EMENTA: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA DE CHEQUES. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ILEGITIMIDADE ATIVA. ENDOSSO EM PRETO. TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE DO CRÉDITO E DA LEGITIMIDADE PARA A COBRANÇA. ARTIGO 17 DA LEI Nº 7.357 /85. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM CONFIGURADA. ARTIGOS 17 E 18 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL . PRECEDENTES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS E DAS TURMAS RECURSAIS. MANUTENÇÃO. 1 ? Ressoa dos autos epigrafados que a parte autora, ora recorrente, ajuizou ação no intuito de receber o valor de R$ 2.202,78 (dois mil, duzentos e dois reais e setenta e oito centavos), representados por 2 (duas) cártulas de cheques no importe de R$ 967,00 (novecentos e sessenta e sete reais), devidamente atualizados. Sobreveio sentença de extinção, sem resolução do mérito, sob o fundamento de ilegitimidade ativa ad causam, em razão do endosso em preto realizado em favor de ?Master Fomento Comercial Ltda.? Irresignada, a reclamante ingressou com a súplica recursal em voga, requerendo a cassação da sentença, ao argumento principal de inexistência de endosso nos títulos de créditos. 2 ? O cheque é um título de crédito que tem por característica a autonomia, isso porque o cumprimento da ordem de pagamento exarada no título independe da relação jurídica que deu origem à sua expedição. 3 ? Embora a autonomia e independência do cheque em relação ao negócio jurídico que o originou não seja absoluta, a discussão a respeito da causa debendi não é possível quando há a circulação da cártula, porquanto deve prevalecer a presunção de boa-fé do terceiro que recebeu o título por endosso, quando ausentes elementos concretos que provem o contrário. 4 ? In casu, a controvérsia recursal cinge-se acerca da legitimidade do reclamante, então recorrente, em promover a Ação de Cobrança. 5 ? Conforme se extraí das cártulas de crédito objeto da lide, vislumbra-se que os títulos estão nominais à empresa autora, ora recorrente, bem como que no verso dos cheques consta o seguinte teor: ?Pague-se à Master Fomento Comercial Ltda?, sendo que o recorrente obteve os cheques do endossatário desprovidos de novo endosso em seu favor. 6 ? Diante desse contexto, vale esclarecer que o cheque é passível de emissão ?ao portador? ou de forma ?nominal?. Quando for ?ao portador?, sem preenchimento do campo destinado ao beneficiário, qualquer pessoa que estiver de posse do título ostenta legitimidade ativa para a execução. Com relação ao cheque ?nominal?, ou seja, aquele em que o emitente é obrigado a indicar o nome do beneficiário (pessoa ou empresa a quem está efetuando o pagamento), a legitimidade ativa para a execução está restrita à pessoa nominada no rosto da cártula, salvo hipótese de circulação por meio de endosso. 7 ? A doutrina ensina que o endosso pode ocorrer das seguintes formas: ?em branco? ou ?em preto?. Desse modo, o endosso ?em branco? é aquele que ocorre pela simples assinatura do favorecido no verso do título, e confere ao portador a legitimidade de exigir o pagamento do crédito. Já o endosso ?em preto? consiste na assinatura do endossante junto ao nome do endossatário, normalmente com a expressão ?pague-se a?. No caso de endosso ?em preto?, o título só pode ser executado por aquele designado pelo endossante, único legitimado a buscar o crédito constante das cártulas. Portanto, esse último, se circunscreve ao caso dos autos em estudo. 8 ? Acerca do tema, veja-se lição de Fábio Ulhoa Coelho: ?O endosso pode ser em branco, ou em preto. No primeiro caso, o ato de transferência da titularidade do crédito não identifica o endossatário; no segundo, identifica. Em outros termos, o endosso pode ser praticado por três formas diferentes: 1ª) a simples assinatura do credor no verso do título; 2ª) a assinatura do credor, no verso ou no anverso, sob a expressão ?pague-se?, ou outra equivalente; 3ª) a assinatura do credor, no verso ou no anverso, sob a expressão ?pague-se a Darcy?. Nas duas primeiras, caracteriza-se o endosso em branco, posto não identificada a pessoa para quem o pagamento deve ser feito, ou seja, para quem o crédito foi transferido. Na última forma, o endosso se considera em preto, porque o endossatário está plenamente identificado?. 9 ? Ademais, tratando-se de título nominal, sua cobrança por terceiro é possível desde que precedido de endosso, conforme dispõe o artigo 17 da Lei nº 7.357 /85, in verbis: ?O cheque pagável a pessoa nomeada, com ou sem cláusula expressa à ordem, é transmissível por via de endosso?. Desse modo, o endosso, para legitimar terceiro à cobrança do cheque nominal, deve ser feito por aquele para o qual o título foi emitido nominalmente. 