EMENTA: RECURSO INOMINADO. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO ILÍCITO. CHEQUE. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. ART. 5º DA LEI 9.099 /95. PRÁTICA DE AGIOTAGEM NÃO COMPROVADA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Exordial. Trata-se de ação de locupletamento ilícito na qual o autor alega ser credor do requerido relativamente a dois cheques nominais não adimplidos no valor total e atualizado de R$26.625,80 (vinte e seis mil seiscentos e vinte e cinco reais e oitenta centavos). 2. Sentença - evento 19. Na origem, os pedidos exordiais foram julgados parcialmente procedentes, conforme parte dispositiva, a seguir transcrita: ?[?] Assim colocado, nos termos do artigo 485 , inciso VI do Código de Processo Civil , ACOLHO a a preliminar de ilegitimidade ativa do promovente com relação a cobrança do cheque nº SU - 501096, no valor de R$ 8.750,00 (oito mil, setecentos e cinquenta reais) emitido em 26/03/2021 e consequentemente JULGO EXTINTO o feito em relação a este, sem resolução do mérito. Outrossim, com fulcro no artigo 487 , inciso I , do Código de Processo Civil , JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na inicial para CONDENAR o requerido ao pagamento à parte autora da importância de R$ 8.750,00 (oito mil, setecentos e cinquenta reais), representada pelo cheque nº SU ? 501098, emitido em 26/05/2021 (Itaú Unibanco S/A). Sobre esse quantum, incidirá correção monetária pelos índices usuais do INPC-IBGE desde a data de emissão da cártula e de juros de mora à taxa legal de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação. [?]?. 3. Recurso Inominado - evento 22. Irresignada, a parte reclamada interpôs recurso inominado alegando a necessidade de cassação da sentença proferida, uma vez que houve cerceamento de defesa, eis que não foi designada audiência de instrução e julgamento, e, no mérito, que seja reconhecida a prática de agiotagem. 4. Contrarrazões - evento 29. A parte recorrida refutou os argumentos do recurso inominado, pugnando pela manutenção da sentença. 5. Recurso próprio, tempestivo e preparo devidamente recolhido. Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. 6. Fundamentos do reexame. 6.1. Inicialmente, importa salientar que para que se tenha por caracterizado o cerceamento de defesa em decorrência da ausência de dilação probatória, faz-se mister que, confrontadas as provas que foram requeridas com os demais elementos de convicção carreados ao processo, elas não só apresentem capacidade potencial de demonstrar o fato alegado, como também se mostrem indispensáveis à solução da controvérsia, sem o que fica legitimado o julgamento antecipado da lide.6.2. Na qualidade de destinatário principal, o magistrado não fica, em princípio, sujeito a este ou àquele tipo de prova, decidindo, conforme sua livre persuasão motivada, se as circunstâncias fáticas e jurídicas produzidas até então são seguras e suficientes ao desiderato. Destarte, resta evidente a fragilidade de suas alegações, inexistindo sequer indícios de tal prática, mormente porque, nos termos da jurisprudência consolidada sobre o tema, para a comprovação da agiotagem é necessário prova contundente nesse sentido, havendo que se provar incidência de juros abusivos e habitualidade dos empréstimos. 6.3. Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, decidiu: ?APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DO DEVEDOR. NOTA PROMISSÓRIA. PROVA TESTEMUNHAL. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE AGIOTAGEM. NÃO COMPROVAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Não há que se falar em cerceamento de defesa quando a prova pretendida pela parte é inútil ao deslinde da causa, em virtude de a matéria ser de direito e não ter sido suscitado qualquer fato que exija o alongamento da fase probatória. 2. A prática de agiotagem deve ser indubitavelmente demonstrada, principalmente quando se tratar de dívida consubstanciada em título de crédito revestido de certeza, liquidez e exigibilidade, o que não ocorreu no presente caso. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, APELACAO XXXXX-63.2015.8.09.0016 , Rel. ALAN SEBASTIÃO DE SENA CONCEIÇÃO , 5ª Câmara Cível, julgado em 29/04/2019, DJe de 29/04/2019).?6.4. Ademais, nesta mesma linha de raciocínio, insta esclarecer que o cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação, que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta no título como sacado em praça diversa, isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora. 6.5. Como é cediço, afigura-se juridicamente possível a cobrança de cheque prescrito, amparando a Lei ao credor a faculdade de ajuizar a ação cambial por locupletamento ilícito, no prazo de 2 (dois) anos, ou ação de cobrança fundada na relação causal, no prazo de 5 (cinco) anos, conforme inteligência dos artigos 61 e 62 da Lei 7.357 /85 ( REsp XXXXX/RJ , Rel. Ministra Nancy Andrighi , 3ª Turma, j. em 14/11/2017). 