E M E N T A PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 334 , § 1º , INCISO III , E § 3º , DO CÓDIGO PENAL . EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO CORRÉU. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL - ANPP. IMPOSSIBILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E INÉPCIA DA INICIAL. NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NA DOSIMETRIA. PRELIMINARES REFUTADAS. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. RECONHECIDA A MODALIDADE TENTADA. ELEMENTO SUBJETIVO COMPROVADO. ERRO DE TIPO E ARREPENDIMENTO EFICAZ NÃO CONFIGURADOS. PENA DE PERDIMENTO DE BENS NÃO ACARRETA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. DOSIMETRIA. AUMENTO DA PENA-BASE MANTIDO. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. CONFISSÃO ESPONTÂNEA NÃO RECONHECIDA. MANTIDA A CAUSA DE AUMENTO EM RAZÃO DO DESCAMINHO POR VIA AÉREA. RECONHECIDA A CAUSA DE DIMINUIÇÃO DECORRENTE DO CRIME TENTADO. APELAÇÃO DO CORRÉU JOSÉ CARLOS PEREIRA DA SILVA LISBÔA PREJUDICADA EM RAZÃO DO ÓBITO. APELAÇÃO DO CORRÉU FÁBIO DA SILVA LISBOA PROVIDO EM PARTE. - Extinção da punibilidade. Tendo em vista a comprovação documental acerca do falecimento de JOSÉ CARLOS PEREIRA DA SILVA LISBÔA, deve ser extinta a sua punibilidade com fundamento no artigo 107 , inciso I , do Código Penal , bem como nos artigos 61 e 62 , ambos do Código de Processo Penal , restando prejudicada a análise do recurso de Apelação por ele interposto. - ANPP. O ANNP foi proposto pelo Ministério Público Federal, todavia, os requisitos não foram aceitos pelos réus. Na atual fase processual, não se mostra pertinente o instituto do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP, tendo em vista o art. 28-A , caput, do Código de Processo Penal , afirmar que o expediente somente será apresentado acaso não seja hipótese de arquivamento do Inquérito Policial, demonstrando claramente a intenção do legislador de sua incidência antes de iniciada a persecução penal. Nesse diapasão, o § 8º do mesmo comando legal dispõe que, recusada a homologação do Acordo, o magistrado devolverá os autos ao Ministério Público para que este analise a viabilidade de complementação das investigações ou ofereça denúncia. Desta feita, é notória a premissa de que o Acordo de Não Persecução Penal - ANPP foi criado para situações em que não tenham sido ainda recebidas as iniciais acusatórias - Ilegitimidade passiva e impossibilidade jurídica do pedido. Descabida a tese de ilegitimidade passiva de FÁBIO DA SILVA LISBOA, bem como de falta de possibilidade jurídica do pedido. Em que pese a obrigação tributária recair sobre a empresa importadora, restou comprovado o vínculo parental e comercial entre as empresas envolvidas, sendo o réu proprietário e administrador da empresa exportadora UNO HEALTHCARE INC, sediada nos EUA, enquanto seu genitor JOSÉ CARLOS PEREIRA DA SILVA LISBÔA era sócio de fato e administrador da importadora COLLECT IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA., havendo indícios suficientes acerca da coautoria - Ausência de justa causa e inépcia da inicial. Não há que se falar em ausência de justa causa ou inépcia da denúncia, pois mediante simples leitura é possível conferir que a inicial acusatória em análise adimple exatamente ao disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal , narrando com clareza o concurso de agentes para a prática do crime de Descaminho, tendo o acusado participado da fraude perpetrada por meio das empresas familiares ao subfaturar produtos exportados dos E.U.A com a nítida finalidade de sonegar tributos federais devidos pelo ingresso da mercadoria estrangeira em território nacional, não havendo que se falar em narrativa genérica das condutas imputadas ao réu. Além disso, há suficiente qualificação do denunciado FÁBIO DA SILVA LISBOA na peça acusatória, diretor responsável das empresas UNO HEALTHCARE INC, UNO HEALTHCARE INTERNATIONAL INC, e UNO HEALTHCARE EUROPE INC, sediadas nos Estados Unidos da América - Nulidade da sentença por elevação da pena e carência na sua fundamentação. Não se verifica a alegada nulidade, pois em breve análise à dosimetria efetuada pelo r. Juízo a quo observa-se que a alegação defensiva de que a sentença deve ser anulada por ausência de fundamentação quanto à elevação da reprimenda corporal não encontra amparo. Com efeito, a pena-base foi majorada sob o vetor “circunstâncias” e o reconhecimento da causa de aumento (art. 334 , § 3º , do CP : A pena aplica-se em dobro se o crime de descaminho é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial), decorreu de expressa previsão legal, de maneira que a fundamentação foi suscinta, porém satisfatória - Materialidade do crime de descaminho. Ao contrário do alegado pela defesa, a materialidade delitiva restou comprovada por meio da Representação Fiscal para Fins Penais n. 19482.000007/2016-50, relacionada ao PAF n. 19482.72.0008/2016-14, e os documentos que a acompanham, em especial: a) o Termo de Retenção de Mercadoria; b) Invoice n. IN15654 expedido pela Organ Recovery Systems e Packing List; c) Termo de Verificação Fiscal e descrição dos fatos; d) a Declaração de Importação n. 15/2100655-7, expedida em 03/12/2015; e) o Parecer Técnico SECAT n.40/2017; f) Fatura Invoice n. XXXXX expedida pelo exportador; g) Conhecimento de Carga Aéreo MAWB 001 0846 4256 HAWB XXXXX; h) o Auto de Infração e Termo de Apreensão Fiscal