AGRAVO DE INSTRUMENTO. OFENSA À COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE MÚTUO. SIMULAÇÃO. VÍCIO SOCIAL. NULIDADE ABSOLUTA. ARTIGO 169 DO CPC . CONTRATO FIRMADO ATRAVÉS DE ESCRITURA PÚBLICA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. PRESENÇA DE PROVA EM CONTRÁRIO. REFORMA DA SENTENÇA. 1. Coisa julgada. Não ocorrência. A decisão que julgou os embargos à execução fundamentou a improcedência na ausência de vício de vontade. Exceção de pré-executividade que alega simulação. A simulação não é vício de consentimento, nem com ele se confunde, não estando relacionada à manifestação errônea de vontade; na simulação, as partes não foram ludibriadas, ao contrário, celebraram ato de acordo com sua vontade, eivado de erro por conter declaração falsa ou não verdadeira, ato enganoso por visar a obtenção de resultado diverso da finalidade aparente, ato que visa iludir terceiros ou burlar a lei. 2. Cabimento da exceção de pré-executividade. Cobrança de juros extorsivos e simulação. Matérias de ordem pública, cognoscíveis de ofício e que não demandam dilação probatória. A simulação, como as demais causas de nulidade, pode ser pronunciada de ofício, não sendo suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (artigos 168 e 169 do Código Civil ). 3. Simulação. Vício social. Tamanha é a gravidade da simulação que, não por acaso, o Código Civil de 2022 a deslocou do capítulo relativo aos defeitos do negócio jurídico para o capítulo "Da invalidade do negócio jurídico", impedindo a convalidação do negócio jurídico dissimulado e permitindo que um dos contratantes, com base na alegação de simulação, requeira contra o outro a anulação judicial do contrato. 4. Na vigência do Código Civil de 1916 , a simulação configurava nulidade relativa, ou simples causa de anulabilidade, exigindo alegação pelo interessado e prova do prejuízo (artigo 152). O Código Civil de 2002 , no entanto, passou a tratar a simulação como vício social, demonstrando o reconhecimento, pelo legislador, de que os malefícios do ato simulado são de tal monta que rompem as barreiras individuais dos participantes do ato, ou negócio jurídico (cf. Ricardo de Carvalho Aprigliano, A ordem pública no direito processual civil, São Paulo, Atlas, 2011, pág. 42). 5. Nulidade absoluta. As nulidades absolutas não se convalidam com o tempo, não estão sujeitas à preclusão e podem ser declaradas de ofício, inclusive após o trânsito em julgado. 6. Simulação absoluta. Hipótese de simulação absoluta, aquela em que a declaração enganosa de vontade exprime um negócio jurídico que não tem a intenção de realizar negócio nenhum. Celebração de contrato de mútuo, com garantia hipotecária, em que a quantia entrou e voltou ao mesmo destino, passou do nome do administrador para o nome da sociedade administrada, no mesmo dia. 7. Prova da simulação. Negócio jurídico que não se destinou ao fim para o qual foi constituído. Mútuo que se destinava ao fomento da atividade econômica da mutuária e deveria estar, por clausula contratual, depositada em sua conta corrente e à sua disposição. A quantia objeto do contrato de mútuo, no entanto, não se destinou ao fomento da atividade empresarial ou se manteve à disposição do mutuário, ao revés, fora depositada, no mesmo dia, para empresa administrada pelo mutuante, Fernando Rodrigues Dias Ferreira - que figura como Presidente do Conselho Administrativo da mesma. 8. Confissão. A transferência do valor, no mesmo dia, para empresa do mutuante, se encontra confessada na resposta aos Embargos à Execução - processo nº 0243174-72,2020.8.19.0001 e se corrobora pelo fato de a suposta dívida nunca ter sido cobrada, até o falecimento de Artur Vinicius, sócio responsável pela mutuária e pela garantidora, em 19/03/2019. Dívida nunca cobrada, que só veio a ser executada, dez anos depois, após o prematuro falecimento do representante legal da mutuária e da garantidora. 9. Escritura pública e presunção relativa de veracidade. A presunção de veracidade inerente aos documentos públicos é iuris tantum, podendo ser descaracterizada pelo magistrado, ao examinar o acervo fático da demanda. 10. Inexistência de presunção absoluta de veracidade do conteúdo das declarações particulares constantes em documento público. Conquanto nosso ordenamento jurídico fortaleça a validade, a eficácia e o valor probante do documento público lavrado de forma legítima por notário, tabelião ou oficial de registro, conferindo-lhe fé pública, por previsão do artigo 3º da Lei 8.935 /1994, a fé pública atribuída aos atos dos servidores estatais e aos documentos públicos não serve para atestar, de modo absoluto, a veracidade do que é apenas declarado, de acordo com a vontade, a boa-fé ou a má-fé das partes. 11. Simulação que resta provada e confessada nos autos dos embargos à execução. 12. Rerratificação. Sequer a rerratificação do negócio jurídico é capaz de afastar a nulidade absoluta decorrente da simulação, eis que, na forma do disposto no artigo 169 , do Código Civil , "o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo". De forma que a nulidade do negócio jurídico originário, por ser absoluta, impede sua convalidação e/ou confirmação através de outro ato jurídico. 13. Juros. Reconhecida a nulidade do contrato originário, decorrente de simulação, e, por conseguinte, de sua rerratificação, superada está a discussão acerca de suas cláusulas. Entretanto, ainda que válido fosse, contém nulidade derivada da cobrança de juros ilegais, considerando cláusulas que atestam a abusividade dos juros convencionados, acima do limite legal. Considerando norma do Código Civil que inviabiliza a novação de obrigações nulas, impossível olvidar a nulidade do contrato de rerratificação. 14. Outrossim, o contrato de rerratificação compreende juros remuneratórios e moratórios decorrentes do mesmo fato gerador (inadimplemento), o que configura bis in idem, vedado pela ordem jurídica, além de multa compensatória abusiva, fixada no percentual de 2% (dois por cento) ao mês, sobre cada parcela inadimplida, juntamente com juros moratórios. Considerando o valor do empréstimo e de cada parcela, a multa se revela exorbitante. 15. Reforma da decisão. Provimento do agravo de instrumento para julgar procedente a exceção de pré-executividade, acolhendo a nulidade do negócio jurídico simulado, e julgar extinta a execução. PROVIMENTO DO RECURSO.