Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível Recurso nº XXXXX-72.2021.8.05.0001 Processo nº XXXXX-72.2021.8.05.0001 Recorrente (s): BRADESCO SAÚDE S A Recorrido (s): HELENA ROSA ARGOLO SARKIS EMENTA RECURSO INOMINADO. PLANO DE SAÚDE. REVISIONAL. PRELIMINARES DE COMPLEXIDADE, ILEGITIMIDADE ATIVA E PRESCRIÇÃO TRIENAL DA REVISÃO AFASTADAS. APLICA-SE A PRESCRIÇÃO TRIENAL SOMENTE NO TOCANTE À DEVOLUÇÃO. RENÚNCIA TÁCITA DO CRÉDITO EXCEDENTE À ALÇADA DO JUIZADO. O ART. 3º , § 3º , C/C ART. 39 DA LEI 9.099 /95. IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO NO VALOR DA CONDENAÇÃO DEPOIS DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. REAJUSTE ANUAL E POR VCMH. CONTRATO DE SAÚDE QUE NÃO CUMPRE OS REQUISITOS INERENTES À MODALIDADE DE PLANO COLETIVO POR ADESÃO. FALSO COLETIVO. RECONHECIMENTO DA ABUSIVIDADE DOS AUMENTOS PRETENDIDOS PELA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE, POR MALFERIR NORMAS E PRINCÍPIOS CONSAGRADOS DO CDC . EQUIPARAÇÃO DOS REAJUSTES QUESTIONADOS AOS PERCENTUAIS FIXADOS PELA ANS. PLANOS COLETIVOS COM MENOS DE 30 VIDAS. APLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 3º DA RN 309 DA ANS E DA SÚMULA 02 DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DO TJBA. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE A DEMANDA PARA: DECLARAR NULOS E ABUSIVOS OS REAJUSTES ANUAIS IMPLEMENTADOS NO CONTRATO OBJETO DOS AUTOS E CONDENAR A ACIONADA A RESTITUIR AO CONSUMIDOR, DE FORMA SIMPLES, OS VALORES PAGOS A MAIOR. MANUTENÇÃO DO JULGADO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. JULGAMENTO REALIZADO SOB O RITO ESTABELECIDO NO ARTIGO 15, INCISOS XI E XII DA RES. 02 DE FEVEREIRO DE 2021 DOS JUIZADOS ESPECIAIS E DO ARTIGO 4º, DO ATO CONJUNTO Nº 08 DE 26 DE ABRIL DE 2019 DO TJBA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. PRECEDENTES: XXXXX-76.2020.8.05.0080 E XXXXX-08.2021.8.05.0001 . Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099 /95[1]. Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro, saliento que o Recorrente BRADESCO SAÚDE S A pretende a reforma da sentença lançada nos autos que: Portanto, julgo PROCEDENTES os pedidos, nos seguintes termos: DECLARAR a nulidade dos reajustes realizados sem observância dos índices da ANS; CONDENAR a demandada a restituir à parte autora, de forma simples, os valores pagos a maior que o autorizado pela ANS no período de a partir dos 03 anos anteriores a data de ajuizamento da presente ação, devendo incidir juros, na taxa de 1% ao mês, contados a partir da citação (art. 405 do CC ), e correção monetária (pelo INPC) a partir do evento danoso (efetivo desembolso); Advirto às partes que eventuais embargos de declaração interpostos sem a estrita observância das hipóteses de cabimento previstas no art. 1.022 do NCPC , ou destinados a rediscutir matéria já apreciada, serão considerados manifestamente protelatórios e a parte embargante será sancionada nos termos do art. 1.026 do mesmo diploma, sem prejuízo de condenação no pagamento de multa por litigância de má-fé, quando for o caso. Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, consoante o rito estabelecido no artigo 15, incisos XI e XII da Res. 02 de fevereiro de 2021 dos Juizados Especiais e do artigo 4º, do Ato Conjunto nº 08 de 26 de abril de 2019 do TJBA, que dispõem sobre o julgamento realizado monocraticamente de processos em ambiente virtual pelas Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais que utilizam o Sistema PROJUDI. DECISÃO MONOCRÁTICA No tocante à preliminar de complexidade e realização de prova pericial (perícia atuarial), tenho que o juiz é o dirigente do processo e o destinatário das provas, e a ele incumbe velar para que a instrução seja conduzida de modo a formar seu convencimento sobre os fatos da causa, cabendo-lhe a aferição da necessidade de sua produção, bem como o indeferimento daquelas que achar desnecessárias, como dispõe o artigo 370 e 371 do CPC/2015 . Prova pericial atuarial que se afigura desnecessária, porquanto se trata de questão exclusivamente de direito e não há qualquer sentido na realização de perícia atuarial, isto porque a análise da abusividade e consequente recalculo das parcelas cobradas não depende de elaboração de prova complexa. No tocante à preliminar de renúncia tácita do crédito excedente à alçada do juizado, sem razão a parte recorrente, o