TRF-3 - APELAÇÃO CRIMINAL: ApCrim XXXXX20164036102 SP
E M E N T A PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 183 DA LEI N.º 9.742 /1997. RÁDIO CLANDESTINA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICÁVEL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 5º , INCISO XLV , DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL . CRIME COMETIDO POR PESSOA JURÍDICA. AFASTADA. RECHAÇADA ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE ATIVIDADE CLANDESTINA. RÁDIO TERRA FM AUTORIZADA PARA TRANSMISSÃO EM LOCALIDADE DIVERSA. DA CORRETA TIPIFICAÇÃO DO DELITO IMPUTADO. DA VIOLAÇÃO DO BEM JURÍDICO TUTELADO. DELITO DE NATUREZA FORMAL. HABITUALIDADE COMPROVADA E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ROBUSTA. DA ALEGADA COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA PARA APURAÇÃO DE EVENTUAL IRREGULARIDADE. AUTONOMIA DAS INSTÂNCIAS. - Da prescrição da pretensão punitiva estatal. Inocorrência. Em já tendo havido trânsito em julgado para a acusação, o prazo prescricional a ser considerado regula-se pela pena concretamente aplicada (02 anos de detenção), de modo que importa verificar se entre os marcos interruptivos legalmente previstos transcorreu lapso superior a 04 (quatro) anos (inteligência do art. 107 , inciso IV , 1ª figura, c.c. o art. 109 , inciso V , do CP ). Considerando que os fatos narrados na denúncia ocorreram em 22.12.2010 (interrupção da prestação clandestina dos serviços de telecomunicação), que o recebimento da denúncia se deu em 18.05.2016 e que a publicação da sentença condenatória ocorreu em 14.05.2018, inexistentes dúvidas a respeito de não ter transcorrido o prazo prescricional entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença, como entre este marco interruptivo até o presente momento. - Princípio da Insignificância. Impertinente o pleito de incidência do postulado da bagatela tendo em vista que o delito mencionado visa tutelar a segurança e a higidez do sistema de telecomunicação presente no país, a permitir, inclusive, o controle e a fiscalização estatal sobre tal atividade econômica, caracterizando-se por ser infração penal formal e de perigo abstrato, ou seja, consumando-se independentemente da ocorrência de dano - desta feita, diante de mácula a bem jurídico de suma importância, impossível cogitar-se de mínima periculosidade social da ação e de reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, sendo inaplicável o princípio da insignificância ao delito delineado no artigo 183 da Lei nº 9.472 /1997 - Materialidade, Autoria e Elemento Subjetivo. A materialidade restou devidamente comprovada por meio do Relatório de Fiscalização da ANATEL, datado de 22.12.2010, apontando operação de estação não autorizada, na cidade de Cravinhos/SP (torre de transmissão, contendo um transmissor de radiodifusão em FM marca MTA, modelo FM25000S, número de série 723, código de homologação XXXXX-07-0518, potência de operação 10 kW e frequência de operação 98,9 MHz), em efetivo funcionamento, com programação da emissora identificada com o conteúdo da Terra FM, transmitida a partir do Sistema Santarosense de Comunicação Ltda na cidade de Santa Rosa do Veterbo. Comprovado que tanto a torre de transmissão em Cravinhos, quanto a estação de radiodifusão da cidade de Santa Rosa do Viterbo/SP (de propriedade do filho do apelante), bem como o conteúdo da Rádio Terra FM (consta oficialmente como sócios desta Rádio, a esposa do apelante, e seu filho Raul Rotschild de Abreu) tratavam-se de empreendimentos familiares, conforme pode ser observado pelas Fichas Cadastrais das empresas juntadas aos autos. E, em assim sendo, não há que se crer que o réu não tivesse ciência sobre a instalação e transmissão da programação da denominada Rádio Terra FM clandestinamente, em estação irradiante localizada em sua propriedade. Quanto ao dolo, sendo o acusado possuidor de outras concessões de serviço público de radiodifusão, certamente conhece a necessidade de outorga do Poder Concedente para utilização e transmissão de serviço de radiodifusão - Da alegada violação ao disposto no artigo 5º , inciso XLV , da Constituição Federal (crime cometido por pessoa jurídica - Sistema Santarosense de Comunicação Ltda). Alegação afastada. Nos presentes autos, não há apuração da responsabilidade penal da empresa Sistema Santarosense de Comunicação Ltda ou, ainda, a prática de delito pelo seu sócio (filho do acusado), eis que não figuram como partes na demanda. A propósito o processo foi desmembrado em relação a Raul Rotschild de Abreu, tendo sido proferida sentença condenatória em seu desfavor, ainda em grau de recurso. O que se apura nos