EMENTA: UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO. PEDIDOS DE DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE TER A PARTE CURSADO FARMÁCIA/BIOQUÍMICA E GRADUARA-SE COMO FARMACÊUTICO GENERALISTA. RELAÇÃO CONSUMERISTA. FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL, ARTIGO 27 CDC . TERMO INICIAL A PARTIR DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO FATO E AUTORIA. CIÊNCIA DO FATO NO MOMENTO DO REGISTRO DO DIPLOMA NO CONSELHO RESPECTIVO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. OBJETO/RELATOS1.1. Suzamar Hipólito Simiema ajuizara ação de restituição de importâncias pagas c/c indenização por danos morais, sob o pálio de ter sofrido danos materiais e abalo moral indenizável por ter cursado Farmácia-Bioquímica, esperando poder exercer as duas funções. Contudo, depois de expedido o diploma, com a descrição de Farmacêutica-Bioquímica fora tolhida de exercer as duas profissões e de prestar concursos, pois lhe fora exigido que, para dupla formação, deveria ter cursado especialização em Análises Clínicas. 1.2. Em sentença (ev. 13), o juízo singular declarara a prescrição dos danos materiais e morais, com fulcro no art. 206 , § 3º , IV e V do CC e termo inicial da prescrição na data da colação de grau (24/12/2008). 1.3. Em recurso inominado (ev. 64), mantivera a sentença, declarando, porém, que, para os danos morais, a prescrição é quinquenal, baseada no art. 27 do CDC , e que o termo inicial do prazo prescricional, para os danos morais, é a data da apresentação do diploma no Conselho Regional de Farmácia no Estado de Goiás (em 19/03/2010). 1.4. Irresignada, Suzamar apresentara pedido de uniformização de jurisprudência (ev. 69), reiterando os prejuízos que sofrera, nos termos de sua exordial, e ponderando que o termo inicial da prescrição deveria ser a data em que fora impedida de prestar concurso para o qual se inscrevera, ou seja, a partir da data da ciência inequívoca do dano sofrido. Relatara que poder-se ia aplicar a prescrição quinquenal (art. 27 , CDC ), segundo entendimento jurisprudencial das Turmas. Contudo, na realidade, dissera ser a prescrição decenal, consoante art. 205 do CC . Requerera que DEMONSTRADA A DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL EXISTENTE, REQUER O SOBRESTADO DO FEITO, PARA QUE, APÓS O PROVIMENTO DO PRESENTE INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO, OCORRA LIMINARMENTE A REFORMA DO ACÓRDÃO VERGASTADO, ESTENDENDO-SE A UNIFORMIZAÇÃO, EM SEU MÉRITO, AOS JULGADOS EM MATÉRIAS ANÁLOGAS, NOS TERMOS DO ARTIGO 9º, PARÁGRAFO 1º DA RESOLUÇÃO 15/2014 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. 1.5. Em contrarrazões (ev. 73), a ASSOBES aduzira que a divergência entre decisões se dá entre a aplicação da prescrição trienal ou quinquenal, não havendo decisões que apliquem a prescrição decenal. Asseverara que tanto para a hipótese de prescrição trienal quanto a quinquenal a prescrição já se configurara (embora entenda ser correta a interpretação dada pela Turma Recursal). Requerera que, caso conhecido do pedido de uniformização, seja ele indeferido.2. ADMISSIBILIDADE2.1. A publicação do acórdão que gerara a indigitada divergência ocorrera em 26/08/2016 (ev. 64). A intimação (publicação) do acórdão que ensejara o pedido de uniformização fora efetivada em 08/09/2016 (ev. 67). O pedido fora realizado em 22/09/2016 (ev. 69).2.2. Segundo, § 1º do art. 6º do Regimento Interno das Turmas de Uniformização nos Sistemas dos Juizados Especiais do Estado de Goiás: O pedido será dirigido ao Presidente da Turma de Uniformização no prazo de dez dias, contados da publicação da decisão que gerou a divergência, por petição escrita e assinada por advogado, com a comprovação do recolhimento do preparo, quando cabível.2.3. Então, o pedido de uniformização poderia ser