6.6. Nada obstante a parte devedora, poder apresentar provas tendentes a buscar desconstituir o direito de crédito apontado no aludido título, contudo, o recorrente assim não o fez, não tendo se desincumbido do seu ônus de provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da recorrida, nos termos do artigo 373 , inciso II , do Código de Processo Civil . 6.7. Com efeito, vê-se que foi alegada, a prática de agiotagem por parte da recorrida, sem que tenha sido apresentada qualquer prova neste sentido, inexistindo nos autos verossimilhança em suas alegações, uma vez que é imperioso afirmar que tal fato depende de comprovação por meios aptos e contundentes, não sendo suficiente a simples alegação desprovida de provas suficientes.6.8. Nesse sentido, essa 3ª Turma Recursal do Juizado Especial do Estado de Goiás, já decidiu: ?AÇÃO CAMBIAL DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. CHEQUES. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO CAUSA DEBENDI. ALEGAÇÃO DE PRÁTICA DE AGIOTAGEM. NÃO COMPROVAÇÃO. ÔNUS DE PROVA DA RÉ EMITENTE DO CHEQUE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA.1. Tratam os autos de ação cambial de enriquecimento ilícito de valores representados pelos cheques de nº 000099 e XXXXX, onde a parte autora alega ter se tornado credor das quantias neles representadas, nos valores de R$ 7.000,00 cada. Narra que ao levá-las à compensação, as mesmas foram devolvidas sob alínea 21, contudo, em que pese os esforços empreendidos, jamais recebeu a quantia devida.2. Sentença de primeiro grau que julgou pela improcedência dos pedidos inaugurais, por considerar o débito indevido, eis que oriundo de prática de agiotagem.3. Recurso da parte autora buscando a reforma do julgado, inicialmente sob afirmação de que não fora suprida omissão do julgado quando da oposição de embargos de declaração, tendo em vista ausência de fundamentação legal que exima o devedor de cumprir com a obrigação assumida decorrente de empréstimo de particular, no que tange ao valor principal, juros legais e atualização monetária, independentemente da suposta prática ou não de agiotagem no âmbito cível. Afirmou também que a sentença foi contraditória, já que houve outro entendimento no sentido de que caso o recorrente houvesse determinado o suposto recebimento de valor, seria possível o acolhimento parcial com a aplicação dos juros legais no valor efetivamente devido. Obtempera ainda que a sentença observou legislação diversa daquela invocada na petição inicial, eis que os fatos trazidos a julgamento estão previstos no art. 61 da Lei nº 7.357 /85 ( Lei do Cheque ), quando a sentença amparou-se no Decreto-Lei n. 22.626/33 ( Lei de Usura ). Argumenta a inexistência de comprovação de cobrança superior à taxa legal. Narra que a sentença padece de vício insanável, eis que avaliou provas constantes em outros autos que tramitaram perante o 9º Juizado, em ofensa ao princípio do contraditório. 4. No que importa a alegação de omissão e contradição, não avaliada na sentença, viu-se que o magistrado a quo conferiu a efetiva prestação jurisdicional avaliando a inexistência de omissão ou contradição no julgado, não havendo de se falar em nulidade do ato. 5. No que importa ao mérito da questão posta em julgamento, algumas considerações merecem destaque. O autor utiliza-se da ação cambiária para buscar reaver crédito representado por cheques emitidos e não honrados pela parte ré, a qual por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente. Prescrito o prazo para execução do cheque, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos a contar da prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento, conforme promovido pelo autor da demanda. 6. In casu, a ação de enriquecimento indevido de que se cogita, requer para o seu manejo apenas e tão-somente a posse do cheque. Na verdade, resta estabelecida uma presunção que transfere para o emitente a prova de que não houve, com a emissão da cártula, ganho patrimonial desprovido de amparo jurídico. De acordo com entendimento do STJ ?a posse de cheques que não foram honrados pelo emitente, exaurido o prazo de cobrança executiva das dívidas por eles representadas, é suficiente para a propositura da ação de locupletamento ilícito, presumindo-se em favor do autor a causa lícita das dívidas, o prejuízo sofrido pelo não pagamento e o enriquecimento do emitente, presunção que poderá ser elidida, por provas em contrário, a cargo do réu? ( REsp XXXXX/PR , 3ª T., rel. Min. Dias Trindade , RSTJ 47/440). 7. No que tange ao mote recursal, vê-se que o mérito da demanda diz respeito ao direito do autor em receber o crédito representado nas cártulas de sua posse, emitidas pela parte ré. Por outro lado, a parte ré argumentou que o autor não faz jus ao recebimento, eis que trata-se de prática de agiotagem. 