10 ? Ressalte-se que, por ser o endosso meio de transmissão da titularidade do título de crédito, como qualquer ato de disposição de direito, pode ser validamente efetivado somente por seu titular, pois apenas ele tem a legitimidade para tanto, já que o crédito materializado na cártula integra seu patrimônio. 11 ? Portanto, ausente a cadeia de endossos, bem como o nome do recorrente no verso do cheque, conclui-se que este não possui legitimidade para cobrar a dívida representada no título que instrui a petição inicial, porquanto a titularidade do crédito não foi regularmente transferida, estando o autor a vindicar direito alheio em nome próprio, o que é expressamente vedado pelos artigos 17 e 18 do Código de Processo Civil . 12 ? Não obstante os títulos terem sido emitidos nominalmente para o autor da presente ação, ora recorrente, constato a existência de endosso em preto, desprovido de novo endosso em favor do autor, de modo que impõe-se o reconhecimento de sua ilegitimidade ativa, tal como constante na sentença singular. 13 ? A propósito, esse é entendimento adotado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Veja-se: ?EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO ILÍCITO. CHEQUES NOMINAIS AO AUTOR. EXISTÊNCIA DE ENDOSSO PARA TERCEIRO ESTRANHO A LIDE. ILEGITIMIDADE ATIVA. PRELIMINAR ACOLHIDA. EXTINÇÃO DO FEITO. SENTENÇA REFORMADA. 1. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios cambiários da cartularidade, literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé. 2. No caso de cheque nominal, nos termos do Art. 17 da Lei n. 7.357 /85, a transmissão ocorre via endosso que é o ato cambiário mediante o qual o credor do título de crédito (endossante) transmite seus direitos a outrem (endossatário), colocando-o em circulação. 3. Na espécie, tratando-se de cheques nominais ao autor cuja titularidade foi transmitida a terceiro estranho a lide por endosso, não se evidencia a existência do alegado crédito em proveito do autor, impondo-se, por conseguinte, a extinção do feito por ilegitimidade ativa. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA.?. (TJGO ? 4ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 5567560-20, Rel. Des. Nelma Branco Ferreira Perilo, Publicado em 06/07/2022). 14 ? Não é outro o posicionamento da 4ª Turma Recursal do Sistema dos Juizados Especiais do Estado de Goiás. Confira-se: ?EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA. REVELIA. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE RELATIVA. LEGITIMIDADE ATIVA PARCIAL. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO QUANTO AOS CHEQUES Nº 850062 e Nº 850083. SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE. I ? Trata-se de AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA, em face de ADRIANA PEREIRA DA SILVA, visando à condenação do pagamento de títulos em cheque sob nº 850064,850062, e XXXXX na quantia total de R$ 21.050,00 (vinte e um mil e cinquenta reais). A cobrança se deve sobre alegação de ?negocio jurídico?, onde houve a inserção dos referidos títulos como pagamento do negócio realizado entre as partes. O Juízo de origem declarou a revelia do reclamado e julgou procedente a ação proposta, para condenar a Recorrente, a pagar em favor do Recorrido a importância de R$ 32.088,74 (trinta e dois mil, oitenta e oito reais e setenta e quatro centavos). Irresignada, a recorrente argui a ilegitimidade ativa do recorrido, para figurar no polo ativo da presente ação, uma vez que não existe qualquer relação jurídica com a reclamada, conforme pode ser observado nas cártulas, eis que não há em nenhuma das cártulas, endosso em nome do reclamante, todas estão em nome de terceiros. No mérito, salienta que o reclamante sequer cita a origem da cobrança, não junta nenhum contrato, termo de compromisso ou qualquer, documento que justifique a origem da dívida. Requer a improcedência do pleito inaugural. II- A decretação da revelia é medida que se impõe, verificado que o recorrente, mesmo devidamente citado e notificado para a audiência, a ela não comparece. Cabe ressaltar que o reconhecimento da revelia não importa, a priori, a procedência do pedido inicial, uma vez que a presunção de veracidade é relativa, ou seja, admite prova em contrário, devendo-se considerar circunstâncias outras constantes dos autos. Por conseguinte, cabe ao julgador examinar a realidade dos autos, confrontando as provas com