ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Vitória - Comarca da Capital - 2º Juizado Especial Cível Rua Juiz Alexandre Martins de Castro Filho , 130, EDIFÍCIO MANHATTAN WORK CENTER, 11º ANDAR, Santa Lúcia, VITÓRIA - ES - CEP: 29056-295 Telefone:(27) 33574881 PROCESSO Nº XXXXX-51.2023.8.08.0024 PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) REQUERENTE: RICARDO RABINOVITCH , LILIAN MARCIA MOURA RABINOVITCH REQUERIDO: GOL LINHAS AEREAS INTELIGENTES S.A. Advogado do (a) REQUERENTE: RONARA ALTOE DOS SANTOS - ES18618 Advogado do (a) REQUERENTE: RONARA ALTOE DOS SANTOS - ES18618 Advogado do (a) REQUERIDO: GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO - ES26921 PROJETO DE SENTENÇA (art. 40 , Lei nº 9.099 /95) Vistos etc. Aduzem os autores que adquiriram passagem aérea no site da requerida, através de agência de turismo. Narram que houve sucessivas alterações no itinerário do voo de retorno, até que perceberam que o voo de retorno havia sido cancelado. Relatam que tiveram de adquirir perante outra companhia passagens aéreas de Guarulhos para Vitória. Requerem a restituição do valor pago pelo voo e indenização por danos morais. Em sua contestação (Id. XXXXX), a parte demandada sustenta a ausência de ato ilícito passível de indenização, sob a alegação de que o cancelamento do voo ocorreu em razão de reestruturação da malha aérea e que os autores foram comunicados com antecedência. Refuta a pretensão indenizatória e pugna pela improcedência dos pedidos autorais. Em que pese o art. 38 da Lei 9099 /95, é o breve relatório. FUNDAMENTAÇÃO Defiro o pedido de julgamento antecipado do mérito formulado em audiência conciliatória, consoante art. 355 , I , do CPC , ante o desinteresse das partes em produzir novas provas. Inexistindo questões preliminares, verifico presentes os pressupostos processuais de existência e validade do processo e as condições da ação, passo ao julgamento da lide. De pronto, verifica-se que a relação jurídica controvertida é de natureza consumerista, nos moldes dos artigos 2º e 3º da Lei nº 8.078 /90, militando, por conseguinte, em favor do requerente os benefícios da inversão do ônus da prova, na forma do inciso VIII , do art. 6º do aludido diploma normativo, devendo, outrossim, a responsabilidade civil imputada à parte requerida ser analisada à luz da teoria objetiva. Inicialmente, analisa-se a arguição da demanda em contestação, pela prevalência do Código Brasileiro de Aeronáutica sobre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor . A tese de prevalência do Código Brasileiro de Aeronáutica não se sustenta, pois este é anterior à Constituição Federal /1988 e não se harmoniza com a proteção constitucional conferida ao consumidor pelo art. 5º, XXXII. Sendo assim, o Código Brasileiro de Aeronáutica somente é aplicável aos casos que não versam sobre relação de consumo. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme o seguinte precedente: DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE TRANSPORTADOR AÉREO PERANTE TERCEIROS EM SUPERFÍCIE. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRAZO PRESCRICIONAL. CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA AFASTADO. INCIDÊNCIA DO CDC . 1. O Código Brasileiro de Aeronáutica não se limita a regulamentar apenas o transporte aéreo regular de passageiros, realizado por quem detém a respectiva concessão, mas todo serviço de exploração de aeronave, operado por pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, com ou sem fins lucrativos, de forma que seu art. 317, II, não foi revogado e será plenamente aplicado, desde que a relação jurídica não esteja regida pelo CDC , cuja força normativa é extraída diretamente da CF (5º, XXXII). 2. Demonstrada a existência de relação de consumo entre o transportador e aqueles que sofreram o resultado do evento danoso (consumidores por equiparação), configurado está o fato do serviço, pelo qual responde o fornecedor, à luz do art. 14 do CDC , incidindo, pois, na hipótese, o prazo prescricional quinquenal previsto no seu art. 27 . 3. Recurso especial conhecido e desprovido. (STJ - REsp: XXXXX SP XXXXX/XXXXX-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI , Data de Julgamento: 18/06/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/06/2013) (grifo nosso) No mesmo sentido, é o entendimento dos Tribunais Pátrios: APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE BAGAGEM POR 5 (CINCO) DIAS. APELO DO RÉU. