PENAL. PROCESSO PENAL. LATROCÍNIO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. PROVIMENTO DO RECURSO EM FACE DA AUSÊNCIA DE PROVAS DO ANIMUS FURANDI. PRESENÇA DE ANIMUS NECANDI. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE LATROCÍNIO. EMENDATIO LIBELLI. DESCLASSIFICAÇÃO PARA DELITO DE HOMICÍDIO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. 1. Trata-se de apelação interposta pela defesa de Carlos César Moreira da Silva , contra sentença que o condenou à pena de 23 (vinte e três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, por afronta ao disposto no art. 157 , § 3º , II do Código Penal . Em suas razões recursais, págs. 275/278, a defesa requer a absolvição do réu argumentando ausência de provas suficientes para um decreto condenatório. 2. Após análise do cotejo probatório, Compreende-se a seguinte narrativa fática: a testemunha Cristiane estava no local do crime realizando ¿programa¿ e que tinha como cliente a vítima Airton . No mesmo local, fazia programa o acusado que teria feito programa com a vítima e este teria se negado a pagar o valor. De acordo com o relato da testemunha, ao tentar cobrá-lo e subtrair seu dinheiro, e este se recursar a pagar, entraram em vias de fato que resultou na morte do acusado mediante duas perfurações de faca. 3. A versão da acusação se baseia na testemunha de acusação que presenciou o fato. O acusado, inobstante apresente uma versão semelhante traz algumas diferenças quanto à arma utilizada no crime, que afirma ser da vítima e que ela teria sacado a arma primeiro ao passo que a testemunha afirma que a arma era do acusado e que ele a apresentou para cometer o crime. 4. O acusado na delegacia apresentou uma versão de certa forma contraditória na medida em que afirma que a vítima fez programa com ele pela quantia de R$ 10,00 (dez reais) e que se recusou a pagar e que ao cobrá-lo ele puxou uma faca e que entraram em vias de fato e caiu por cima da faca, afirmando que não o perfurou. Contudo, no mesmo depoimento aduz que confessou aos policiais que furou a vítima por duas vezes porque ele não o pagou. 5. Dessa forma, a versão do acusado produzida apenas em inquérito vai de encontro ao que sustenta a acusação, no sentido de que o acusado teria cobrado o valor do programa realizado e a vítima ao ser cobrado teria se recusado. 6. A acusação faz prova no sentido de atestar inequivocamente a materialidade e há elementos da autoria a partir do depoimento do policial que em juízo afirmou que pessoas deram a descrição do acusado que teria entrado no matagal com a vítima e uma outra mulher. Esta mulher que seria Cristiane (vulgo Barbinha ) afirma que o acusado cobrou o dinheiro da vítima e que ao se recusar foi perfurada duas vezes. 7. Em crimes patrimoniais, em que há a intenção de subtração da coisa, o elemento subjetivo que norteia o agente deve ser o animus furandi, que diz respeito à subtração. Inobstante hajam elementos da autoria e materialidade, o elemento subjetivo que ao meu sentir consta nos autos seria o animus necandi, quando há intenção de matar, pois o acusado segundo os elementos indiciários produzidos o acusado teria ceifado a vida da vítima pois esta se recusou a pagá-lo pelo programa que teriam realizado. 8. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "o resultado morte está no desdobramento causal dos fatos inerentes ao tipo penal de latrocínio, previsto no art. 157 , § 3º , do Código Penal , quando há vontade livre e consciente de matar para obter a res furtiva, ou para assegurar-lhe a posse ou a impunidade do agente" ( REsp n. 1.687.614/SP , relator Ministro Sebastião Reis Júnior , Sexta Turma, julgado em 6/3/2018, DJe de 14/3/2018.) 9. É certo que nos termos da Súmula nº 614 do Supremo Tribunal Federal, há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima, contudo, é necessário que a morte seja cometida através de emprego de violência à pessoa para possibilitar a subtração da coisa (matar alguém para subtrair seus bens); ou para após o roubo assegurar a posse do bem (matar alguém para fugir com o bem roubado); ou para assegurar a impunidade do roubo (matar a vítima para não ser reconhecido posteriormente. Em síntese, a existência de latrocínio reclama a morte com fruto da violência à pessoa empregada no contexto e em razão do roubo. 10. Assim, medida que se impõe é a desclassificação do delito de latrocínio imputado para o delito de homicídio em face de nova definição jurídica atribuída aos fatos contidos na exordial nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal que diz: O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave. Complementa o § 2o do mesmo dispositivo: Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos. Neste sentido, destaco ainda o art. 617 do CPP . 11. Diante do exposto, não demonstrada a intenção primeva patrimonial do apelante, dolo necessário para se caracterizar o delito de latrocínio, a desclassificação para o crime de competência do Tribunal do Júri, inclusive, para a capitulação adequada do delito praticado e qualificadoras porventura existentes, é medida que se impõe. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DE OFÍCIO, ANULADA A SENTENÇA E DETERMINADA A DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME COM A REMESSA AO TRIBUNAL DO JÚRI. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº XXXXX-44.2019.8.06.0167 , ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade, em conhecer do recurso e DAR-LHE IMPROVIMENTO. De ofício, anulada a sentença condenatória e determinada a desclassificação da conduta imputada ao acusado, determinando a remessa do feito para o egrégio Tribunal do Júri da Comarca de Sobral para novo processamento, com fundamento no art. 383 , § 2º do CPP . Fortaleza, 14 de maio de 2024. DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO Relator