qual, nem ao menos, indica qual seria o valor da causa eventualmente que acha correto. O valor da causa está, na visão desta julgadora, conforme a pretensão da parte demandante. O quantum que essa acha devido; o montante estimado como proveito econômico pela parte autora. Segundo a doutrina, valor da causa é a expressão econômica do pedido, devidamente dimensionado à luz da causa de pedir. Interessa para atribuição de valor à causa aquilo que foi efetivamente pedido, sendo irrelevante o que no processo não ingressou. O valor da causa obedece às regras da originalidade, no sentido de que tem de ser estimado na petição inicial pelo demandante, e da definitividade, tendo em conta que o valor indicado e aceito se perpetua. Registre-se que a Lei 9.099 estabelece um teto para a propositura de ações perante os Juizados Especiais. Assim, sendo o valor da causa superior a 40 salários mínimos a parte deve recorrer as vias ordinárias. Quanto a isso, registre-se que os Juizados Especiais são competentes para execução dos seus próprios julgados, independentemente do valor acrescido à condenação, ou seja, não importando que o valor exigido extrapole o limite de 40 salários mínimos estabelecido no artigo 53 da Lei 9099 /95; faixa que somente deve ser observada no que se refere ao valor da causa fixada originalmente e aos títulos executivos extrajudiciais. O art. 3º , § 3º , C/C art. 39 da Lei 9.099 /95 dispõe acerca do limite de quarenta salários mínimos ao valor da causa quando do ajuizamento da demanda. O mesmo não ocorre para o cumprimento da sentença, de modo que, no valor fixado na condenação, além dos juros incide a correção monetária, podendo superar o teto dos Juizados Especiais Cíveis. Os Juizados Especiais são competentes para processar e executar os próprios julgados, desde que o valor da causa originária não ultrapasse 40 (quarenta salários mínimos), sendo irrelevante o valor da condenação alcançada em razão do decurso do tempo. Assim, O teto dos juizados especiais cíveis deve ser observado por ocasião do ajuizamento do pedido na fase de conhecimento, desimportando seja excedido na fase de cumprimento da sentença. Sendo assim, rejeito a referida preliminar. Quanto à preliminar de ilegitimidade ativa, também não merece guarida. O beneficiário de plano de saúde, ainda que dependente de plano coletivo, é parte legítima para propor ação cuja pretensão é concernente à manutenção do plano de saúde, porquanto o contrato coletivo de plano de saúde gera efeitos que transcendem as partes contratantes e atingem a esfera jurídica dos beneficiários. Posicionamento esse adotado pela jurisprudência: RECURSO INOMINADO. PLANO DE SAÚDE COLETIVO POR ADESÃO. AÇÃO PROPOSTA PELA BENEFICIÁRIA. COBERTURA EM FAVOR DO DEPENDENTE. LEGITIMIDADE ATIVA PARA O PROCESSO. PROSSEGUIMENTO DO JULGAMENTO EM SESSÃO A SER DESIGNADA PELO JUIZ RELATOR. (TJPR - 2ª Turma Recursal - XXXXX-10.2017.8.16.0191 - Curitiba - Rel.: Luciano Lara Zequinão - Rel.Desig. p/ o Acórdão: Juiz Helder Luis Henrique Taguchi - J. 15.05.2020) A autora figura como beneficiária do plano de saúde, razão pela qual tem plena legitimidade para acionar diretamente a operadora de saúde e/ou sua administradora, sem necessidade de participação da empresa estipulante, ou do titular do plano, em juízo. Com relação à PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO trienal (alegada pela recorrente aplicável tanto para revisão quanto para devolução), quanto à devolução reconhece-se a incidência, no caso dos autos, da prescrição trienal. Isso porque houve recente prolação de acórdão nos recursos especiais repetitivos componentes do tema 610 ( REsp 1.361.182-RS e REsp 1.360.969-RS ), julgados em 10/08/2016 pela Segunda Seção do E. Superior Tribunal de Justiça, publicados em 19/09/2016, pelos quais restou pacificada a aplicação, à hipótese dos autos, da prescrição trienal, a qual atinge somente o pleito de devolução dos valores pagos a maior, conforme inteligência do art. 206 , § 3º , inc. IV do CC/2002, mas não atinge o pleito revisional, posto que a prescrição que o regula é de 10 anos, pois tem-se socorrido do CC desde que nele se entreveja regra mais favorável a quem, na relação, ocupe posição vulnerável, portanto alguém a cuja proteção se volta o sistema. Pelo que a prescrição aplicável mais favorável ao consumidor, no tocante à revisão é a decenal prevista