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO COMPROVADA. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA EM DETRIMENTO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . FIXAÇÃO DE TESE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUANDO DA APRECIAÇÃO DO TEMA 210 DA REPERCUSSÃO GERAL. PREVALÊNCIA DAS CONVENÇÕES DE VARSÓVIA E MONTREAL EM RELAÇÃO AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NO QUE SE REFERE AOS DANOS MATERIAIS, NÃO SE APLICANDO, CONTUDO, À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FATO CONCRETO QUE VERSA SOBRE EXTRAVIO DE BAGAGEM. DANO MORAL CONFIGURADO. INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO SUMULAR N.º 45 DESTE TRIBUNAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE SE MANTÉM, ANTE OS FATOS APURADOS NOS AUTOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. HONORÁRIOS RECURSAIS. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJ-RJ - APL: XXXXX20228190001 202200195238, Relator: Des (a). MARIA ISABEL PAES GONÇALVES , Data de Julgamento: 30/01/2023, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 31/01/2023) APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE AFASTADO - TRANSPORTE AÉREO – APLICAÇÃO DO CDC - EXTRAVIO DEFINITIVO DE BAGAGEM – DANO MATERIAL CONFIGURADO - DANO MORAL – IN RE IPSA – VALOR DA CONDENAÇÃO MANTIDO – JUROS DE MORA CONTADOS DA SENTENÇA - CORREÇÃO MONETÁRIA QUE DEVERÁ OBSERVAR DATA DO EXTRAVIO DA BAGAGEM, BEM COMO DO DESEMBOLSO PARA AQUISIÇÃO DE OBJETOS PESSOAIS - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Ainda que os fundamentos sejam os mesmos da peça inaugural, sua exposição se deu de forma clara e objetiva, sendo possível extrair as razões de inconformismo do apelante em relação à improcedência do pleito inaugural. Consequentemente, não há se falar em ofensa ao princípio da dialeticidade. 2. A natureza da matéria versada é de consumo, por estar caracterizado o tripé jurídico consumidor-fornecedor-serviço. Doutrinariamente, o Código Brasileiro Aeronáutico e o Código de Defesa do Consumidor são normas que coexistem no meio jurídico. Todavia, em relação ao caso concreto, onde a relação é típica de consumo, este Tribunal já decidiu no sentido de considerar a prevalência da aplicação do Código de Defesa do Consumidor , por ser norma de ordem pública e efeito erga omnis imediato. 3.Na hipótese, a apelante cometeu ato ilícito, posto que por negligência extraviou defintivamente a bagagem da apelada, causando-lhe danos. 4. O fato da autora não ter especificado os bens por ocasião do embarque da bagagem, por si só não lhe retira o direito de ser indenizada de forma integral, até porque, a empresa aérea concordou em fazer o transporte sem estarem os itens da bagagem devidamente especificados. 5. Ao contrário do que alega a empresa requerida, o dano questionado mostra-se evidente, ante o excepcional transtorno ocasionado a apelada, que ao chegar em outro Estado para participar de aulas presenciais do curso de direito, ficou apenas com a roupa do corpo. 6. Presume-se o dano moral, portanto, por ser inerente a situação verificada. 7. No caso específico dos presentes autos, o valor arbitrado (R$ 10.000,00) não se mostra abusivo, mas adequado ao caso não merecendo prosperar qualquer pedido de alteração. 8. Considerando que se trata de relação contratual, os juros de mora na condenação por danos materiais e morais deverão incidir desde a citação. 9. O termo inicial da correção monetária em relação aos danos materiais se dará em dois momentos distintos: 1) em relação aos pertences da mala, o termo inicial será a data do extravio da bagagem; 2) em relação a aquisição de objetos pessoais, inclusive um nova mala, deverá ser observado a data do respectivo desembolso. (TJ- MS - AC: XXXXX20228120002 Dourados, Relator: Des. Sideni Soncini Pimentel , Data de Julgamento: 22/06/2023, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 26/06/2023) Fixadas tais premissas, é incontroverso o cancelamento do voo com origem em Guarulhos e destino para Vitória, às 22h 55 do dia 02/10/2023. Corroboram com as alegações autorais o comprovante de aquisição de novas passagens para horário próximo, e mesmo itinerário (id. XXXXX). Cabe lembrar que o contrato de transporte veicula uma obrigação de resultado. Desse modo, “não basta à empresa contratada conduzir o passageiro e sua bagagem, ou mercadoria, até o