autos é a prática do crime previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472 /1997 pelo réu, que restou devidamente comprovado em decorrência da construção de sistema irradiante e a transmissão, por este, a partir da estação de radiodifusão localizada em Santa Rosa do Viterbo, de programação da denominada Rádio Terra FM, sem autorização do órgão competente para tanto. Devidamente atestado o desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação pelo acusado como pessoa física, não se constatando a utilização de pessoa jurídica como instrumento de cometimento do ilícito penal em tela ou beneficiária econômica de práticas criminosas - Da alegada inexistência de atividade clandestina, pois a Rádio Terra FM está autorizada pelo Poder Público para a prestação de serviços de radiodifusão. Ainda que a Rádio Terra FM esteja autorizada pelo Poder Concedente para a prestação de serviços de radiodifusão, não estava autorizada a realizá-la na torre de transmissão localizada na cidade de Cravinhos/SP, conforme constataram os agentes de fiscalização da ANATEL. Portanto, qualquer transmissão efetuada fora da localidade apontada constitui atividade clandestina de telecomunicação - Da tipificação do delito imputado (artigo 183 da Lei n.º 9.472 /1997). Da violação ao bem jurídico tutelado e da alegada inexistência de habitualidade e deficiência da investigação criminal. A instalação e uso clandestino de estação de radiodifusão, ou seja, sem autorização legal do Poder Concedente, caracteriza o delito de atividade clandestina de telecomunicação. A instalação e uso de estação de radiodifusão (Rádio Terra FM, na frequência 98,9 Mhz, transmitida por fonte irradiante da cidade de Cravinhos/SP), sem a devida autorização da ANATEL, configura o delito descrito no artigo 183 da Lei n.º 9.472 /1997. No mais, cumpre asseverar que o desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação é delito de natureza formal, sendo prescindível resultado naturalístico para a sua consumação, razão pela qual não se mostra necessário que a conduta do agente cause efetivo prejuízo a outrem. Além disso, trata-se de crime de perigo abstrato, cuja lesividade é presumida, ou seja, para a sua caracterização, basta a comprovação de que o agente desenvolveu atividade de telecomunicação sem a devida autorização do órgão competente, já que a lei traz uma presunção juris et de jure de que tal conduta gera perigo, isto é, compromete, por si só, a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do país. Portanto, não há que se questionar a violação ao bem jurídico tutelado. Por fim, afasta-se a alegação de inexistência de habitualidade e deficiência da investigação criminal. O Relatório de Fiscalização, corroborado pelo depoimento dos agentes da ANATEL em juízo, é robusto a atestar que na torre de transmissão situada na cidade de Cravinhos verificou-se a operação de uma rádio FM na frequência 98,9 Mhz, com transmissão da programação da Emissora Terra FM, sendo que, durante a fiscalização não constatou a interferência de outra rádio. - Da competência administrativa para apuração de eventual irregularidade. Cumpre salientar a completa autonomia de instâncias (penal, administrativa, cível e tributária), sendo plenamente possível que uma única conduta reverbere nos campos penal, cível, administrativo e tributário, de modo que a conclusão imposta pelo ordenamento jurídico para cada uma de tais searas, de regra, não impacta nas demais. A imposição de penalidade administrativa ao Sistema Santarosense de Comunicação Ltda não possui o condão de afastar a tipicidade do crime de desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação (cuja precípua função está em punir, no campo criminal, a conduta que compromete a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do país, tratada no artigo 183 da Lei n.º 9.472 /1997), de forma que o pleito da defesa resta afastado - Apelação do réu a que se nega provimento, mantida a condenação pela prática do delito do artigo 183 da Lei n.º 9.472 /1997, à pena de 02 (dois) anos de detenção, em regime inicial ABERTO, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor unitário de duas vezes o valor do salário-mínimo, vigente na data dos fatos, atualizado monetariamente na execução. Pena privativa de liberdade substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes no pagamento de prestação pecuniária no valor de 45 (quarenta e cinco) salários-mínimos, à entidade pública ou privada com destinação social, a ser apontada pelo r. juízo da execução penal, e na prestação de serviços à comunidade, também na forma a ser delimitada pelo r. juízo da execução penal.