como regra geral no art. 205 CC . NO MÉRITO, Circunscrevendo a lide para efeito de registro, tratam os presentes autos da pretensão em obter provimento jurisdicional de revisão dos reajustes implementados em relação ao seu plano de saúde, na modalidade coletivo empresarial, mas que em verdade trata de plano falso coletivo. Aduziu que sofreu reajustes ilícitos no seu prêmio, em índices maiores do que o divulgado pela ANS para os contratos individuais e maiores que qualquer índice inflacionário. Requereu aplicação dos índices estabelecidos pela ANS e devolução dos valores pagos a maior. Contestando o feito, a ré suscita preliminares (já apreciadas) e, no mérito, argumenta que os acionantes são titulares de plano na modalidade coletivo empresarial e que as majorações foram a título de variação de custos, conforme previsão contratual expressa. Afirma que os planos de saúde coletivos são regidos por contratos e não possuem reajustes orientados pelo mesmo percentual divulgado para os planos de saúde individuais. No mais, afirma ter agido regularmente e pugna pela improcedência dos pedidos. Este é o breve relatório, decido. O caso dos autos retrata nítida relação de consumo em virtude da perfeita adequação aos conceitos de consumidor (art. 2º), fornecedor (art. 3º, caput) e serviço (art. 3º, § 2º) contidos na Lei 8.078 /90. De forma que a matéria deve ser tratada à luz do Código de Defesa do Consumidor , pois as partes contratantes enquadram-se nos conceitos de consumidor e fornecedor, nos termos dos artigos 2º e 3º , da referida codificação. Esse também é o entendimento previsto pelo verbete da Súmula nº 469 do Superior Tribunal de Justiça[2]. Desta forma, faz-se imperiosa a intervenção do Poder Judiciário para equilibrar as forças entre os polos da relação contratual, em caso de exagerada desvantagem para o consumidor, mas sempre se atentando à imperiosa necessidade de interpretar o Ordenamento Jurídico de forma conjunta, pois as normas constantes de microssistemas distintos devem ser harmonizadas. É necessário ressaltar, ainda, que se trata de apólice coletiva, mas NA MODALIDADE EMPRESARIAL E NÃO COLETIVO POR ADESÃO (falso coletivo). Em julgamentos mais recentes o STJ tem destinado tratamento diferenciado aos planos coletivos com menos de 30 vidas, que segundo a ANS, representam 85% dos contratos de planos de saúde no país, com cerca de dois milhões de usuários, a qual regula os reajustes por regras previstas na Resolução Normativa RN n. 309/2012. Consoante aquela Corte Superior: "4. A contratação por uma microempresa de plano de saúde em favor de dois únicos beneficiários não atinge o escopo da norma que regula os contratos coletivos, justamente por faltar o elemento essencial de uma população de beneficiários . 5. Não se verifica a violação do art. 13 , parágrafo único , II , da Lei 9.656 /98 pelo Tribunal de origem, pois a hipótese sob exame revela um atípico contrato coletivo que, em verdade, reclama o excepcional tratamento como individual/familiar" ( REsp XXXXX/SP , Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 09/03/2018). Embora não se possa alterar a natureza do contrato de coletivo para individual/familiar, é adequado, nos planos coletivos com menos de 30 vidas, diante da sua destinação a um número reduzido de beneficiários, em geral da mesma família, e do menor poder de negociação, que se confira maior proteção, de maneira que o reajuste deverá observar o disposto no art. 3º da RN 309 da ANS, no sentido de que: ¿é obrigatório às operadoras de planos privados de assistência à saúde formar um agrupamento com todos os seus contratos coletivos com menos de 30 (trinta) beneficiários para o cálculo do percentual de reajuste que será aplicado a esse agrupamento¿. Com relação ao reajuste por Variação Dos Custos Médicos Hospitalares, para que esses reajustes sejam aplicados, deve a operadora demonstrar o efetivo aumento da sinistralidade, a elevação dos custos e a ameaça ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, sob pena de violação ao princípio da boa-fé objetiva. É indiscutível, em virtude do ora delineado, que o repasse da variação dos custos médicos e hospitalares ao consumidor o coloca em desvantagem exagerada. Cuida-se de preservar a igualdade das partes em um contrato, que não pode ser alterado unilateralmente por uma delas, invocando dados inacessíveis