n. XXXXX/SAPEA000008/2016. O procedimento administrativo foi integralmente ratificado em juízo pela testemunha auditora fiscal e a atuação conjunta das empresas importadora e exportadoras restou cabalmente demonstrada pela prova oral, não se verificando as alegadas incoerências ou inconsistências na documentação elaborada pela fiscalização - Modalidade tentada. Uma vez que a mercadoria trazida pelo acusado dos Estados Unidos não foi liberada pela Alfândega, por circunstância alheia à sua vontade, não há que falar em descaminho consumado, mas sim em tentativa de descaminho, razão pela qual a conduta foi reclassificada para o art. 334 , § 1º , inciso III , e § 3º , combinado com o artigo 14 , inciso II , ambos do Código Penal - Autoria. A autoria não foi especificamente contestada e restou comprovada pelos elementos probatórios carreados aos autos, em especial pelos extratos relacionados ao Florida Department of State Division of Corporations e cópias de contratos e licenças revelam que o réu também era o responsável pelas empresas UNO HEALTHCARE INTERNATIONAL, INC., UNO HEALTHCARE EUROPE, INC. e UNO HEALTHCARE, INC., sediadas em Miami/Flórida, e por sua vinculação com a empresa importadora no Brasil - Erro de tipo. Restou comprovado que as empresas COLLECT IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA. e UNO HEALTHCARE INC., por meio de seus administradores, atuaram de forma coordenada para subfaturar o valor do produto importado com o claro intuito de iludir (suprimir ou reduzir) o tributo devido sobre a entrada de mercadoria estrangeira no território nacional, não sendo razoável admitir-se que essa discrepância decorreu de mero equívoco no preço considerado na declaração de importação. Houve consciente omissão de diferença que gerou significativa repercussão tributária, não havendo que se falar em erro de tipo - Arrependimento eficaz. Não se verifica a hipótese de arrependimento eficaz, pois não houve impedimento do resultado. A retificação na DI a que procedeu a importadora COLLECT IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA. (de titularidade de seus genitores) implicou no recolhimento da diferença de tributos decorrente da reclassificação fiscal e não sobre o real preço operado pelo produto, que gerou o subfaturamento, objeto do Auto de Infração - Extinção da punibilidade em razão da pena de perdimento de bens. Tratando-se o descaminho de crime formal, o perdimento não conduz à absolvição por atipicidade da conduta como pretende a defesa, na medida em que a conduta resta aperfeiçoada com a ilusão do pagamentodotributo na entrada do país, independentemente se esta gerou, a posteriori, a efetiva perda de arrecadação. Precedentes jurisprudenciais. Outrossim, no que concerne à pretendida extinção da punibilidade, cumpre salientar a completa autonomia de instâncias (penal, administrativa, cível e tributária), sendo plenamente possível que uma única conduta reverbere nos campos penal, cível, administrativo e tributário. A conclusão imposta pelo ordenamento jurídico para cada uma de tais searas, de regra, não impacta nas demais, sendo que, especificamente para o caso dos autos, a imposição da pena de perdimento (de matiz eminentemente aduaneira) não possui o condão de afastar a tipicidade do crime de descaminho - Dosimetria da pena: Deve ser mantido o aumento da pena-base, exasperada sob o vetor “circunstâncias do crime”, uma vez que o modus operandi adotado pelo acusado envolveu diversas empresas, inclusive internacionais, e demandou engenhoso trabalho para ser constatado (01 ano, 04 meses e 15 dias de reclusão). Não se verifica a alegada confissão espontânea. É certo que o réu confirmou ser o responsável pela empresa exportadora UNO HEALTHCARE INC., mas esse fato já estava comprovado pela prova documental acostada aos autos. No mais, negou a prática delitiva por completo e apenas respondeu às reperguntas, sem trazer elementos que pudessem auxiliar o julgador em seu convencimento. Deve ser mantida a causa de aumento prevista no § 3º do artigo 334 do Código Penal , pois o descaminho foi praticado por via aérea. Precedentes jurisprudenciais. Deve incidir a causa de diminuição decorrente da tentativa ( CP , art. 14 , II ), uma vez que as mercadorias foram interceptadas na zona de controle fiscal do Aeroporto Internacional de Viracopos/SP, resultando na pena privativa de liberdade definitiva de 01 (um) ano e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO - Substituição da reprimenda corporal: Presentes as hipóteses dos incisos I , II e III do artigo 44 , do Código Penal , a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos consubstanciadas em prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública, pelo tempo da pena privativa de liberdade substituída, nos termos a serem definidos pelo r. Juízo das Execuções Penais, e por prestação pecuniária no valor de 15 (quinze) salários mínimos (direcionada à Sociedade Brasileira de Pesquisa e Assistência para Reabilitação Craniofacial – SOBRAPAR, CNPJ nº 50.XXXXX/0001-70, sediada em Campinas/SP). À míngua de recurso e tendo em vista a observâncias dos critérios legais e pertinentes ao caso em concreto, deve ser mantida a substituição tal qual fixada em primeiro grau - Reconhecimento, de ofício, da extinção da punibilidade de JOSÉ CARLOS PEREIRA DA SILVA LISBÔA, prejudicado o apelo defensivo em razão do óbito - Apelação do réu FÁBIO DA SILVA LISBOA provida em parte.