destino. Deve fazê-lo nas exatas condições estabelecidas, cumprindo a avença no que pertine ao dia, local de embarque e desembarque e hora estabelecidos” (STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.305). Essa natureza específica a obrigação, ínsita na regulamentação do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565 /86), é também contemplada nas regras gerais dos contratos de transporte, encartadas pelo art. 737 , do Código Civil Brasileiro, que estatui: “Art. 737. O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior”. Feitos tais apontamentos, diante dos fatos narrados e documentos colacionados ao caderno processual, forçoso o reconhecimento da procedência dos pedidos autorais. Isto porque, conforme se depreende das normas do Código de Defesa do Consumidor , em seu artigo 14 , a responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, bastando para tanto a demonstração do fato, do dano e do nexo causal, independente de culpa. Assim sendo, não se desincumbiu a parte demandada do ônus que lhe cabia, a teor do artigo 373 , II do CPC/15 , de provar a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito da parte autora, passíveis a afastar a responsabilidade objetiva lhe atribuída pela lei. Salienta-se, que a modalidade do contrato de transporte aéreo é onerosa, oferecendo a companhia aérea, em contrapartida ao pagamento da passagem, a possibilidade de deslocamento mais célere e de maior conforto. No presente caso, ao contrário disso, os autores ficaram desamparados diante do cancelamento do voo, pois sequer houve reacomodação para que chegassem ao destino final. Assim, os requerentes não tiveram assistência material mínima da ré. Tratando-se de cancelamento do voo, o mínimo que se espera é que a própria companhia aérea solucione os transtornos chegados, garantindo que os passageiros completem o trajeto. Portanto, há falha no serviço prestado pela parte ré, acarretando transtorno acima do aceitável, impondo o arbitramento de valor indenizatório justo e adequado ao caso. Para a fixação do quantum indenizatório dos danos morais suportados pela parte autora, deve-se ater a uma quantia que, observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, amenize a ofensa à honra e não se afaste do caráter pedagógico da sanção imposta. Considerando que a parte autora foi avisada e teve tempo para se organizar, ainda que de forma não satisfatória como já registrado, os danos devem ser fixados em patamar módico. Deve, portanto, ser fixado tomando-se em conta a gravidade do fato, suas consequências, condição social da vítima e infrator, porém sem configurar enriquecimento sem causa. Entendo que deve ser arbitrado o valor de R$1.000,00 (um mil reais), a cada autor, por mostrar-se equilibrado e atende bem aos reclames da causa em apreço sem causar enriquecimento sem causa. Procede também o pedido de indenização por danos materiais, relativo à aquisição de novas passagens, no valor de R$ 699,36 a cada um dos requerentes (id. XXXXX e XXXXX). DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos autorais para CONDENAR a requerida a pagar a cada um dos autores a quantia de R$1.000,00 (um mil reais) a título de danos morais, a qual deverá ser corrigida monetariamente a partir desta sentença (Súmula 362 do Col. STJ) e acrescida de juros moratórios, desde o ato citatório. Ante todo o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de indenização por danos materiais, para condenar a requerida no pagamento da quantia de R$ 699,36 (seiscentos e noventa e nove reais e trinta e seis centavos), a cada um dos autores, com incidência de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação e correção monetária observado o IPCA-E, a contar do desembolso. Declaro extinta essa relação jurídica processual, com resolução de mérito, na forma do art. 487 , inciso I , do CPC/15 . Sem custas processuais e sem honorários advocatícios nesta fase, conforme disposto no caput, do art. 55 da Lei nº 9.099 /95. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Submeto a presente à homologação de juiz togado, nos termos do artigo 40 da Lei n.º 9.099 /95. Guarapari, 27 de fevereiro de 2024. Raphael Ribeiro Sanches Juiz Leigo SENTENÇA Homologo o Projeto de Sentença do juiz leigo na forma do artigo 40 , da Lei 9.099 /95. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Vitória (ES), 29 de fevereiro de 2024 GRECIO NOGUEIRA GREGIO Juiz de Direito