à outra. Com efeito, incide ao caso os art. 39 , incisos V e X , art. 51 , inciso IV e art. 51 , § 1º , inciso II , todos do CDC , uma vez que os reajustes devem ser razoáveis de modo a não acarretar ônus excessivo para uma das partes e benefício para a outra. Nestes processos que tratam sobre apólice empresarial, verifica-se uma peculiaridade no que tange aos reajustes anuais, pois as operadoras de seguro saúde, embutem no valor do reajuste anual (VCMH) a sinistralidade do período, o que é ilegal, pois não há previsão para que tal reajuste seja efetuado. Mostra-se abusivo o reajuste em decorrência do índice de sinistralidade, pois permite a majoração apenas em benefício da operadora do plano de saúde, deixando de considerar a possibilidade de o contrato tornar-se extremamente oneroso ao beneficiário. O reajuste anual é aquele referente a variação de custos médicos e hospitalares, e que ocorre no mês de aniversário do contrato, tem previsão legal. Já O REAJUSTE POR SINISTRALIDADE NÃO TEM PREVISÃO LEGAL, entretanto, as operadoras incluem no contrato este tipo de reajuste, como uma forma de inserir na mensalidade um valor para compensar a despesa anual que a seguradora teve com aquele grupo de beneficiários, pois a mesma ultrapassou a receita do período. Ou seja, a previsão contratual garante à operadora que aumente ilimitadamente o valor da sinistralidade para assegurar uma margem de lucro, eliminando o risco de sua atividade. Ocorre que a atividade é da empresa e não do consumidor, não sendo lícito nem plausível que este arque com os riscos de atividade que não pratica. O aumento por sinistralidade, na forma defendida pela ré, coloca a parte autora em desvantagem exagerada, em dissonância com o que prescreve o art. 51 , inc. IV , do CDC , pois afasta a aleatoriedade inerente aos contratos de seguro, transferindo ao consumidor o ônus que cabe à operadora, que teria de cobrir os os riscos cobertos pelo prêmio acordado, e não transferir eventual prejuízo aos beneficiários. Afronta à boa-fé contratual, prevista no art. 422 , do Código Civil , o que impõe a declaração de nulidade da referida cláusula. Igualmente, deve incidir o disposto no art. 51 , X , § 1º , II e III , do CDC , segundo o qual é nula a cláusula que permita ao fornecedor, direta ou indiretamente, variar o preço unilateralmente. Destaca-se, ainda, que não houve a indicação por parte da demandada sobre os critérios utilizados para determinar o reajuste da mensalidade do plano de saúde em valor tão expressivo, rompendo com o equilíbrio contratual, princípio elementar das relações de consumo, a teor do que estabelece o artigo 4º , inciso III , do CDC , inviabilizando a continuidade do contrato. A operadora de saúde não produziu qualquer prova no sentido de justificar os índices adotados para o reajuste do plano de saúde coletivo da apelante nos períodos impugnados, limitando-se a alegar a liberdade de reajustamento dos planos coletivos, os quais não estão vinculados aos índices fixados pela ANS aos planos individuais. Afora a questão da legalidade da adoção de reajuste em índice não atrelado aos limites adotado pela ANS, em se tratando de plano coletivo, a espécie recomenda exame criterioso, pois além de elevados os aumentos adotados, não houve esclarecimento ao associado, tampouco previsão específica e clara no ajuste, acerca desses reajustes e sua origem. Conforme entendimento do magistrado de piso, no que tange aos reajustes anuais, não há como escapar a abusividade manifesta e, embora as Rés não estejam sujeitas aos limites da ANS, não pode realizar a conduta de impor o reajuste na forma que entenderem, sem um mínimo de razoabilidade. Vale dizer: o consumidor tem o direito de prever qual será a amplitude do aumento dos preços do contrato a que está submetido, em especial nos contratos de prestações sucessivas, como é o caso dos autos. Ademais, a alteração do contrato por meio de resolução elaborada pela ré importa variação unilateral do preço, cláusula nula de pleno direito, de acordo com o artigo 51 , X , do Código de Defesa do Consumidor . Entendo que os contratos de plano de saúde devem ter disposições acerca de seus reajustes periódicos, não podendo conferir ao fornecedor do serviço o poder de apreciar unilateralmente a majoração a ser aplicada, sendo abusiva cláusula contratual nesse sentido. De certo que não