Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 PROCESSO Nº XXXXX-24.2018.8.05.0150 RECORRENTE: BRADESCO SAÚDE S A RECORRIDO: MARIA CELESTE BARRETO BARREIO RELATORA: ISABELA KRUSCHEWSKY PEDREIRA DA SILVA RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. CONTRATO NOVO. IMPUGNAÇÃO DOS PERCENTUAIS DE REAJUSTE ANUAL E POR FAIXA ETÁRIA. SENTENÇA GENÉRICA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ANÁLISE DA SITUAÇÃO DEDUZIDA NOS AUTOS. NULIDADE DA SENTENÇA QUE ENSEJA A DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO JUÍZO PARA PROLAÇÃO DE NOVA DECISÃO, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. SENTENÇA ANULADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. Trata-se de recurso inominado interposto pela ré em face da sentença prolatada cujo dispositivo segue transcrito, in verbis: “Ante o exposto, profiro DECISÃO no sentido de:a) JULGAR PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO, para declarar a abusividade da cláusula contratual que prevê reajustes ora contestado, observando-se o prazo prescricional trienal previsto no art. 206 , § 3º , IV , do CC/02 (REsp nº 1360969/RS), como acima exposto, e determinar a imediata adequação dos valores cobrados a partir dessa data aos índices legais estabelecidos pela ANS; b) CONDENAR a acionada a devolução SIMPLES da quantia de paga a maior, acrescida de correção monetária e juros legais desde a citação, devendo a parte autora colacionar aos autos, no prazo de 10 (dez) dias, planilha de cálculo, observando o quanto aqui determinado, sob pena de seu pedido ser tido por inepto; c) condenar à parte acionada a indenizar ao (a) autor (a), a título de danos morais, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser corrigido de acordo com a Súmula 362 do STJ e juros a contar do evento citação”. (eventos 137/138). Presentes as condições de admissibilidade do recurso, dele conheço. VOTO Inicialmente, deve ser afastada a preliminar de coisa julgada suscitada pela recorrida em suas contrarrazões. Constata-se, de rápida consulta aos autos, que a ré foi citada e intimada eletronicamente, tendo sido apresentados aos evs. 13 e 14, documentos de representação, e pedido de habilitação e intimação exclusiva do advogado constituído pela ré nos autos. Tal habilitação não foi realizada, tendo ocorrido antecipação da audiência sem que o advogado da acionada fosse intimado, restando nulos todos os atos processuais realizados, inclusive a sentença prolatada ao ev. 36, conforme reconhecido pelo Juízo a quo, ao ev 106. Em face de tal nulidade, foi efetuada a habilitação, e renovados os atos processuais com a prolação de nova sentença ao ev 137, impugnada pela ré em seu recurso. Observa-se, todavia, que a sentença proferida ao ev.137 padece de nulidade, em face da ausência de fundamentação. Da leitura do art. 489 , § 1º , do CPC/2015 verifica-se que foram estabelecidas regras mais rígidas para a fundamentação das decisões, devendo o magistrado motivar o seu posicionamento, relacionando-o ao caso concreto. Nesse sentido veja-se o teor do art. 489 , § 1º , do CPC/2015 , in verbis: “§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”. Tal regra objetivou evitar a indesejada motivação genérica, sendo essencial que a decisão ingresse no exame da situação concreta, e não se restrinja a repetir os termos da norma jurídica, sem dar as razões do seu posicionamento. Ainda que seja notório que os magistrados integrantes do sistema dos juizados estejam submetidos a níveis de distribuição absurdos, com mais de 800 processos distribuídos por mês para boa parte das unidades, é imperioso que seja observada a necessidade de fundamentação das decisões, ainda que sucinta, sem a qual a prestação jurisdicional não se mostra efetiva nem legítima. Lamentavelmente, a sentença impugnada incorre na famigerada fundamentação genérica, e está tão afastada do caso concreto que poderia justificar qualquer pronunciamento decisório. Para ilustrar a abstração da decisão verifica-se que a mesma foi objeto de embargos de declaração por ambas as partes, tendo a parte ré, em sede de recurso, elaborado tópico específico nas razões recursais questionando, in verbis: O D. Juízo a quo proferiu a r. sentença julgando parcialmente procedente os pedidos autorais conforme declarando abusiva a cláusula contratual que prevê os reajustes contestados. Ocorre que o recorrido em sua inicial contesta sobre os reajustes anuais e reajuste de faixa etária aplicado na apólice, contudo a r. sentença em sua fundamentação é omissa sobre os reajustes de faixa etária, mas no dispositivo declara abusivos os reajustes ora contestados não sendo clara quanto à possibilidade de incidência dos reajustes de faixa etária. Foi declarado abusivo os dez grupos etários previstos na apólice? (p.30 do RI interposto ao ev 64). Observe-se que a inicial impugna os percentuais de reajuste anual aplicados ao contrato desde a sua adesão, em 2010, bem como o reajuste por faixa etária implementado em 2015, supostamente após o advento dos 60 anos. Além da decisão não ter se debruçado sobre o reajuste por faixa etária ocorrido, traz fundamentação equivocada sobre o reajuste anual, efetuando confusão entre termos