PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA GAB. DES. RICARDO VITAL DE ALMEIDA APELAÇÃO CRIMINAL Nº XXXXX-18.2022.8.15.2002 ORIGEM: 6ª Vara Criminal da Comarca da Capital RELATOR: Des. Frederico Martinho da Nóbrega Coutinho RELATOR PARA O ACÓRDÃO: Desembargador Ricardo Vital de Almeida APELANTE: Carlito Antônio da Silva ADVOGADO: Thiago Sávio Almeida Durand Gomes (OAB/PB nº. 21.175) APELADO: Ministério Público do Estado da Paraíba APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º , I E II , DA LEI Nº 8.137 /90 1 . CONDENAÇÃO . INSURGÊNCIA DO RÉU . 1. PLEITO ABSOLUTÓRIO. MATERIALIDADE . PRIMEIRA CONDUTA . FALTA DE LANÇAMENTO DE NOTA FISCAL DE AQUISIÇÃO NOS LIVROS PRÓPRIOS, REFERENTE AO EXERCÍCIO 2013 (JANEIRO E FEVEREIRO) E 2014 (MARÇO) . REALIZAÇÃO DE COMPRAS DE MERCADORIAS SEM O CORRESPONDENTE REGISTRO NO LIVRO DE ENTRADA. PRESUNÇÃO DE OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS SEM O PAGAMENTO DO ICMS. CONDUTA QUE SUBSOME-SE A DESCRITA NO ART. 1º ,II, DA LEI 8.137 /90. SEGUNDA CONDUTA. OMISSÃO DE SAÍDA DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS, NO EXERCÍCIO DE 2013, APURADA ATRAVÉS DE LEVANTAMENTO FINANCEIRO . CONDUTA QUE SE INSERE NO ART. 1º , I , DA LEI 8.137 /90. CRÉDITO FISCAL DEVIDAMENTE CONSTITUÍDO, COM INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA, APÓS REGULAR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INCABÍVEL A DISCUSSÃO QUANTO A VALIDADE DO PROCEDIMENTO DA SECRETARIA DE ESTADO DA RECEITA . OPORTUNIZADO AO ACUSADO, EM TODAS AS FASES, O EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. AUTORIA DEVIDAMENTE DEMONSTRADA . DOLO EVIDENCIADO. DELITOS QUE DISPENSAM A INDAGAÇÃO DA INTENÇÃO DA FRAUDE. PRESCINDIBILIDADE DE DOLO ESPECÍFICO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE . MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. 2. DOSIMETRIA DA PENA. ANÁLISE EX OFFICIO . PRIMEIRA FASE . PENA-BASE ESTABELECIDA NO MÍNIMO LEGAL. AUSÊNCIA DE CAUSAS MODIFICADORAS NAS SEGUNDA E TERCEIRA FASES. APLICAÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA NO PERCENTUAL DE 1/5 (UM QUINTO). REGIME INICIAL ABERTO BEM ESTABELECIDO . ESCORREITA SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR 02 RESTRITIVAS DE DIREITOS . 3. DESPROVIMENTO DO APELO. HARMONIA COM O PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA. – Depreende-se dos autos que Carlito Antônio da Silva , titular da empresa CARLITO ANTÔNIO DA SILVA ME. , inscrita no CNPJ sob o nº.14.XXXXX/0001-08, atualmente suspensa, foi autuado pela Secretaria da Receita do Governo do Estado da Paraíba por ter fraudado a fiscalização tributária e deixado de recolher o tributo ICMS, pelo que foi lavrado o Auto de Infração nº 93300008.09.00003173/2017-73 e instaurado o Procedimento Administrativo Tributário nº. XXXXX-4, que culminou com a inscrição do débito tributário em Dívida Ativa, aos 30/11/2016, sob a CDA de nº XXXXX38202110591, no valor original R$177.888,01 (cento e setenta e sete, oitocentos e oitenta e oito reais e um centavo), não havendo parcelamento ou pagamento da dívida. – O réu foi indiciado como incurso nos art. 1º , I e II , da Lei n.º 8.137 /90 c/c arts. 69 e 71 , caput , do Código Penal . Instruído o feito, a sentença , julgou parcialmente procedente a denúncia para absolvê-lo quanto ao crime disposto no art. 1º , I , da Lei n.º 8.137 /90, concernente ao exercício financeiro de 2014, considerando que a empresa era optante do SIMPLES NACIONAL e a conduta foi apurada através da técnica Conta Mercadorias, e condená-lo pela prática dos delitos dispostos no art. 1º , I e II , da Lei n.º 8.137 /90 , ocorridos no exercício financeiro 2013 (omissão de informação à autoridade fazendária) e nos meses de janeiro e fevereiro de 2013 e março de 2014 (fraude a fiscalização tributária omitindo operação em documento ou livro exigido pela lei fiscal). 