusão contrária da que consta do acórdão rescindendo. Foram desconsiderados erros sequenciais na avaliação da própria CBMDF na fase de sindicância de vida pregressa, que não pode ser imputada ao autor nem corrigida de ofício após a sua aprovação em todas as etapas, a título de falta de idoneidade moral. 14. Em primeiro lugar, o ato convocatório foi elaborado em desacordo com o Edital inaugural do concurso, único documento que prevê a necessidade de entrega de certidões de antecedentes criminais tanto do local de residência atual quanto de eventuais domicílios diversos nos cinco anos anteriores. Todavia, o edital específico de 2022 não exige a entrega de certidões de antecedentes criminais relativos aos 5 últimos anos de residência, apenas quanto ao local onde o candidato reside no momento da convocação. 15. A dúvida do autor quanto à apresentação das certidões é razoável. Tanto foi assim que o CBMDF o orientou, por meio do aplicativo eletrônico de mensagens, a apresentar antecedentes criminais apenas do local onde residia, em Águas Lindas de Goiás/GO, de acordo com o instrumento convocatório. Nessa linha de raciocínio, não é possível afirmar que o autor tentou omitir dados relevantes que pudessem comprometê-lo. Não estava obrigado, ao ser convocado para o curso de formação, a apresentar certidão de antecedentes criminais do deste tribunal, onde constava a existência de inquérito para apuração de violência doméstica contra sua ex-esposa em Taguatinga/DF. 16. Em segundo lugar, houve falha tanto da banca examinadora quanto da própria corporação militar quanto à devida avaliação da vida pregressa do autor. Os documentos da inicial demonstram que o autor foi submetido à primeira sindicância de vida pregressa no ano de 2017 e apresentou as certidões de antecedentes criminais da sua atual residência à época e dos 5 anos anteriores. Desde então, a CBMDF tinha ciência do domicílio anterior, tanto é que, após o término do certame e a aprovação do autor nas sindicâncias, o Comandante-Geral da CBMDF, no Curso de Formação realizou, de ofício, posteriores apurações para verificar a existência de ações criminais no Distrito Federal contra o autor. 17. O ato de exclusão do autor, já incorporado, de ofício, com base nos fundamentos apresentados, é ilegal, e deve ser anulado, por violar em especial os princípios da vinculação do edital, da confiança legítima e da segurança jurídica. A exclusão do autor dos quadros da CBMDF, após o término do processo seletivo e após a sua aprovação e indicação em duas sindicâncias de vida pregressa, só pode ocorrer mediante processo administrativo autônomo, sob a égide dos estatutos e regras aplicáveis aos integrantes do Corpo de Bombeiros Militares, não pelas regras do edital do concurso. 18. Reitere-se que o autor já havia sido aprovado na sindicância de vida pregressa por suas vezes, de modo que foi criada a expectativa legítima de realizar a matrícula e ser incorporado com praça do CBMDF. Além disso, os elementos dos autos afastam eventual estratagema para fins de ocultação da tramitação do inquérito policial no Distrito Federal. Ao contrário do que foi decidido, o último ato convocatório autoriza o candidato a apresentar certidão de antecedentes criminais apenas de seu domicílio mais recente, fato esse que favorece o autor, mas foi desconsiderado no acórdão. 19. Nos termos do art. 85, § 8ª-A, ?para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior?. Diante da ausência de pretensão condenatória por quantia certa e de critério legal de quantificação do valor da causa nos termos do art. 292 do CPC , os honorários de sucumbência devem ser arbitrados equitativamente, considerado o baixo valor da causa (R$ 100,00). 20. Embora constitucional, a aplicação do § 8º-A do art. 85 do CPC deve ser afastada quando, no caso concreto, revelar-se desarrazoada em face dos critérios previstos no § 2º, que devem sempre ser observados, conforme prevê o próprio § 8º. A tabela de honorários da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB é um referencial a ser seguido pelos juízes. Deve, entretanto, ser ponderado de acordo com as circunstâncias do caso concreto e em conformidade com os princípios da razoabilidade, racionalidade e acesso à justiça. Entender que a fixação de honorários pelo magistrado está sempre vinculada aos parâmetros de valores estabelecidos pelos Conselhos Seccionais da OAB é o mesmo que afastar o juízo de equidade e negar vigência ao próprio art. 85 , § 8º , do CPC . 21. A ação foi ajuizada em 30/11/2023 e a causa possui natureza relativamente simples, por exigir apenas o reexame da prova documental juntada pelo autor e pelo réu. De acordo com os critérios do art. 85 , § 2º , do CPC , bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, ao considerar a complexidade da demanda, o trabalho dos advogados (petição inicial, contestação e réplica) e o tempo exigido do serviço (menos de 4 meses), fixo os honorários advocatícios no valor de R$ 5.000,00, a serem pagos, pelos réus, aos advogados do autor. 22. Ação rescisória julgada procedente. Honorários advocatícios arbitrados por equidade.