os fatos alegados, para verificar se o pedido deve ou não ser julgado procedente. III- Compulsando os autos, verifica-se que os cheques de nº 850062, na quantia de R$ 7.000,00 e Cheque nº 850083, na quantia de R$ 7.050,00; que instruem a inicial encontram-se nominativos a terceira pessoa diversa da elencada da presente lide, e não foi endossado, nem em branco nem em preto. Conforme dispõe o artigo 17, da Lei do Cheque .? O cheque pagável a pessoa nomeada, com ou sem cláusula expressa à ordem, é transmissível por via de endosso". No caso em apreço, portanto, os cheques não foram transferidos à parte reclamante, haja vista inexistir o endosso e nem cessão. E ainda, conforme disposto no artigo 18 do CPC/2015 , ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.À vista dessas considerações, o reclamante é carecedor da ação, por ilegitimidade ativa quanto aos cheques de nº 850062 e XXXXX, motivo pelo qual a extinção do presente feito neste particular, fazendo-o com fulcro no artigo 485 , VI , CPC/2015 . Nesse sentido:?APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE NOMINAL A PESSOA JURÍDICA EMBARGOS MONITÓRIOS. AUSÊNCIA DE ENDOSSO AO PORTADOR. ILEGITIMIDADE ATIVA CONFIGURADA. PROCESSO DECLARADO EXTINTO. RECURSO IMPROVIDO. CONSTATADO SER O CHEQUE NOMINATIVO, E INCONTESTE QUE A SUA TRANSFERÊNCIA DEVE SE OPERAR POR VIA DE ENDOSSO, O QUAL SOMENTE SE CONFIGURA COM A ASSINATURA DO ENDOSSANTE, NOS TERMOS DO QUE DISPÕE A LEI N. 7.357 /85, JUSTIFICANDO, ASSIM, A POSSE POR PESSOA DIFERENTE DO BENEFICIÁRIO EXPRESSADO NO TÍTULO. TRATANDO-SE O TÍTULO EMBASADOR DA AÇÃO MONITÓRIA DE CHEQUE NOMINAL À PESSOA JURÍDICA, HÁ DE SER DECLARADA A ILEGITIMIDADE ATIVA DO PORTADOR QUE POSTULA EM NOME PRÓPRIO, HAJA VISTA A AUSÊNCIA DE ENDOSSO DO BENEFICIÁRIO DO TÍTULO. APELAÇÃO CONHECIDA, MAS IMPROVIDA. (TJ/GO, DJ do dia 14/04/2009, Apelação Cível nº 200804154982, Rel. Des. Almeida Branco). Por outro lado, quanto ao Cheque nº 850064, verifica-se que este não encontra-se nominativo, sendo portanto ao portador. Assim, o reconhecimento da legitimidade do cheque nº 850064 é medida que se impõe. IV- Cumpre mencionar, que para a desconstituição de um título, a prova há de ser robusta e incontestável, de modo a ensejar nenhuma dúvida. Todavia, a reclamada não trouxe nenhuma prova de que a dívida tenha sido adimplida. Apenas alega que não deve nenhum valor ao reclamante. Para que se reconhecesse a inexigibilidade do valor materializado no título supracitado, era necessária a efetiva demonstração de fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do reclamante, o que não se verificou na hipótese (art. 373 , II , do CPC ). V- Nesse sentido:"EMENTA: ?APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. PRESCRIÇÃO. CHEQUE. CINCO ANOS. TERMO INICIAL. DIA SEGUINTE À DATA DE EMISSÃO DO TÍTULO DE CRÉDITO. QUITAÇÃO PARCIAL DA DÍVIDA. ÔNUS DO DEVEDOR. NÃO COMPROVAÇÃO. PAGAMENTO DEVIDO. 1. O prazo para o ajuizamento da ação monitória baseada em cheque sem força executiva é de cinco (5) anos, contados a partir do dia seguinte à data da emissão do título, nos termos da Súmula 503 do STJ. 2. Conforme a regra do artigo 373 , I e II , do Código de Processo Civil/15 , que é aplicada subsidiariamente ao procedimento monitório, incumbe ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito, e ao réu a demonstração dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. 3. Se o devedor não demonstra o pagamento parcial da dívida, ou não apresenta prova alguma capaz de desconstituir a cobrança, deve efetuar a quitação, ao credor, daquilo a que se obrigou. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA.?(TJGO, Apelação ( CPC ) XXXXX-52.2016.8.09.0006 , Rel. ALAN SEBASTIÃO DE SENA CONCEIÇÃO, 5ª Câmara Cível, julgado em 29/10/2018, DJe de 29/10/2018)". Destarte, a sentença deve ser reformada. X- RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO para fins de reconhecer que o reclamante é carecedor da ação, por ilegitimidade ativa quanto aos cheques de nº 850062 e XXXXX, motivo pelo qual a extinção do presente feito neste particular, fazendo-o com fulcro no artigo 485 , VI , CPC/2015 . Julgar procedente o pleito, quanto ao cheque nº 850064, na quantia de R$ 7.000,00 (sete mil reais) acrescido de juros a contar da citação e correção monetária do vencimento da dívida. Sem custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95?. (Recurso inominado nº 5045339.15, Rel. Fernando Ribeiro Montefusco, Publicado em 29/07/2020). 15 ? Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida por estes e por seus próprios fundamentos.