há referida vinculação, o que não significa, contudo, que os reajustes dos planos coletivos podem ser adotados sem qualquer critério de razoabilidade e sem demonstração de alteração de sinistro que o justifique. Dessa forma, ausentes mudanças fáticas nas bases objetivas do contrato que justifique expressiva alteração contributiva, eventuais problemas de gestão ou erro na realização dos cálculos atuariais por ocasião da contratação não podem ser transferidos ao segurado. Não podem os beneficiários do plano de saúde serem responsabilizados por erros de cálculos atuariais da ré. Então, se os prejuízos acumulados foram ocasionados por má-gestão da demandada, não pode, sob essa justificativa, implementar tal aumento abusivo nas mensalidades do plano de saúde da parte autora. No que se refere ao reajuste anual, conforme dito, necessário esclarecer que no caso dos autos trata-se de plano coletivo empresarial, e não coletivo por adesão. A pretensão sub judice reclama que o reajuste anual ocorra, todavia não no percentual aplicado, pois importa em onerosidade excessiva e causa de desequilíbrio contratual, aplicando-se ao caso o reajuste autorizado pela ANS. Assim, entendo que os contratos de plano de saúde devem ter disposições acerca de seus reajustes periódicos, não podendo conferir ao fornecedor do serviço o poder de apreciar unilateralmente a majoração a ser aplicada, sendo abusiva cláusula contratual nesse sentido. A ideia de aumento de mensalidade de planos de saúde, seja coletivo ou individual, por cálculo de desequilíbrio financeiro ou sinistralidade, estabelecido unilateralmente, em contrato de adesão, sem prévio esclarecimento e participação dos consumidores, seja atuando pessoalmente ou mediante representação, é de toda abusiva, por conferir vantagem excessiva em favor da operadora do plano, colocando, por outro lado, os consumidores em posição de desvantagem acentuada , além de se mostrar incompatível com a boa-fé, encontrando vedação no art. 51 , X , do CDC , impondo-se sua desconsideração nos termos do inciso V de seu art. 6º . Referente aos reajustes por faixa etária, conforme decidido em recurso repetitivo pelo STJ ( REsp n. 1.568.244/RJ ), devem seguir o contrato, respeitadas as normas da legislação consumerista quanto à abusividade dos percentuais de aumento. A Lei nº 9.656 /98 tratou com parcimônia da questão relacionada aos aumentos do preço dos planos de saúde privada, o que demonstra que prevalece a autonomia das partes. Conta o consumidor com a proteção geral do Código de Defesa do Consumidor , especialmente dos artigos 51 , X , que veda o aumento unilateral de preços, e do art. 6 , V , que permite a revisão do contrato em razão de fatos supervenientes que o tornem excessivamente oneroso, quebrando a base do negócio jurídico. IMPORTANTE RESSALTAR QUE houve edição da súmula 02 da TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO, em que ficou determinado que: ¿os planos coletivos por adesão e empresarias até 30 (trinta) vidas aplica-se também o índice de reajuste anual estipulado pela ANS para os planos individuais, face a ausência de vedação em sentido contrário¿. Assim, analisando os demonstrativos de pagamento acostados ao evento 01, verifico que se trata de coletivo empresarial até 30 (trinta) vidas, portanto, se enquadrando no quanto determinado na nova súmula editada, sendo certo que o caso sub judice deve obedecer ao reajuste estipulado pela ANS para planos individuais. Assim, declaro como abusivos os reajustes oriundos do aumento da sinistralidade com relação ao contrato coletivo em que figura o recorrente como beneficiária, autorizados apenas os reajustes editados pela ANS, relativamente ao período objeto da ação. Assim, no que diz respeito ao índice de reajuste, deve ser aplicado o quanto previsto pela ANS. A restituição de valores pagos a maior pelo período prescricional de 03 anos antes do ajuizamento da ação, deve ocorrer em sua forma simples, ante a ausência comprovação de má-fé por parte da operadora de plano de saúde, que reajustou a mensalidade de acordo com o contrato celebrado entre as partes. Nas relações jurídicas de trato sucessivo, quando não estiver sendo negado o próprio fundo de direito, pode o contratante, durante a vigência do contrato, a qualquer tempo, requerer a revisão de cláusula contratual que considere abusiva ou ilegal, seja