PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS PAGAS. PRELIMINAR DE INOVAÇÃO RECURSAL SUSCITADA DE OFÍCIO. CABIMENTO. ACOLHIMENTO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ROMPIMENTO POR ESCOLHA DO ADQUIRENTE. PERCENTUAL DE RETENÇÃO. 25% (VINTE E CINCO POR CENTO). ADEQUAÇÃO AOS PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA FIRMADOS EM TESE DE REPETITIVO. APELO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. I Tratam os autos de Apelação Cível interposta por FAZENDA IMPERIAL EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., em face a sentença de fls. 148/155, proferida pelo Juiz da 23ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza CE, nos autos da ação de rescisão contratual c/c devolução de quantias pagas movida por MESSIAS AUGUSTO SILVA BRANDÃO. Na ocasião, o Juiz acolheu parcialmente os pedidos da inicial, resolvendo o processo com resolução de mérito, restaurou em parte a tutela antecipada deferida nas págs. 74/75, para determinar que a parte promovida se abstenha de incluir o nome da parte autora nos cadastros de restrição ao crédito, e de efetuar qualquer cobrança referente ao contrato, sob pena de multa diária, condenou ainda a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios sucumbenciais, ora fixados em 10% sobre o valor da condenação. II PRELIMINAR. Antes de examinar o mérito, convém decidir questão preliminar suscitada de ofício neste momento. Trata-se de inovação recursal do argumento de que há de se condenar o autor à taxa de fruição do imóvel, nos termos da cláusula 13.4, iii, do contrato firmado entre os litigantes. Fazendo o cotejo do recurso de fls. 183/197 com a peça de defesa anexada às fls. 89/98, percebe-se que o aludido argumento não foi mencionado nenhuma vez. III - Segundo dispõe o art. 1.013 , § 1º , do Código de Ritos , apenas serão objeto de apreciação e julgamento pelo Tribunal as questões "suscitadas e discutidas no processo", o que não se observa na hipótese, sendo vedado ao recorrente inovar em seu recurso pontos que sequer foram abordados na peça de defesa. IV - Nos termos do art. 336 do CPC , que consagra o princípio da eventualidade, incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir. Tem-se, portanto, que todas as matérias de defesa, ou seja, tudo aquilo que sirva para resistir à pretensão inicial, exceto as de ordem pública, devem ser concentradas na contestação, vez que o réu não tem outra oportunidade de alega-las. Eis a redação do indigitado dispositivo: "Art. 336. Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir." Nenhum dos argumentos recursais para impor a condenação ao autor à taxa de fruição trata de tema típico de ordem pública, a permitir, assim, o exame neste juízo ad quem, na forma do preconizado nos arts. 342 e 1.014 do Código Adjetivo Civil. Ademais, ainda que assim não fosse, cumpre ressaltar que o aludido pedido não foi realizado na via correta. Ele deveria ter se dado em sede de reconvenção, e não, como feito, em recurso de apelação. V - Não há de se falar em decisão surpresa, à vista do entendimento assente de que os preceitos do aludido princípio, imortalizados nos arts. 9º e 10 do CPC , não se aplicam aos requisitos de admissibilidade dos recursos: "1. A proibição da denominada decisão surpresa, que ofende o princípio previsto nos arts. 9º e 10 do CPC/2015 , ao trazer questão nova, não aventada pelas partes em Juízo, não diz respeito aos requisitos de admissibilidade do Recurso Especial, já previstos em lei e reiteradamente proclamados por este Tribunal ( AgInt no AREsp n. 1.329.019/RJ , Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 11/4/2019)." VI MÉRITO. Cinge a irresignação a ver majorado o percentual de retenção a que tem direito a Apelante, quanto aos valores despendidos pela parte adversa decorrentes do contrato de compra e venda de imóvel entabulado entre as partes. Em sentença, o magistrado entendeu que a Demandada teria direito a reter 10% (dez por cento) dos valores pagos. A promovida, por sua vez, em recurso, afirma que detém a possibilidade de reter 25% (vinte e cinco por cento), diante dos precedentes da Corte Superior firmados em sede de repetitivos pela segunda seção daquela corte, nos autos dos Processos nºs EAg nº 1.138.183/PE e no REsp nº 1.723.519/SP ). VII As razões expostas no Recurso merecem acolhimento, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça, nos seus precedentes mais recentes, consolidou o entendimento que nas hipóteses em que há rompimento contratual por ato do comprador, como na casuística, a retenção pela promovida se dará no percentual de 25%, independente do rompimento contratual ter se dado antes ou após a entrega do imóvel, à vista da natureza indenizatória e cominatória da aludida retenção. Precedentes. VIII - O argumento de que no contrato há percentual menor (15%) e o fato do percentual de 25% não ter sido tema debatido na defesa não funcionam como obstáculos ao atendimento da pretensão recursal. Isso porque se trata de seguir comando jurisprudencial firmado em sede de repetitivo, nos termos do preconizado no art. 489 , § 1º , VI , do Código de Ritos . Ademais, sobreleva mencionar que quando da apresentação da peça de defesa, em 22 de setembro de 2017, a tese aludida ainda não havia sido consolidada, tendo isto ocorrido tão somente em 2 de outubro de 2019. IX Apelo conhecido parcialmente e provido na parte conhecida. Sentença reformada. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade, em conhecer parcialmente da irresignação apresentada para, no mérito da parte conhecida, DAR-LHE PROVIMENTO, tudo nos termos do voto do desembargador relator. Observadas as disposições de ofício. Fortaleza/CE, 13 de setembro de 2022. DESEMBARGADOR FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE Relator