1. In casu , a materialidade delitiva se encontra devidamente comprovada , notadamente pelas peças que compõem o procedimento administrativo fiscal nº 1867302017-4, principalmente, pelo Auto de Infração n.º 93300008.09.00003173/2017-73 de onde se extrai a descrição da infração e a fundamentação legal, e pelo lançamento definitivo do débito tributário, através da CDA nº XXXXX38202110591. – A materialidade dos delitos contra ordem tributária é, em regra, constatada com arrimo em apurações contábeis, previstas em legislação própria e que permitem ao Fisco Estadual detectar a ocorrência de omissões de informações, operações e fraudes à fiscalização tributária. Isso porque, considerando que o procedimento administrativo fiscal goza de presunção de veracidade, as informações nele presentes constituem prova idônea da materialidade dos crimes de sonegação fiscal. Entender diferente - desprestigiando a presunção de veracidade das omissões e fraudes, em especial quanto ao ICMS, constatadas através das apurações contábeis, previstas em legislação própria do Fisco Estadual -, seria fazer “letra morta”da legislação especial atinente aos crimes contra a ordem tributária. – Do STJ . “esta Corte Superior de Justiça pacificou o entendimento de que documentos produzidos na fase inquisitorial, como o processo administrativo tributário, por se sujeitarem ao contraditório diferido, podem ser utilizados como fundamento para a prolação de sentença condenatória , sem que tal procedimento implique ofensa ao disposto no artigo 155 do Código de Processo Penal ( AgRg no HC XXXXX/SP , Rel. Ministro JORGE MUSSI , QUINTA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 11/10/2017)'"( AgRg no AREsp n. 1.231.414/RS , relator Ministro Nefi Cordeiro , Sexta Turma, julgado em 18/9/2018, DJe de 25/9/2018). ( AgRg no AREsp n. 2.184.737/SP , relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro , Sexta Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 27/3/2023.) – Não houve recurso administrativo, ocorrendo a denominada coisa julgada administrativa. Lado outro, não se tem conhecimento de questionamentos judiciais na esfera cível. Logo, o Juízo Criminal não teria o condão de rever aspectos correlacionados com o mérito administrativo ou fases procedimentais . – A primeira conduta está inserta no art. 1º , II , da Lei nº. 8.137 /1990, “fraudar a fiscalização tributária, omitindo operação em livro exigido pela lei fiscal” , e consiste na ” FALTA DE LANÇAMENTO DE N.F. DE AQUISIÇÃO NOS LIVROS PRÓPRIOS >>. No caso em disceptação, a fiscalização constatou a realização de compras de mercadorias sem o correspondente registro no livro de Registro de Entradas, acarretando a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do ICMS, nos exercícios de 2013 (janeiro e fevereiro) de 2014 (março) . É verdade que a referida presunção é relativa, entretanto caberia ao autuado – detentor dos livros e documentos fiscais inerentes a sua empresa – provar a não realização do fato gerador, o que não ocorreu. A simples negativa não tem o condão de afastar o descumprimento da obrigação acessória. Ademais, após o julgamento administrativo, não houve insurgência, nem na esfera administrativa e nem na cível. – A segunda conduta está inserta no art. 1º , I , da Lei nº. 8.137 /1990, e consiste em “OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – LEVANTAMENTO FINANCEIRO>>. Na espécie, a fiscalização constatou omissões de saída, detectada através do levantamento financeiro do exercício de 2013 , é sabido que a presunção é relativa, cabendo ao autuado provar a não realização do fato gerador, e conforme se depreende do julgamento