com base em nulidade absoluta ou relativa. Porém, sua pretensão condenatória de repetição do indébito terá que se sujeitar à prescrição das parcelas vencidas no período anterior à data da propositura da ação, conforme o prazo prescricional aplicável. Uma vez que houve cobrança indevida por parte da operadora, é devida a restituição à consumidora dos valores cobrados a mais. É devida a repetição do indébito na forma simples, salvo quando demonstrada a má-fé do credor, hipótese em que a devolução dos valores pagos pelo consumidor poderá ocorrer em dobro - art. 42 do CDC . Consoante entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça, a devolução em dobro dos valores cobrados de forma indevida somente se admitirá no caso de má-fé por parte do prestador de serviços, o que não se verifica no caso concreto. Nesse ponto, salienta-se que a restituição é devida até mesmo das mensalidades já quitadas antes da sentença, uma vez que o fato de a autora não ter se insurgido antes contra a abusividade de valores não lhe retira o direito de reaver o que pagou indevidamente[3]. Quanto aos lapsos prescricionais da condenação, para o recálculo dos valores do prêmio mensal, deve-se aplicar o art. 205 do CC , tendo em vista a ausência de lapso prescricional específico à demanda objeto da lide. Já para o exercício do direito à repetição do indébito, deve incidir o art. 206 , § 3º , IV do CC , por se tratar de pedido fundado na vedação ao enriquecimento sem causa. Em ambos os casos, o dies a quo será a data do recebimento desta demanda pelo Distribuidor. Nos termos do art. 55 da Lei n. 9.099 /95, somente o recorrente vencido na integralidade da pretensão recursal é que suporta a condenação em honorários de sucumbência. A parte recorrida, ainda que vencida, não suportará esse ônus. Assim sendo, ante todo exposto, voto no sentido de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, para manter a sentença vergastada da conforme prolatada. Custas e honorários de 20% sobre o valor da causa pelo recorrente. Julgamento realizado sob o rito estabelecido no artigo 15, incisos XI e XII da Res. 02 de fevereiro de 2021 dos Juizados Especiais e do artigo 4º, do Ato Conjunto nº 08 de 26 de abril de 2019 do TJBA, que dispõem sobre o julgamento realizado monocraticamente de processos em ambiente virtual pelas Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais que utilizam o Sistema PROJUDI. Salvador/BA, data registrada no sistema. ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA Juíza Relatora [1] Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão. [2] Súmula 469 do STJ: ¿Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.¿ [3] PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE POR SINISTRALIDADE E VCMH. PRESCRIÇÃO. DEZ ANOS. NULIDADE DAS CLÁUSULAS DE REAJUSTE POR SINISTRALIDADE. OCORRÊNCIA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DO REAJUSTE. RESTITUIÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS. POSSIBILIDADE. Insurgência da ré contra sentença de procedência. 1. Prescrição. Ocorrência. Recurso Repetitivo REsp nº 1.360.969/RS . Durante a vigência do contrato, pode-se, a qualquer tempo, requerer a revisão de cláusula contratual que considere abusiva ou ilegal com a consequente revisão da mensalidade, seja com base em nulidade absoluta ou relativa. Pretensão à devolução de valores que se submete à prescrição trienal (art. 206 , § 3º , IV , do CC ). Pretensão da autora à devolução de valores limitada ao período de três anos anteriores à propositura da ação. 2. Mérito. Cláusula de previsão de reajuste com base na sinistralidade não é nula, dependendo, para sua efetivação, de comprovação da sinistralidade ocorrida a fim de justificar o reajuste aplicado. Apelante apresentou índices com base no percentual do VCMH que são diversos dos índices de reajuste aplicados à consumidora. Abusividade reconhecida. Reajuste anual da ANS deve ser aplicado ao caso. Devolução simples dos valores pagos indevidamente, observando-se o prazo de prescrição. Precedentes deste Tribunal. Correção desde o desembolso e juros de mora a partir da citação. Sentença reformada em parte. Recurso provido parcialmente. (TJ-SP - APL: XXXXX20168260011 SP XXXXX-26.2016.8.26.0011 , Relator: Carlos Alberto de Salles, Data de Julgamento: 08/04/2017, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/04/2017)