realizado até o dia 22/09/2016, sendo, portanto, o pedido tempestivo.2.4. Existente a divergência entre as turmas julgadoras: a) uma, a prescrição é de três anos (art. 206 , § 3º , CC ) para a reparação moral, sendo o termo inicial da prescrição a data do recebimento do diploma; b) Para outra, a prescrição é de cinco anos (art. 27 , CDC ) para a reparação moral, sendo o termo inicial da prescrição a data do registro do diploma no CRF-GO. A demonstração está reportada no item V da petição do pedido de uniformização (ev. 69), satisfazendo os requisitos caput do art. 6º do mencionado regimento.2.5. Satisfeitos os pressupostos dos §§ 1º e 2º d o art. 6º do Regimento Interno das Turmas de Uniformização nos Sistemas dos Juizados Especiais do Estado de Goiás, deve ser conhecido do recurso.3. TESES EM DEBATE3.1. Depois de aventar divergência acerca do tempo prescricional e seu termo inicial, a parte requerente apresentara três possíveis teses acerca da prescrição: ela seria trienal (art. 206 , § 3º do CC ); seria quinquenal (art. 27 CDC ); ou seria decenal (art. 205 do CC ). Asseverara que a prescrição deve ser a partir da ciência inequívoca do prejuízo sofrido (momento em que fora impedida de participar de concurso, no caso em comento), não podendo ter termo inicial nem no momento da colação de grau nem na data de registro do diploma junto ao CRF, em razão da ausência de ciência inequívoca dos danos sofridos. Defendera ainda a aplicação da prescrição decenal, por ser a conduta praticada pela instituição de ensino superior ilícito contratual.3.2. A questão se resolve, no caso, ao elucidar: a) Se a prescrição é regida pelo art. 206 , § 3º , IV ou V do CC ; pelo art. 27 do CDC ; ou pelo art. 205 do CC ; b) Se a ciência do prejuízo sofrido se dá no momento da colação de grau; no momento do registro do diploma junto ao CRF; ou no momento em que fora tolhida do exercício de direito (impedimento de participação em concurso);4. DA ANÁLISE DA QUESTÃO4.1. DA PRESCRIÇÃO GERAL E DO DEBATE NO CASOA prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe fixar prazo menor. Estes prazos diferenciados, que fogem da regra-geral decenal, estão previstos em leis e dispositivos legais específicos: O art. 206 do CC , prevê prazos prescricionais que variam de 1 (um) a 5 (cinco) anos (§§ 1º ao 5º e incisos); O CDC , prevê a prescrição quinquenal (art. 27). No caso em comento, debate-se se a prescrição é decenal (at. 205), quinquenal (art.. 27 , CDC ) ou trienal (art. 206 , § 3º , IV ou V, CC ).4.2 A UNIFORMIZAÇÃO DO ENTENDIMENTO DO STJ ACERCA DA APLICAÇÃO DO ART. 206 , § 3º , V DO CPC4.2.1. Convém lembrar que, recentemente, baseado em posicionamento da 3ª Turma do STJ, tem se estendido a aplicação do art. 206 , § 3º , V do Código Civil (responsabilidade civil) a atos ilícitos contratuais e extracontratuais, conforme reportara o Min. Marco Aurélio Bellizze no voto proferido no contexto do REsp nº 1.281.594/SP .4.2.2. Contudo, a Corte Especial do STJ acabara com a divergência, ficando consignado, com base em voto do Min. Felix Fisher que (?) A PRESCRIÇÃO, ENQUANTO COROLÁRIO DA SEGURANÇA JURÍDICA, CONSTITUI, DE CERTO MODO, REGRA RESTRITIVA DE DIREITOS, NÃO PODENDO ASSIM COMPORTAR INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA DAS BALIZAS FIXADAS PELO LEGISLADOR. III - A UNIDADE LÓGICA DO CÓDIGO CIVIL PERMITE EXTRAIR QUE A EXPRESSÃO "REPARAÇÃO CIVIL" EMPREGADA PELO SEU ART. 206 , § 3º , V , REFERE-SE UNICAMENTE À RESPONSABILIDADE CIVIL AQUILIANA, DE MODO A NÃO ATINGIR O PRESENTE CASO, FUNDADO NA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. IV - CORROBORA COM TAL CONCLUSÃO A BIPARTIÇÃO EXISTENTE ENTRE A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL, ADVINDA DA DISTINÇÃO ONTOLÓGICA, ESTRUTURAL E FUNCIONAL ENTRE AMBAS, QUE OBSTA O TRATAMENTO ISONÔMICO (?) (STJ. CORTE ESPECIAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.281.594 - SP (2011/XXXXX-7). REL.: BENEDITO GONÇALVES . JULGAMENTO: 15/05/2019).4.2.3. No referido acórdão ficara ainda registrado que não havendo previsão específica, aplica-se a prescrição decenal prevista no art. 205 do Código Civil .4.2.4. A interpretação também fixara o entendimento de que não se pode confundir a responsabilidade civil contratual (ART. 389 , CC : NÃO CUMPRIDA A OBRIGAÇÃO, RESPONDE O DEVEDOR POR PERDAS E DANOS, MAIS JUROS E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA SEGUNDO ÍNDICES OFICIAIS REGULARMENTE ESTABELECIDOS, E HONORÁRIOS DE ADVOGADO.) com a extracontratual (aquiliana, depende do preenchimento dos requisitos de dano, culpa e nexo de causalidade).4.3 DA DISTINÇÃO ENTRE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA E RESPONSABILIDADE CIVILCabe ainda distinguir, no art. 206, § 3º ( CC), enriquecimento sem causa (IV) de responsabilidade civil (inc. V). Esta diz respeito à obrigação de indenização pelo patrimônio diminuído ou desfalcado. É consequência da necessidade ou dever de reparar os danos causados a outras pessoas, em consequência da prática de atos ilícitos (art. 186 , CC ) ou de outros atos cometidos sem culpa, mas equiparados aos ilícitos, para efeitos de indenização (art. 927 , parágrafo único , CC). Aquela diz respeito à restituição daquilo que fora obtido sem causa, o locupletamento ilícito. Tem ínsito o fim de retirar de um patrimônio os acréscimos patrimoniais indevidamente obtidos de outro patrimônio.4.4 DANOS MORAIS NÃO SE CONFUNDEM COM O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA NEM COM A RESPONSABILIDADE CIVIL4.4.1. Com referência aos danos morais, é importante recordar que eles não se confundem com o enriquecimento sem causa nem com a responsabilidade civil. Eles têm três funções básicas: compensar alguém em razão de lesão à esfera personalíssima do lesado, punir o agente causador do dano e, por último, dissuadir e/ou prevenir nova prática da mesma espécie de evento danoso.4.4.2. Na realidade, o dano moral tem natureza extrapatrimonial, enquanto a restituição (enriquecimento sem causa e a responsabilidade civil tem cunho patrimonial). Decerto que o direito lança mão de valores pecuniários para amenizar o sofrimento e os prejuízos morais sofridos, mas a indenização moral não se confunde com indenização ou restituição material.4.5 DA APLICAÇÃO DO ART. 27 DO CDC4.5.1. Na indenização por danos materiais e morais decorrentes da má prestação do serviço, é aplicável o art. 27 do CDC , que dispõe que prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço.4.5.2. Ressalte-se que O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA FIRMOU O ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE QUE O PRAZO QUINQUENAL DO ART. 27 DO CDC SOMENTE SE APLICA ÀS DEMANDAS NAS QUAIS SE DISCUTE A REPARAÇÃO DE DANOS CAUSADOS POR FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO (TRF-3 - APCIV: XXXXX20174036110 SP, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS , DATA DE JULGAMENTO: 23/09/2020, 1ª TURMA, DATA DE PUBLICAÇÃO: E - DJF3 JUDICIAL 1 DATA: 29/09/2020).4.5.3. Cabe então diferenciar vício do produto e fato do produto: O vício atinge apenas a funcionalidade do produto ou do serviço, restringe-se ao próprio produto ou serviço e não inclui danos eventualmente causados à parte consumidora; O fato do produto é aquele que atinge não apenas a funcionalidade do produto ou serviço, mas também há repercussão sobre o patrimônio material ou moral da parte consumidora. Trata-se do vício, acrescido do dano ao patrimônio jurídico material ou moral da parte consumidora. Para o vício, aplicam-se os prazos decadenciais de 30 e 90 dias, estabelecidos no art. 26 do CDC referem-se a vícios e são decadenciais (o