administrativo pela Gerência Executiva de Julgamento de Processos Fiscais- GESUP, o contribuinte juntou documentos que comprovaram que houve um prejuízo com mercadorias sujeitas à substituição tributária que repercute no Levantamento financeiro, sendo, diante do material probatório, excluído o prejuízo bruto no valor de R$50.691,72 do levantamento financeiro no exercício financeiro autuado , não elidindo, entretanto, completamente a acusação de omissão de saídas de mercadorias tributáveis no exercício 2013. – Outrossim, infere-se que, aos 07/04/2021, foi inscrito na Dívida Ativa, através do CDA nº XXXXX38202110591, o débito apurado no processo administrativo tributário nº. XXXXX-4 (Auto de Infração XXXXX.09.00003173/2017-73), no valor original de R$177.888,01 (cento e setenta e sete, oitocentos e oitenta e oito reais e um centavo), proveniente de ICMS, multa e correção. – A autoria , por sua vez, é inconteste, encontrando-se evidenciada pelas provas documentais carreadas aos autos, sobretudo pelo requerimento de empresário (Num. XXXXX - Pág. 48) , bem como pelo interrogatório do réu em Juízo, que comprovam que Carlito Antonio da Silva era o único responsável pela gestão da empresa CARLITO ANTONIO DA SILVA - ME. – Para a configuração do crime de sonegação fiscal, a jurisprudência dispensa a comprovação do dolo específico , contentando-se com o dolo genérico. Dessa forma, basta que o agente, ao administrar a sociedade empresária, fraude a fiscalização com a finalidade de suprimir ou reduzir tributo, não sendo necessário demonstrar o ânimo de se obter benefício indevido, ou seja, não é necessário provar um especial fim de agir. – Do TJPB . “Comete crimes contra a ordem tributária o agente que frauda a fiscalização tributária e deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, nos termos dos arts. 1º , II e 2º , II , da Lei nº 8.137 /90. 2. Para configuração do delito não é exigido o dolo específico, de forma que a atuação do agente não depende de sua vontade de querer, ou não, prejudicar o bem jurídico, sendo exigido, apenas, o enquadramento nos limites da tipificação feita pela norma. Entendimento norteado pelo Superior Tribunal de Justiça e, por conseguinte, adotado por esta Câmara Criminal . (TJPB - ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº XXXXX20168152002 , Câmara Especializada Criminal, Relator CARLOS EDUARDO LEITE LISBOA , j. em XXXXX-102018). – A levantada tese de dificuldade financeira não desobrigaria a prestação adequada das informações, permitindo a constituição do crédito tributário, ainda que restasse, posteriormente, inadimplido. Assim, não há como se conceber que possível privação financeira possa justificar a errônea anotação contábil da empresa com o fim de prejudicar a fiscalização tributária. Outrossim, a defesa não conseguiu comprovar que as dificuldades financeiras vivenciadas pela empresa tenham sido diferentes daquelas comuns a qualquer atividade de risco. – Quanto ao pleito de aplicação do princípio da insignificância no que concerne aos delitos previstos no art. 1º , II , da Lei n.º 8.137 /90, ocorrido nos meses de janeiro e fevereiro de 2013 e março de 2014, melhor sorte não assiste ao recorrente, porquanto a análise deve ser realizada de uma forma geral em relação ao crédito tributário lançado e não especificamente quanto às técnicas de apuração utilizadas. O crédito originário lançado na CDA nº XXXXX38202110591, cujo valor principal é de R$56.682,87 (cinquenta e seis mil, seiscentos e oitenta e dois reais e oitenta e sete centavos) , supera o patamar de 10 salários-mínimos, não havendo o atendimento à disposição contida no Dec./PB nº 34752 /17 2 , vigente no estado da Paraíba e utilizado como baliza para reconhecimento da inexpressividade da