APELAÇÃO CRIMINAL ¿ PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO COM NUMERAÇÃO RASPADA E RECEPTAÇÃO ¿ CONDENAÇÃO DO RÉU PELO DELITO DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO ¿ RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO VISANDO À CONDENAÇÃO DO SENTENCIADO QUANTO AOS DELITOS IMPUTADOS ORIGINARIAMENTE ¿ CABIMENTO ¿ NUMERAÇÃO RASPADA DA ARMA DE FOGO COMPROVADA PELO AUTO DE APRESENTAÇÃO E APREENSÃO E DOCUMENTAÇÃO CORRELATA, ALÉM DO TESTEMUNHO DE POLICIAL MILITAR EM JUÍZO ¿ REQUISITOS ESPECÍFICOS PREVISTOS EM LEI PARA A AQUISIÇÃO DE ARMA DE FOGO ¿ CIRCUNSTÂNCIAS DA COMPRA QUE TORNAM INEQUÍVOCA A CIÊNCIA DO APELADO ACERCA DA ORIGEM ILÍCITA DO EQUIPAMENTO ¿ NÃO COMPROVADA A LICITUDE DA OBTENÇÃO DO ARTEFATO BÉLICO PELO RÉU ¿ INTELIGÊNCIA DO ART. 156 , DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ¿ CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE ¿ PRECEDENTES ¿ RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Trata-se de recurso de Apelação Criminal interposto pelo representante do Ministério Público do Estado do Ceará contra a sentença do Juízo de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza, que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva do Estado absolvendo o réu Francisco Carlos Nascimento de Oliveira quanto à prática do crime descrito no art. 180 , caput, do Código Penal , com fulcro no art. 386 , inciso V , do Código de Processo Penal , e desclassificando a imputação de prática do crime tipificado no art. 16 , parágrafo único , inciso IV , da Lei nº 10.826 /03 (redação à época dos fatos), condenando o réu nas sanções do art. 14 , da mesma Lei nº 10.826 /2003, aplicando-lhe a pena de 2 (dois) anos de reclusão, no regime inicialmente aberto, e 10 (dez) dias-multa, fixando o valor do dia multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. 2. O representante do Ministério Público aduz em seu apelo, em suma: a) que, apesar da ausência de laudo pericial que comprove a incidência de supressão, adulteração ou raspagem na arma apreendida, referido laudo pericial é prescindível para comprovar a supressão da numeração do artefato bélico, porquanto o respectivo Auto de Apresentação e Apreensão e os testemunhos coligidos em sede policial e ratificados em juízo demostram que a numeração da arma de fogo encontrava-se raspada, gozando de fé pública os ditos documentos exarados pelos agentes de segurança pública; b) que o recorrido ¿portava a arma de fogo com numeração de série suprimida, a qual havia adquirido junto ao local de vendas conhecido como `Feira da Parangaba¿, à revelia de quaisquer documentações mínimas e em descumprimento de todas as exigências estabelecidas no art. 4º, da Lei nº 10.826/03¿, restando atestada a origem ilícita do objeto, e, por conseguinte, a imputação da prática delituosa da receptação. Postula a condenação do apelado ¿também nas tenazes do art. 16 , § 1º , inciso IV , da Lei nº 10.826 /03 e do art. 180 , caput, do Código Penal Brasileiro, na forma do art. 69 , também do CPB¿. 3. A supressão da numeração da arma de fogo encontrada na posse do acusado resta suficientemente demonstrada nos autos tendo em conta a idoneidade das peças documentais produzidas no procedimento investigativo e, bem assim, sua atestação na prova testemunhal perante a autoridade judiciária, sendo circunstância constatável, ademais, pelo exame direto do equipamento e a cujo respeito não dimanam maiores dúvidas. Outrossim, não aproveita ao réu/apelado a alegação de que a supressão da numeração do artefato teria sido causada pelo desgaste normal do tempo, considerando a recenticidade da sua aquisição pelo incriminado, que, portanto, adquiriu a citada pistola já com a numeração raspada, conforme se depreende de suas próprias declarações no inquérito e em juízo. 4. A compra de arma de fogo demanda o preenchimento de diversos requisitos previstos na Lei nº 10.826 /2003, sendo inescusável a alegação, pelo apelado, de desconhecimento quanto à ilegalidade tanto da detenção quanto da aquisição da multicitada arma, avultando manifesta nessa hipótese sua proveniência ilícita, independente de o crime antecedente se tratar de algum dos tipos penais previstos na própria Lei nº 10.826 /2003 ou de algum delito contra o patrimônio (roubo, furto, apropriação indébita, etc.), tendo em vista que a pistola em questão foi adquirida com afronta às exigências estabelecidas na lei de regência, sem a comprovação pelo adquirente de que o fornecedor estava autorizado ao comércio de arma de fogo de uso permitido e sem a apresentação dos documentos que legitimariam a aquisição ¿ nota fiscal e registro da arma. 5. A alegação solitária de desconhecimento da origem ilícita da arma de fogo encontrada na posse do agente, ou de que não foi comprovado que este tinha a certeza da origem ilícita do equipamento bélico, não tem o condão, por si só, de conduzir à sua absolvição, haja vista que aquele que adquire arma de fogo sem os documentos comprobatórios da regularidade da aquisição, deixando, pois, de observar as condições expressamente prescritas na Lei nº 10.826 /2003, chancela o entendimento de que sabia da procedência irregular do artefato, máxime tratando-se de uma pistola com numeração raspada, comprada de um desconhecido em um local amplamente conhecido pelo comércio de bens oriundos de algum ilícito. 6. Com relação à tese subsidiária de que a adequação típica deve-se dar pelo § 3º , do art. 180 , do CP , tendo o acusado agido apenas de forma culposa ao comprar referido bem, melhor sorte não assiste à defesa, porquanto a arguição se mostra igualmente isolada, carente de elementos de prova a lhe dar amparo, não elidindo o dolo do agente quanto a saber ser o objeto produto de crime, o qual exsurge patente da própria natureza do bem em questão ¿ arma de fogo de uso permitido com numeração raspada ¿ e de sua inegável obtenção espúria pelo recorrido, sem a comprovação do preenchimento das exigências legais para sua aquisição e porte, o que evidencia a ciência sobre sua origem ilegal. 7. Configurada a prática dos crimes previstos no art. 16 , parágrafo único , inciso IV , da Lei nº 10.826 /2003 (redação à época dos fatos) e no art. 180 , caput, do Código Penal , restam, após o processo trifásico do cômputo da pena, cominadas ao apelado, respectivamente, as penas de 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa; e 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa. 8. Recurso conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso interposto, para lhe dar provimento, em consonância com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, condenando o réu/apelado por infração ao art. 16 , parágrafo único , inciso IV , da Lei nº 10.826 /2003 (redação à época dos fatos) e ao art. 180 , caput, do Código Penal , cominando-lhe, respectivamente, as penas de 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa; e 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, nos termos do voto do eminente Relator. Fortaleza, data constante do sistema. DESEMBARGADORA VANJA FONTENELE PONTES Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR BENEDITO HELDER AFONSO IBIAPINA Relator