8. A ação em tela conserva sua natureza cambial, dispensando o legítimo portador de demonstrar a existência do crédito estampado no cheque a partir de relação jurídica com o emitente. Sendo a ação de natureza cambial, porém ao mesmo tempo de caráter cognitivo, é preciso demarcar a matéria que pode ser objeto de conhecimento e o ônus probatório correspondente. Como resulta da própria dicção legal, a ação pode ser dirigida ao emitente ou outros obrigados que ?se locupletaram injustamente com o não-pagamento? do cheque. Dessa ambientação legal pode-se extrair, com total segurança, que o autor que detém título apto a legitimar o ingresso da ação não precisa demonstrar a origem do crédito cobrado, porém permite-se ao acionado comprovar que não se beneficiou, de alguma forma, com a emissão ou transferência da cártula. 9. Segundo justificou a parte ré, na verdade emprestou cártulas ao seu irmão, e o mesmo o repassou em negócios de compra e venda de veículos. A ré explanou em sua defesa que na realidade dos fatos, o autor é agiota e que os cheques objeto desta demanda foram emitidos para renegociar outros débitos do seu irmão com o autor, o qual envolvia duas outras cártulas nos valores de R$ 5.000,00, que sequer foram devolvidas, e inclusive foram objeto de outra demanda. A ré justificou que o cheque de nº 000100, restou compensado e foi realizada TED ao autor no valor de R$ 7.000,00 para liquidação do cheque 000099, e que o cheque 000101 estava sob responsabilidade de pagamento pela pessoa de Antônio Luiz Estevão , seu primo. 10. Entrementes, em que pese as alegações da parte ré, não há nos autos comprovação dos fatos extintivos do direito da parte autora, ônus de sua incumbência, por força do artigo 373 , II do CPC . De qualquer sorte, não há evidência mínima de que o objeto do presente feito é relativo à cobrança usurária (agiotagem), perecendo a alegação de nulidade da cobrança. Assim, deveria a ré comprovar o pagamento da dívida. 11. Verifica-se, contudo, que a ré limitou-se a argumentar situações sem lastro de comprovação. A TED realizada não possui pertinência e relevância tal a elidir sua responsabilidade à cobrança dos cheques e foi realizada por terceira pessoa, Fabiano Alves de Sousa (irmão da ré), bem como, os cheques que mencionou também foram emitidos por esse terceiro. Sabe-se que a parte ré afirma que emitiu os cheques em empréstimo ao seu irmão, mas se os emitiu é responsável pelos mesmos. E à míngua de outras provas que comprovassem não só a prática de agiotagem, mas também de que houve pagamento de qualquer das cártulas objeto da presente demanda, o pleito da parte autora apresenta-se procedente, devendo ser provido o seu recurso. 12. Conforme explanado, a ré não logrou êxito em comprovar os fatos extintivos do direito da parte autora, sendo legítima a ação em voga com vistas a cobrança dos cheques que a embasam. Nem mesmo a ausência de enriquecimento ilícito, a parte ré conseguiu demonstrar, e o que a tenha motivado a impor devolução das cártulas por sustação das mesmas. No mais, colaciono jurisprudência: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA. CHEQUES. PRÁTICA DE AGIOTAGEM POR PARTE DO EXEQUENTE NÃO COMPROVADA. PROVA TESTEMUNHAL INSUFICIENTE A DEMONSTRAR QUE OS CHEQUES SÃO ORIUNDOS DE COBRANÇA DOS JUROS ABUSIVOS. PRINCÍPIO DA IMEDIATIDADE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. ( Recurso Cível Nº 71006866727 , Quarta Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Luis Antonio Behrensdorf Gomes da Silva , Julgado em 17/08/2017). 13. Diante das circunstâncias acima declinadas, o caso é de reforma da sentença a quo, para julgar procedente o pedido inaugural, e condenar a parte ré a pagar à parte autora o valor de R$ 14.000,00 (quatorze mil reais), com juros de mora de 1% ao mês a partir da data da primeira apresentação à instituição financeira sacada, e correção monetária pelo índice do INPC, a partir da emissão de cada cártula (STJ, Tema 942, 2ª Seçao. Resp 1.556.834-SP , Relator Ministro Luis Felipe Salomão , julgado em 22/06/2016). 14. Recurso conhecido e provido. Sentença Reformada. (Recurso XXXXX-36.2017.8.09.0051 , Relator Héber Carlos De Oliveira , Julgado em 20/08/2020).? 6.9. Nessa esteira de considerações, em conformidade aos entendimentos acima explicitados, prevalece a exigibilidade do débito, restando mantida a sentença proferida.7. Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo-se inalterada a sentença recorrida, em seus demais termos, por seus próprios fundamentos.8. Condeno a parte Recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da condenação (art. 55 , caput, in fine, da Lei n.º 9.099 /95) 9. Advirta-se que se opostos embargos de declaração com caráter protelatório, será aplicada multa com fulcro no art. 1.026 , § 2º do Código de Processo Civil , se houver nítido propósito de rediscutir o mérito da controvérsia.