consumidor perde o direito material). Para o fato do produto ou serviço, aplica-se o prazo prescricional quinquenal, previsto no art. 27 do CDC .4.6 DO CASO EM DEBATE4.6.1 DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS4.6.1.1. No caso em comento, debate-se a reparação moral de pessoa que fizera curso de Farmácia-Bioquímica e esperava atuar de acordo com sua dupla formação, mas fora surpreendida com a impossibilidade do exercício profissional desejado. Para exercer as duas profissões e prestar concursos, fora-lhe exigido que tivesse cursado especialização em Análises Clínicas, a fim de também poder atuar na área de bioquímica. 4.6.1.2. Note-se que não se aplica o art. 206 , § 3º do CC (prescrição trienal) por não ser a relação extracontratual, mas sim contratual. Da mesma forma, não se aplica o art. 205 do CC (prescrição decenal) por haver previsão em lei específica.4.6.1.3. Observe-se que houvera falha na prestação de serviços (fato do produto ou serviço) e a relação entre as partes é consumerista, aplicando-se, destarte, as regras do CDC . Portanto, o prazo prescricional é o do art. 27 do CDC que dispõe prescrever EM CINCO ANOS A PRETENSÃO À REPARAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS POR FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO (?), INICIANDO-SE A CONTAGEM DO PRAZO A PARTIR DO CONHECIMENTO DO DANO E DE SUA AUTORIA.4.6.1.4. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. PRESCRIÇÃO. CURSO DE FARMÁRCIA COM TITULAÇÃO EM FARMÁCIA BIOQUÍMICA. PROPAGANDA ENGANOSA. DEFEITO DO SERVIÇO. DANO MORAL. SÚMULA 7/STJ. 1. No tocante ao prazo prescricional, o acórdão recorrido está em harmonia com a orientação do Superior Tribunal de Justiça de que a ação de responsabilidade por fato do produto ou do serviço prescreve em cinco anos, nos termos do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor . (...) (STJ, Resp. nº 1.728.094-GO , Rel. Min. Herman Benjamin , DJe 16/11/2018, grifado).4.6.2 DA DATA DO CONHECIMENTO DO DANO4.6.2.1. A redação do item 4.6.1.3 deixara patente que o termo a quo do prazo prescricional se configura no momento do conhecimento do dano e de sua autoria. No caso, inequívoco o conhecimento da autoria, os prazos começaram a fluir a partir do instante em que a consumidora tivera ciência de que sua titulação não abrangia a área de conhecimento em Bioquímica.4.6.2.2. Como o diploma traz em seu bojo o título de Farmacêutica-Bioquímica, concedido à parte consumidora, não se pode dizer que o conhecimento tenha ocorrido no momento da expedição do diploma ou da colação de grau.4.6.2.3. Não pode ainda ser o termo a quo configurado no momento em que lhe fora tolhido o direito de participar de concurso ou qualquer processo seletivo ou de ascensão, pois a ciência ocorrera no exato momento do registro de seu diploma junto ao Conselho Regional de Farmácia, em 19/03/2010 (ev. 1, arq. 3, fl. 29), quando tivera ciência do alcance das habilitações que lhe foram conferidas.4.6.2.4. Sendo a ação ajuizada em 12/06/2015, mais de cinco anos depois do termo inicial, configurara-se a prescrição do direito pleiteado pela parte promovente na exordial.5 DAS DISPOSIÇÕES DO VOTO5.1 EFEITO CONCRETO5.1.1. Diante do exposto, pelas razões escandidas, mantido o acórdão proferido.5.1.2. Recurso conhecido e desprovido.5.1.3. Custas e honorários pela parte recorrente, sendo estes fixados em 20% sobre o valor da causa, ficando a exigibilidade suspensa, por ser beneficiária da gratuidade da justiça, enquanto perdurar a miserabilidade financeira momentânea ou pelo lapso temporal máximo de cinco anos.5.2 EFEITO ABSTRATO.5.2.1. Verbete sumular: Relação consumerista a graduação em farmacêutico generalista, destarte, prescrição quinquenal, artigo 27 do CDC , com termo inicial no momento do registro do diploma no Conselho respectivo.