TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001436-04.2020.8.11. 0004 APELANTES: ISABELLA COSTA PICCIRILO CURY e BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS APELADOS: JULIO CEZAR GROSCHANK CAROLO e ISABELLA COSTA PICCIRILO CURY E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO MATERIAL, MORAL E ESTÉTICO EM DECORRÊNCIA DE ACIDENTE DE TRÂNSITO – RECURSOS DA REQUERIDA E DA SEGURADORA – IRRESIGNAÇÃO RECURSAL DA REQUERIDA – CULPA PELO ACIDENTE DE TRÂNSITO EVIDENCIADA – DEVERES NORMATIVOS DE PRUDÊNCIA ESPECIAL (ART. 44 CTB ) E DE EXECUTAR A MANOBRA SEM PERIGO PARA OS DEMAIS USUÁRIOS DA VIA (ART. 34 DO CTB )– PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DO BOLETIM DE OCORRÊNCIA DE TRÂNSITO NÃO ELIDIDA – DANO ESTÉTICO EVIDENCIADO – DANOS MORAIS CONSUBSTANCIADOS – RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO – AUSÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO – ARBITRAMENTO ESCORREITO – DEVER DE INDENIZAR NOTEBOOK – CULPA NO ACIDENTE E RESPONSABILIDADE PELO DANO DELE ADVINDO – RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA NOS LIMITES DA APÓLICE – ARTS. 757 e 760 do CC/02 – SÚMULA Nº 537 DO STJ – CLARIVIDENTE AUSÊNCIA DE EXCLUSÃO DOS DANOS ESTÉTICOS NA APÓLICE – SÚMULA Nº 402 DO STJ – DANOS MATERIAIS – EXCLUSÃO PARCIAL – ALEGADOS DANOS IMPERTINENTES E NÃO DEMONSTRADOS – DEVER DE RESTITUIÇÃO DO SALVADO APÓS PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO – RECURSO DA SEGURADA DESPROVIDO E DA SEGURADORA PARCIALMENTE PROVIDO – HONORÁRIOS MAJORADOS. O conjunto probatório bem demonstra a ocorrência de culpa no acidente de trânsito, mesmo considerando a alegação de inexistência da placa PARE, posto que, por se tratar de cruzamento de vias, exigia-se prudência especial (art. 44 CTB ) e executar a manobra de cruzamento de encontro das vias cruzadas sem perigo para os demais usuários da via (art. 34 do CTB ). O boletim de ocorrência de acidente de trânsito coligido à inicial possui presunção de veracidade, isso porque, mesmo sendo de sua incumbência o encargo probatório contraposto nos termos do art. 373 , inciso II , do CPC , a parte requerida/apelante não trouxe ao feito nenhuma prova em sentido ao contrário ao documento público que goza de fé pública. Em decorrência do acidente de trânsito o autor/apelado passou por procedimentos cirúrgicos, colocou parafusos e hastes de metal em sua perna e possui cicatrizes de grande extensão e evidentes na perna, o que denota patente existência do dano estético, estando escorreito o quantum indenizatório arbitrado a tal título, o qual é condizente com as circunstâncias do caso e as premissas de razoabilidade e proporcionalidade, sem importar em enriquecimento ilícito. Existentes danos morais em razão dos inegáveis sofrimentos advindos das lesões sofridas e de toda a situação vivenciada, não dependendo de prova e derivando dos próprios fatos – dano in re ipsa. O valor fixado em primeiro grau – R$20.000,00 (vinte mil reais) – se mostra consentâneo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo suficiente para, diante das peculiaridades do caso, das lesões suportadas e de toda a situação vivenciada (dor certamente suportada, os sucessivos procedimentos cirúrgicos, a necessidade e atendimento pelo SUS, falta de assistência pela parte culpada pelo acidente, angústia por ter se se afastado de seus afazeres, etc.), compensar o abalo moral sofrido pelo autor, bem como atender ao caráter punitivo-pedagógico da condenação, não destoando da capacidade econômica das requeridas. A responsabilidade em indenizar o notebook restou evidenciado no caso concreto, porque há prova robusta de que o dano nele ocasionado decorreu do acidente de trânsito por culpa da requerida, não havendo como aferir as detidas circunstâncias de como era transportado o objeto, o que, aliás, é despiciendo, posto que inegável pelas provas coligidas que o acidente de trânsito foi a causa eficiente dos danos ao aparelho, valendo a inferência de que se não houvesse o acidente causado por culpa da apelante, não haveria o dano. Imperativa a responsabilização da seguradora nos limites da apólice contratada, valendo a linha de intelecção dos arts. 757 e 760 do CC/02 e da Súmula nº 537 do STJ, a qual preleciona que em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice. Não prospera o argumento da seguradora de que a indenização por danos estéticos esteja excluída da cobertura contratada, sobretudo porque a apólice não traz em seus termos clarividente exclusão de tal natureza de danos, os quais, em razão disso, denotam-se compreendidos na cláusula de cobertura de “Danos Corporais a Terceiros”. Inteligência da Súmula nº 402 do STJ, segundo o qual o contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão. Não é oponível alegação de inexistência de previsão de cobertura dos danos estéticos prevista somente na seara de regulamento das “Condições Gerais do Seguro”, posto que “por se tratar de documento unilateral ao qual o usuário não anuiu no momento da aceitação da proposta” ( REsp XXXXX/MG ). Estando comprovados os danos materiais suportados com medicamentos, exames e afins, não merece retificação a condenação da parte requerida/apelante, excetuado tão somente o valor correspondente ao produto contraceptivo, por não guardar nenhuma pertinência com o tratamento do autor. Impõe-se a devolução da motocicleta envolvida no acidente, posto que é reconhecida a indenização pela perda total do referido veículo, além de que é assegurado o direito de transferência do veículo salvado à seguradora livre e desembaraçado. Neste ponto, o art. 786 do Código Civil , dispõe expressamente que paga a indenização, o segurador sub-roga-se na propriedade do "salvado". “Somente depois de paga a indenização securitária a seguradora sub-roga-se na propriedade do bem salvado” (N.U XXXXX-06.2021.8.11.0000 , CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 25/05/2022, Publicado no DJE 31/05/2022).