lesão jurídica provocada. – No que concerne ao pleito de que “ seja determinado o do montante tributável “ilicitamente” locupletado ao patrimônio do acusado para que, querendo, faça jus ao pagamento do tributo como forma de extinção da punibilidade” , tais valores devem ser requisitados perante a Secretaria de Estado da Receita, porquanto o débito tributário inscrito em Dívida Ativa, aos 07/04/2021, sob a CDA de nº XXXXX38202110591 3 , foi no valor original de R$177.888,01 (cento e setenta e sete, oitocentos e oitenta e oito reais e um centavo), sem notícias, até o presente, de parcelamento ou o pagamento da dívida . – Assim, devidamente comprovado o dolo, amoldando-se a conduta do acusado ao tipo penal previsto no art. 1º , I e II da Lei nº 8.137 /90, não há que se falar em absolvição, deve ser mantida a condenação. 2. A dosimetria da pena não foi objeto de insurgência, eis que o togado sentenciante observou de maneira categórica o sistema trifásico da reprimenda penal, obedecendo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. – Na primeira fase , após a análise favorável de todas as circunstâncias judiciais, a pena-base restou aplicada no mínimo legal, em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, a qual se tornou definitiva, ante a ausência de causas modificadoras nas segunda e terceira fases . – Considerando que o réu CARLITO ANTONIO DA SILVA cometeu pluralidade de fraudes à fiscalização fazendária, por serem crimes de mesma espécie e por terem sido praticados sob as mesmas condições, o magistrado de primeiro grau aplicou o beneplácito legal do crime continuado, para majorar a pena aplicada em 1/5 (um quinto), perfazendo uma pena final de 02 (dois) anos 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão e 12 (doze) dias multas , estas à base de 01 (um) salário mínimo à época dos fatos, devidamente atualizado quando do seu efetivo recolhimento – O regime inicial aberto para o cumprimento da pena foi bem estabelecido, a teor dos arts. 33, § 2º, c do Digesto Penal 4 , bem como a substituição da pena corporal por 02 (duas) restritivas de direitos , nos termos em que foram estabelecidas na sentença. 3. Recurso des provido. Harmonia com o parecer da Procuradoria de Justiça. VISTOS, relatados e discutidos estes autos. ACORDA a Câmara Especializada Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba, à maioria , em harmonia com o parecer da Procuradoria de Justiça, neg ar provimento ao apelo , nos termos do voto do relator para o Acórdão. 1 Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; […] Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa” Art. 2º Constitui crime da mesma natureza: I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;[…] Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. 2 Art. 1º. O Decreto nº 32.193, de 13 de junho de 2011, passa a vigorar com nova redação dada aos seguintes dispositivos: I - “caput e § 2º, do art. 1º: “Art. 1.º Para os fins do limite de alçada para ajuizamento de ação judicial de execução pela Procuradoria Geral do Estado, disposto nos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei nº 9.170, de 29 de junho de 2010, ficam os Procuradores de Estado, quando o valor atualizado do crédito inscrito em Dívida Ativa for igual ou inferior a 10 (dez) salários mínimos, autorizados a: (…) § 2º Os valores consolidados dos créditos devidos por um mesmo contribuinte, identificado pelo CNPJ, CPF ou inscrição estadual, desde que ultrapassem o limite fixado no “caput” deste artigo, deverão ser reunidos para cobrança conjunta em uma nova execução fiscal. 3 Num. XXXXX - Pág. 38 4 Art. 33. § 2º – As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209 , de 11.7.1984) c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.