RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DIREITO PENAL E PROCESSUAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PLEITO PRELIMINAR DE RECONHECIMENTO DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. INVIABILIDADE. COMPETÊNCIA RECONHECIDA CONSTITUCIONALMENTE PARA OS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA. NÃO COMPROVAÇÃO, DE IMEDIATO, DA AUSÊNCIA DO DOLO DE MATAR. COMPETÊNCIA QUE SE IMPÕE. PLEITO DE IMPRONÚNCIA. DESCABIMENTO. MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA DEMONSTRADOS. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA DE ACORDO COM O ACERVO PROBATÓRIO. REQUISITOS DO ART. 413 DO CPP . PLEITO SUBSIDIÁRIO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME PARA LESÃO CORPORAL GRAVE. IMPOSSIBILIDADE. ÓRGÃO JUDICANTE FEZ A DEVIDA CORRELAÇÃO COM O CASO SUBJUDICE. INDÍCIOS DE ¿ANIMUS NECANDI¿. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Conforme relatado, trata-se de recurso em sentido estrito interposto por José Olavo Leite Bezerra em face da decisão proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Pedra Branca ¿ CE (fls. 183/187), que o pronunciou como incurso nas sanções do art. 121 , § 2º , II , c/c art. 14 , II , do Código Penal . Irresignada, a defesa em suas razões recursais (fls. 195/211) pleiteia o conhecimento e provimento do presente recurso a fim de que seja reformada a decisão para impronúncia do acusado pela ausência de crimes contra vida, conforme o art. 414 do Código de Processo Penal ou, subsidiariamente, a desclassificação do crime para lesão corporal grave, prevista no art. 129 do Código § 1º , inciso I, do Código Penal , bem como absolvição do crime de tentativa de homicídio, conforme 415 , inciso III , do CPP , o fato não constituir infração penal. 2. Após a tramitação regular do feito e observado o devido processo legal, sobreveio decisão proferida pelo Magistrado a quo pronunciando o acusado como incurso nas tenazes do artigo 121 , inciso II, c/c 14 , II do CP , a fim de submetê-lo ao julgamento perante o Conselho de Sentença. Inicialmente, à alegada preliminar de incompetência do juízo do Tribunal do Júri por ausência do dolo de matar (animus necandi), tenho que não merece prosperar. Na oportunidade, a defesa alega que o recorrente não teve a intenção de matar a vítima, seu irmão, ou seja, o animus necandi, ressaltando elementos suficientes para aferir que a vítima apenas sofreu lesão corporal, sem prosseguir vontade de matar. 3. A competência do Tribunal do Júri é reconhecida constitucionalmente no artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal de 1988, na qual se prevê assegurada a "competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida", significando, portanto, um mecanismo do exercício de cidadania, que demonstra a importância da democracia na sociedade, posto que permite ao cidadão ser julgado por seus semelhantes e, principalmente, por assegurar a participação popular direta nos julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário. 4. Ingressando na tese recursal em que o acusado assevera que não agiu com a intenção de matar a vítima, a jurisprudência entende que somente é admissível desclassificar o crime de homicídio tentado para o delito de lesão corporal se restar comprovado, estreme de dúvida, que o acusado não agiu com o animus necandi, nem assumiu o risco de produzir o resultado morte, sob pena de invadir a competência do Conselho de Sentença, o que não se verifica no presente caso, não se podendo, pois, no momento, reconhecer a alegada ausência de dolo homicida. 5. Além do que, registre-se que na fase de pronúncia, a questão não é ter certeza acerca da autoria delitiva do recorrente, mas sim verificar se há prova inconteste de que o acusado não praticou o delito, uma vez que, havendo indícios suficientes quanto à imputação que lhe é feita, não há razão para se rever a decisão de pronúncia recorrida. Portanto, não há o que se falar em incompetência do juízo do Tribunal do Júri, de modo que o referido Tribunal possui a competência constitucional devida para a questão em comento. Preliminar rejeitada. 6. Ato contínuo, com relação ao pleito de impronúncia e, subsidiariamente, desclassificação do crime para lesão corporal de natureza grave, verifica-se que não merece prosperar. É importante destacar que, para a prolação da pronúncia, demanda-se apenas a prova da existência do crime e de indícios suficientes de autoria, conforme dispõe o art. 413 , caput e § 1º , do Código de Processo Penal . 