PROCESSO Nº: XXXXX-14.2021.4.05.8304 - APELAÇÃO CRIMINAL APELANTE: JOSENILDO LEITE SOARES e outro ADVOGADO: Carlos Sampaio Peixoto Filho e outros APELADO: JOSENILDO LEITE SOARES e outros ADVOGADO: Carlos Sampaio Peixoto Filho e outros RELATOR (A): Desembargador (a) Federal Roberto Wanderley Nogueira - 1ª Turma JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1º GRAU): Juiz (a) Federal Fabio Bezerra Rodrigues . . . EMENTA PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. ART. 1º , III DO DECRETO-LEI N. 201 /1967. DESVIO E APLICAÇÃO INDEVIDA DE VERBAS PÚBLICAS. APELAÇÃO DO RÉU NÃO PROVIDA. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROVIDA. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. 1. Trata-se de apelações criminais. A primeira, interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. A segunda, interposta por JLS. Todas, em face da Sentença, que julgou parcialmente procedente a pretensão acusatória deduzida na Denúncia. 2. A Sentença absolveu os réus MVS e JLS, relativamente ao FATO 01, na forma do art. 386 , VI , CPP ; assim como absolveu JLS relativamente ao FATO 02, na forma do art. 386 , VI , CPP . E, por fim, condenou o réu JLS pelo cometimento do delito capitulado no art. 1º , III do Decreto-Lei n. 201 /1967 c/c art. 71 , CP (FATO 03), à pena de 10 meses de detenção. 3. Substituída a pena privativa de liberdade imposta por uma pena restritiva de direitos, na forma do art. 44 , I a III do CP , qual seja, prestação pecuniária no valor de dez salários-mínimos. 4. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em suas razões rogou pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de que seja parcialmente reformada a Sentença a quo, com a consequente condenação de JLS e MVS às penas do art. 1º , III do Decreto-Lei n. 201 /1967, em relação ao fato 1 que consta na Denúncia. 5. Por sua vez, JLS, em suas razões rogou pelo recebimento e total procedência do recurso para que seja reformada a decisão recorrida, sendo determinada a sua ABSOLVIÇÃO, nos termos do art. 386 , IV , V e VII do Código de Processo Penal . 6. Não sendo este o entendimento, requer, ainda, que diante da peculiaridade do caso, bem como do montante de recursos, seja feito um juízo de admissibilidade de proporcionalidade nas sanções impostas. 7. Ora, o FUNDEF foi instituído pela EC n. 14 /96, regulamentado pela Lei n. 9.424 /96 e pelo Decreto n. 2.264 /97, sendo depois substituído pelo FUNDEB (Lei n. 11.494 /07). 8. Vale esclarecer que o art. 2º da Lei n. 9.424 /96 previa que: "Os recursos do Fundo serão aplicados na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental público, e na valorização de seu Magistério". 9. Diante disso, neste mesmo raciocínio, o art. 2º da Lei n. 11.494 /07, dispunha que: "Os fundos destinam-se à manutenção e desenvolvimento da educação básica pública e à valorização dos trabalhadores em educação, incluindo sua condigna remuneração, observado o disposto nesta lei." 10 . Nota-se, portanto, que ambos os dispositivos legais são perfeitamente claros, inexistindo quaisquer lacunas para interpretações diversas. 11. Ademais, é importante ressaltar que, conforme narrado na Denúncia e transcrito acima, os fatos do caso em análise ocorreram no ano de 2015, isto é, DEPOIS da edição das duas leis supracitadas, não havendo que se falar em dúvidas ou controvérsias quanto à finalidade e aplicação das verbas públicas. 12. Vale destacar, ainda, que o FUNDEB atualmente é regido pela Lei nº 14.113/2021 e regulamentado pelo Decreto 10.656 /21. Entretanto, a redação do seu artigo 2º permanece semelhante às anteriores, motivo pelo qual deve ser afastada qualquer alegação de desconhecimento por parte dos gestores públicos quanto ao conteúdo legal. 13. Desse modo, não deve prosperar o argumento do magistrado a quo, ao entender que, com relação ao fato 1, embora comprovadas a autoria e materialidade do delito, não teria sido "perfectibilizada a tipicidade subjetiva, vale dizer, o elemento subjetivo da conduta", visto que, à época dos fatos, "sequer existia pacificação da compreensão de que as verbas relativas à complementação do FUNDEF deveriam ser mantidas vinculadas às ações de manutenção de ensino e educação". Isso porque, como já bem explicitado, os corréus já dispunham no tempo do cometimento dos delitos, de normas suficientes para orientá-los quanto à devida aplicação das verbas públicas. 14. Outrossim, vale lembrar que o artigo 21 do Código Penal , ao afirmar que "o desconhecimento da lei é inescusável", deixa claro que ninguém pode ser poupado de ser punido em razão de desconhecer a lei. 15 . Tal entendimento também está expresso no artigo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei 4.657 , de 4 de setembro de 1942), conforme se observa: "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece." 16. Restou plenamente comprovada a prática do delito do art. 1º , III do Decreto-Lei nº 201 /67 pelos corréus, tendo em vista que a gestão municipal não poderia realizar a indevida aplicação das verbas públicas, na qual a destinação é obrigatória para manutenção e desenvolvimento da educação básica. 17. Tal delito é formal, ou seja, aquele em que a lei descreve apenas uma conduta, e não um resultado. Assim, o bem jurídico protegido pela referida norma é a regularidade da administração, sendo consumado o crime com a simples ação de desviar ou aplicar indevidamente rendas/verbas públicas, em desacordo com a sua destinação legal, INDEPENDENTEMENTE de efetivo prejuízo ao Erário. 18. Restou devidamente evidenciado que a destinação da verba da educação para outra finalidade de interesse público NÃO é motivo plausível para descaracterizar a prática do crime descrito no art. 1º , III do Decreto-Lei n. 201 /67, posto que, como já enfatizado (e diferente dos delitos de apropriação ou de peculato), o crime é de DESVIO das verbas públicas. 19. Restaram plenamente comprovadas a materialidade e autoria dos corréus na prática do crime previsto no inciso III do art. 1º do Decreto-Lei 201 /67 relativo ao fato 1, sendo devida a sua condenação. 20. A Sentença a quo deve ser parcialmente reformada em sua dosimetria, apenas para condenar os corréus MVS e JLS às penas do art. 1º , III do Decreto-Lei n. 201 /1967, em relação ao fato 1 que consta na denúncia, devendo ser mantidos os demais termos da Decisão. 21. A Sentença atacada deve ser REFORMADA e a apelação interposta pelo Ministério Público Federal deve ser PROVIDA. 22. Apelação do réu não provida. Apelação do Ministério Público Federal provida, reforma parcial da Sentença a quo.