de compromisso e os percentuais de reajuste anual disponibilizados pela ANS para os planos individuais novos, embora o contrato de plano de saúde seja coletivo empresarial, cuja contratação ocorreu após o advento da Lei 9656 /98, como se constata do trecho da sentença transcrito a seguir: “De logo, cumpre registrar que, a despeito da tese esboçada na peça defensiva, reputamos abusivo e excessivo o percentual de reajuste pretendido, mormente se comparado ao índice que foi determinado pela ANS para o mesmo período, em relação aos contratos firmados posteriormente à Lei n. 9.656 /98, não havendo provas da necessidade de aumento em tal percentual. Por primeiro, cumpre registrar que, no caso, não há falar-se em exercício regular de direito arrostando normas de ordem pública e, do mesmo modo, não pretenda a demandada buscar abrigo seguro nos Termos de Compromisso firmados com a ANS, sendo importante enfatizar que tais acordos não impermeabilizam as seguradoras, tampouco lhe conferem imunidade à intervenção enérgica, autônoma e independente do Poder Judiciário para garantir o cumprimento das disposições constitucionais e legais, resguardando os direitos do consumidor quando vulnerados ou ameaçados, seja pela ação de órgãos privados ou mesmo órgãos públicos. O Termo de Compromisso em foco, parece contrário à lei e às resoluções da própria ANS sobre o tema. Saliente-se que esses Termos, cuja possibilidade de celebração está prevista no artigo 4º , inciso XXXIX , da Lei 9.961 /2000, são ferramentas das quais a ANS pode lançar mão com vistas a promover a defesa do interesse público e o artigo 29-A esclarece: (...) No caso sub oculi, os Termos de Compromisso celebrados pela ANS não atenderam ao interesse do consumidor. Ao contrário, implicaram em restrição de manutenção dos planos de saúde, visto que autorizaram a imposição de reajuste superior ao fixado para os contratos novos e acima dos índices oficiais de inflação do período, sem tutelar os direitos dos consumidores, os Termos acabaram por proteger empresas do setor. Ademais, os Termos de Compromisso ferem o Código de Defesa do Consumidor ao autorizarem uma variação unilateral do preço do serviço de plano de saúde (art. 51, X), não prevista em contrato. Tecnicamente, atentando para o escopo do reajuste, os contratos com duração de um ano ou mais só podem sofrer um reajuste por ano, e este deve se basear em índice oficial de inflação ou em custos específicos do setor. Se esse é o escopo do reajuste, não nos parece plausível sustentar que os custos do setor ou mesmo os índices oficiais de inflação possam variar de acordo com a data de pactuação dos contratos. Em verdade, ao fixar o reajuste máximo para os contratos novos, a ANS está atestando que os percentuais determinados bem refletem os custos do setor naquele período de um ano e se a data de pactuação do contrato, aparentemente, não interfere na variação de custos ou no equilíbrio contratual, nada obsta, e, reversamente, tudo recomenda que os mesmos percentuais fixados sejam aplicáveis para os contratos antigos, firmados anteriormente à Lei dos Planos de Saúde .” E assim é concluída a sentença, conforme dispositivo: “Ante o exposto, profiro DECISÃO no sentido de: a) JULGAR PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO, para declarar a abusividade da cláusula contratual que prevê reajustes ora contestado, observando-se o prazo prescricional trienal previsto no art. 206 , § 3º , IV , do CC/02 (REsp nº 1360969/RS), como acima exposto, e determinar a imediata adequação dos valores cobrados a partir dessa data aos índices legais estabelecidos pela ANS; b) CONDENAR a acionada a devolução SIMPLES da quantia de paga a maior, acrescida de correção monetária e juros legais desde a citação, devendo a parte autora colacionar aos autos, no prazo de 10 (dez) dias, planilha de cálculo, observando o quanto aqui determinado, sob pena de seu pedido ser tido por inepto; c) condenar à parte acionada a indenizar ao (a) autor (a), a título de danos morais, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser corrigido de acordo com a Súmula 362 do STJ e juros a contar do evento citação. Advirto as partes que, eventuais embargos de declaração interpostos sem a estrita observância das hipóteses de cabimento previstas no art. 1.022 do CPC/2015 , ou para rediscutir matéria já apreciada, será considerado manifestamente protelatório, a parte embargante será sancionada nos termos do art. 1.026 , § 2º , do CPC/15 e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa (§ 3º, art. 1.026 , CPC ). Intimem-se as partes. Sem condenação em custas e honorários profissionais, nesta justiça especializada em primeiro grau, nos moldes dos artigos 54 e 55, da Lei federal 9.099/95”.(minuta de sentença lançada ao ev 137 da lavra do juiz leigo, posteriormente homologada pelo magistrado togado ao ev 138). Pelo exposto acima, forçoso é reconhecer que a sentença é nula por inexistir fundamentação apta a validá-la, consoante determina o artigo 489 , § 1º , IV do CPC/15 . A despeito da regra do artigo 1.013, § 3º, IV desse mesmo diploma, tem-se que é devida a devolução dos autos à instância originária, pois a sentença impugnada figura omissa, e não enfrenta os argumentos das partes, além de invocar razões jurídicas não aplicáveis à situação tratada nos autos. Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial: APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. NULIDADE DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. Necessidade de se explicitar o motivo da condenação da parte e do acolhimento ou não de suas teses. Error in procedendo. Não se trata apenas de exame incompleto ou imperfeito de questões postas em evidência, caso em que o Tribunal tem o poder de analisá-las no julgamento da apelação e completar o julgamento, nos termos do art. 1.013 , § 1º , do Código de Processo Civil , mas sim de decisão inválida e ineficaz, ante a completa omissão acerca das razões trazidas pela parte para convencimento do magistrado que, por traduzir grave transgressão de natureza constitucional e legal, afeta a legitimidade jurídica do ato decisório e gera, de maneira irremissível, a consequente eiva do pronunciamento judicial. Sentença anulada. Preliminar de nulidade acolhida, com determinação, prejudicados os demais recursos de apelação. (TJ-SP - AC: XXXXX20178260152 SP XXXXX-39.2017.8.26.0152 , Relator: Djalma Lofrano Filho, Data de Julgamento: 27/01/2022, 13ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 27/01/2022). RECURSO INOMINADO. TERCEIRA TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLICA. DETRAN/RS. DESPESAS DE REMOÇÃO E DEPÓSITO. PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO. SENTENÇA NULA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. RECURSO INOMINADO PREJUDICADO. 1. Na espécie, o autor narra que o seu veículo foi apreendido em razão de contravenção penal (perturbação do sossego). Mesmo diante da liberação autorizada na esfera criminal, com a isenção das despesas, foi cobrado na via administrativa. Pugna, portanto, pela restituição das despesas de remoção e depósito que adimpliu. 2. A sentença julgou procedente a demanda fundamentando a possibilidade de isenção das despesas em circunstâncias estranhas aos fatos debatidos na demanda (veículo sinistrado e condutor com lesões corporais). 3. Observa-se que a sentença não analisou o caso concreto. Padece, assim, de vício que a caracteriza como NULA. 4. A ausência de fundamentação na sentença afronta o princípio Constitucional previsto no art. 93, inc. IX, de que todas as decisões devem ser motivadas, assim como viola a regra estabelecida no art. 489 , inc. II , do CPC . 5. Destarte, não tendo o julgador singular se manifestado minimamente acerca das teses debatidas nos autos, impõe-se a desconstituição da sentença, com o retorno dos autos à origem para prolação de nova decisão. 6. Inviabilidade do julgamento nos termos do art. 1.013 , § 3º , III , do CPC , uma vez que análise do mérito implicaria em violação aos princípios da ampla defesa, contraditório e do duplo grau de jurisdição.SENTENÇA DESCONSTITUÍDA, DE OFÍCIO. PREJUDICADO RECURSO INOMINADO. UNÂNIME.(TJ-RS - Recurso Cível: XXXXX RS , Relator: Alan Tadeu Soares Delabary Junior, Data de Julgamento: 22/03/2021, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, Data de Publicação: 25/03/2021). RECURSO INOMINADO. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE CONFIGURADA. A ausência de fundamentação na sentença afronta o princípio constitucional, previsto no art. 93 , inciso IX , da Constituição Federal , de que todas as decisões devem ser motivadas, e viola a regra estabelecida no art. 489 , inc. II , do CPC .No caso concreto, o julgador singular deixou de analisar minimamente a questão posta em discussão nos autos.Sendo assim, impõe-se a desconstituição da sentença, com o retorno dos autos à origem para prolação de nova decisão, já que inviável a sua reforma ou confirmação neste momento processual, sob pena de se estar suprimindo um grau de jurisdição.RECURSO INOMINADO PROVIDO. UNÂNIME. (TJ-RS - Recurso Cível: XXXXX RS , Relator: Laura de Borba Maciel Fleck, Data de Julgamento: 30/06/2020, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, Data de Publicação: 06/07/2020). APELAÇÃO CÍVEL - SENTENÇA - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - NULIDADE. A sentença sem fundamentação equivale à negativa de jurisdição, ensejando a sua nulidade da decisão e, por conseguinte, a prolação de novo julgamento no primeiro grau. (TJ-MG - AC: XXXXX90024570001 MG , Relator: Maurílio Gabriel, Data de Julgamento: 06/05/2021, Câmaras Cíveis / 15ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 18/05/2021). A sentença, como dito, deixou de apreciar os elementos constantes dos autos, sendo o caso de devolução do processo ao juízo primevo, a fim de não ensejar supressão de instância, ante a completa omissão na análise das teses fáticas e jurídicas suscitadas, e do teor absolutamente genérico da decisão, contrária ao contexto fático dos autos. Diante do exposto, voto no sentido de CONFERIR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO para anular a sentença, determinando o retorno dos autos ao Juizado de origem para a devida apreciação da causa. Custas já recolhidas. Sem honorários advocatícios ante o resultado obtido. JUÍZA ISABELA KRUSCHEWSKY PEDREIRA DA SILVA Relatora