7. Destaca-se, ainda, que por ocasião da pronúncia, é vedado que o magistrado teça ampla e profunda análise do conjunto probatório, sob pena de exercer força persuasiva de autoria a influir na convicção dos jurados, pois, ¿tratando-se de mero juízo de admissibilidade da acusação, não pode a sentença de pronúncia, conquanto dela se exija fundamentação, aprofundar-se no exame de mérito, sob pena de invadir competência do Tribunal Popular¿. (STJ, AgRg no HC560.583/SP , Rel. Ministro FELIX FISCHER , QUINTA TURMA, julgado em26/05/2020, DJe 03/06/2020). Dessa forma, quanto à materialidade, ela está comprovada através do Inquérito Policial de nº 05/2011, especialmente através da declaração da vítima (fls. 8), auto de exame de corpo de delito (fls. 15), auto de exame de corpo de delito complementar (fls. 9), auto de apresentação e apreensão (fls. 10), bem como demais depoimentos testemunhais. 8. Em suma, verifica-se do acervo probatório produzido nos autos que o acusado tentou matar a vítima com tiros através de disparo de arma de fogo, por motivo fútil (briga familiar ¿ discussão por terrenos), de modo que a ação não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente, haja vista que no momento do disparo dos tiros houve a intervenção de terceiros, como o pai do agente e da vítima. Nesse sentido, o conjunto probatório indica a possibilidade de que o acusado tenha de fato concorrido para prática do delito pelo qual fora pronunciado, mostrando-se inviável, neste momento processual, a prolação de uma decisão de impronúncia, visto que esta requer a certeza estreme de dúvidas sobre a atuação do pronunciado, o que não se verificou no caso em comento. 9. De certo, há versão em sentido contrário, como as alegações do próprio réu em juízo, no sentido de que agiu em legítima defesa. No entanto, esta não está cabalmente comprovada, pois também é plausível aquela apresentada na peça delatória. Quando as provas dos autos sustentam mais de uma tese, somente o Conselho de Sentença poderá optar por uma delas. Assim, quaisquer dúvidas acerca da ocorrência da excludente de ilicitude devem ser submetidas ao crivo do Júri Popular, não sendo possível nesse momento processual, absolver sumariamente o réu, nos termos do art. 415 , do CPP . 10. Da análise dos depoimentos colhidos na audiência de instrução e julgamento, há indícios, à primeira vista, de que o acusado tenha agido com a intenção de matar a vítima, eis que se utilizou de arma de fogo, causando lesão na perna do ofendido. Para que adviesse a desclassificação nesse momento processual, seria necessário que os indícios da presença de dolo de matar estivessem completamente afastados, situação que não ocorre no caso em comento. Nesse contexto, vê-se que existem indicativos suficientes para o encaminhamento do réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. 11. Isso porque, considerando a subjetividade do principal elemento diferenciador entre tentativa de homicídio e lesão corporal, cabe ao julgador o exame da vontade do agente a partir das provas colhidas nos autos, tais como a sede dos ferimentos sofridos, a potência da ação e o modus operandi do agressor. Desse modo, ao contrário do que sustenta o acusado, os elementos de convicção produzidos ao longo da investigação criminal e da instrução processual não autorizam a desclassificação da infração para outra não e nem permitem a conclusão absoluta de que o agente não tinha intenção de matar. 12. Importa destacar, ainda, que mesmo havendo dúvidas quanto à ausência de prova firme e segura de ter o denunciado praticado a conduta dolosamente, a pronúncia é cabível, uma vez que não se exige a certeza absoluta dos fatos, já que neste momento vigora o princípio in dubio pro societate. Ademais, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que: ¿A desclassificação para outros delitos que não aqueles da competência do Tribunal do Júri somente é cabível se descartada a hipótese acusatória sobre a presença do dolo (em qualquer de suas modalidades) na conduta dos acusados.¿ ( REsp XXXXX/RS , Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ , SEXTA TURMA, julgado em 18/06/2019, DJe 02/08/2019). 13. Recurso conhecido e não provido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os julgadores integrantes da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por votação unânime, em conhecer para negar-lhe provimento tudo em conformidade com o voto da relatora. Fortaleza, 27 de fevereiro de 2024. JUÍZA CONVOCADA MARIA REGINA OLIVEIRA CÂMARA- Relatora PORT. 17/2024